Alunas do Colégio Anchieta, de Porto Alegre, viralizaram na internet a campanha “Vai ter shortinhos sim”, inclusive criando uma página no Facebook (acompanhe aqui) e um abaixo-assinado disponibilizado para atacar a opressão ao modo de se vestir das meninas.
Mais uma entre as diversas campanhas que têm viralizado na internet contra o assédio, como “Meu primeiro assédio”, “Carnaval sem assédio”, “Eu não mereço ser estuprada”, “Meu número é 180”, da ONU Mulheres, sempre com o objetivo de se contrapor a toda ordem de violência.
“Nós, alunas do ensino fundamental e médio do Colégio Anchieta de Porto Alegre, fazemos uma exigência urgente à direção. Exigimos que a instituição deixe no passado o machismo, a objetificação e sexualização dos corpos das alunas”, diz manifesto das alunas para uma abaixo-assinado online (acesse a página aqui).
A colocação das adolescentes gaúchas, entre 13 e 17 anos, sugere um amplo debate sobre o papel da educação na discussão da questão de gênero dentro das escolas. “Em pleno século 21, não cabe mais educar as meninas para serem mães e donas de casa somente”, diz Marilene Betros, secretária da Mulher da CTB-BA.
As jovens manifestam ainda a exigência de deixar “no passado a mentalidade de que cabe às mulheres a prevenção de assédios, abusos e estupros; exigimos que, ao invés de ditar o que as meninas podem vestir, ditem o respeito”.
“Eles falam que não é lugar de usar shortinho. Mas essa é a nossa roupa. A gente tem o direito de usar a roupa que a gente quiser”, diz a estudante Marina Stein, de 14 anos.
A professora baiana lembra que o debate de gênero consta do Plano Nacional de Educação (conheça o PNE aqui), mas que muitos municípios e estados estão tirando a palavra gênero de seus planos porque “temem a igualdade de direitos entre homens e mulheres”.
Para ela, “a cultura patriarcal subjugou a mulher para limitar seu conhecimento, inclusive sobre o seu próprio corpo, impedindo assim qualquer possibilidade de autonomia. Mas as feministas foram à luta, queimaram sutiãs e conquistaram espaços”.
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Camila Lanes, presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), concorda e explica que a Ubes vem se debruçando sobre essa questão porque “é fundamental combater o preconceito e a opressão sobre o corpo das meninas e sobre a orientação sexual das pessoas”.
Para Marilene, a cultura machista é tão forte ainda na sociedade brasileira que “só veem problema em meninas de shortinho. Os meninos podem usar shorts apertados e curtos e até andarem sem camisa que ninguém reclama”.
A líder estudantil ataca esse tipo de abordagem também nas escolas. “Não se deve implicar com as roupas das meninas, mas sim educar os meninos a respeitarem as meninas”.
Afirma ainda que a situação das transexuais e travestis é ainda mais opressiva. “Mesmo os estudantes têm muita resistência em defender o direito à orientação sexual, discriminando as transexuais e travestis”.
Educação como ferramenta libertadora
Para Camila, “a educação deveria ser uma ferramenta utilizada pelo Estado para produzir novos conhecimentos e combater a violência, o ódio e a discriminação dentro ou fora das escolas”.
Marilene reforça essa postura. “Precisamos participar da formulação da Base Nacional Comum Curricular para integrar essa questão os currículos e assim criar uma educação que vise produzir a igualdade entre homens e mulheres”.
Mas para isso, lembra, “é necessário ar oportunidades iguais de desenvolvimento com uma educação pública voltada para o amanhã”. E, segundo ela, o papel da escola numa sociedade como a nossa é abrir o debate, mas “debater com transparência e liberdade”.
“A menina usar um shortinho não significa convite ao sexo’, diz Marilene, enquanto Camila ressalta que a paranóia dos setores fundamentalistas religiosos é tamanha que em seu estado, o Paraná, foi retirada do Plano Estadual de Educação a expressão gênero alimentício.
Mas a presidenta da Ubes acentua a força das meninas, que têm levado as bandeiras do feminismo para as salas de aula. “Estamos compreendendo que o feminismo nos liberta, enquanto o jugo machista nos oprime”.
“Os planos pedagógicos das escolas devem incluir toda a diversidade da vida humana em seus preceitos, parando de excluir as meninas e os homossexuais”, reforça.
Ela acredita que a educação tem falhado no país principalmente na questão de difundir “o respeito ao próximo, ao diferente”. Por isso, para ela, “a educação precisa mudar e acompanhar os novos tempos e atender os anseios da juventude”.
Como dizem as estudantes gaúchas: “nós, alunas do ensino fundamental e médio do Colégio Anchieta, nos recusamos a obedecer a regras que reforçam e perpetuam o machismo, a cultura do estupro”.
Marilene reafirma o papel da educação como essencial para “construir o mundo novo, desde que voltada para o diálogo, com respeito à diversidade, visando produzir nos jovens a vontade de estudar e saber e, com isso, ter um desenvolvimento pleno. É um debate civilizacional”.
Ela afirma que é necessário “educarmos as crianças e os jovens para a cultura da paz, com respeito à dignidade humana, com respeito à vida e ás diferenças”. As meninas dizem na página que criaram no Facebook: “ensinem seus alunos a respeitar, não suas alunas a temer”.
Marcos Aurélio Ruy – Portal. Foto Julia Townsend