Ultraliberalismo e Estado policial

O assassinato da pequena Ágatha Félix, de apenas 8 anos, atingida por tiro de fuzil disparado pela polícia do Rio de Janeiro, sexta-feira à noite, ocorreu exatamente um mês depois de a mesma polícia ter usado atirador de elite, no dia 20 de agosto, para matar o jovem William Augusto da Silva, de 20 anos, que tomado por um surto psicótico seqüestrou um ônibus com arma de brinquedo e ameaçou incendiá-lo.

Dois fatos recentes com a mesma raiz sociológica. Se na morte de Ágatha a polícia é acusada de, irresponsavelmente, ter atirado contra supostos bandidos, em pleno trânsito, atingindo a criança, no episódio do seqüestro do ônibus na ponte Rio-Niterói havia a possibilidade concreta de neutralizar o seqüestrador sem matá-lo. Crimes de Estado.

Em ambos os casos, assim como em inúmeros outros que têm acontecido com freqüência ultimamente, em particular no Rio de Janeiro, fica evidente a disposição do Estado de usar todo o poder de fogo possível não em prol de uma política de segurança pública eficiente, responsável e cidadã, mas para eliminar os ditos “indesejáveis” do sistema, custe o que custar, não importa os efeitos colaterais.

A violência policial aumentou consideravelmente com o governo Bolsonaro e não é em vão. É conseqüência do projeto ultraliberal, ou pós neoliberal, como também chamado, que bancou o golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, a condenação e prisão ilegais de Lula, o assassinato de Marielle Franco, a eleição do capitão e a ascensão da extrema direita ao poder, em um processo eleitoral influenciado por fake news, entre outras fraudes. São exemplos mais gritantes que desenham um regime neofascista. Absolutismo de mercado, amparado no Judiciário e nos quartéis, com violenta repressão contra os insurgentes.  

Os assassinatos de Ágatha, William e Marielle têm o mesmo DNA da entrega do pré-sal às petrolíferas estrangeiras, das reformas trabalhista e previdenciária, da privatização de lucrativas estatais, dos ataques à educação pública, principalmente as universidades federais, dos crimes, inclusive de lesa-pátria, cometidos pela Lava Jato, do sucateamento do parque industrial, do desmonte do Estado brasileiro e das violações à soberania nacional.

O ultraliberalismo, como rotulada a nova fase de reprodução do capital, movida pelo sistema financeiro, não se contenta mais com o Estado mínimo. É muito mais cruel. Justamente por estar ancorado unicamente no rentismo e romper radicalmente com qualquer compromisso social, como ocorria na época do capitalismo industrial, o regime necessita, para se sustentar, da extinção de direitos e de restrições das liberdades. O típico Estado policial. Até quando vai durar depende, diretamente, da capacidade de mobilização e luta da sociedade.

A tragédia brasileira tem sido acompanhada com grande apreensão pelo mundo todo. Preocupa muito por ameaçar o desenvolvimento do processo civilizatório. Reforçar a resistência ao neofascismo é o desafio que se coloca hoje para toda pessoa física ou jurídica comprometida com a democracia, com a vida e com a dignidade humana.

* Rogaciano Medeiros é jornalista, integrante do Movimento Comunicação pela Democracia