Instituições de ensino superior e entidades sindicais se mobilizam contra cortes no orçamento de 2021

Queda de recursos para universidades e institutos federais é sistemática, mas redução de 18,2% pode inviabilizar pesquisa e causar fechamento de unidades.

As universidades e os institutos federais foram surpreendidos no início da semana passada com o anúncio do Projeto de Lei Orçamentária para 2021, a ser encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. O projeto prevê um corte de 18,2% do orçamento das instituições de educação superior, o que agrava a crise já vivida por elas, desde o congelamento dos recursos para a educação pela Emenda Constitucional 95. A redução representa no total cerca de R$ 1 bilhão a menos em 2021 para as despesas discricionárias do sistema, que envolvem custeio, capital e assistência estudantil.

Para o presidente da ADUFRGS-Sindical, Lúcio Vieira, ao propor este corte, o Governo Federal se coloca mais uma vez na contramão do enfrentamento da crise mundial provocada pela Covid-19. “Neste momento grave de pandemia, o mais importante é investir no setor público. Mas o setor econômico do governo insiste que tem que lucrar frente à situação, quando, na verdade, deveria estar contribuindo para reduzir os efeitos da Covid-19”, ressalta.

De fato, os recursos da União são fundamentais para a continuidade do trabalho das instituições federais de ensino no combate ao novo coronavírus. Desde março, as universidades e os institutos em todo o Brasil estão executando inúmeras ações de enfrentamento à Covid-19, que incluem realização de testes, pesquisas em diferentes áreas, modelagens sobre o avanço da doença e participação em comitês científicos para subsidiar as decisões das autoridades governamentais. 

“Temos trabalhado em todas as frentes para mitigar seus efeitos, realizando pesquisas, apresentando soluções, auxiliando comunidades em situação de vulnerabilidade, enfim, estamos mostrando à sociedade qual o nosso valor e o que as universidades representam para o país”, frisa o reitor da UFRGS, Rui Oppermann.

Desde o anúncio do corte no orçamento, instituições e entidades ligadas à educação superior estão trabalhando para reverter a situação. PROIFES-Federação, ANDIFES e CONIF já estão em contato com Comissões e Frentes Parlamentares para evitar que o corte orçamentário passe no Congresso Nacional. “Todas as ações que estamos realizando são nossos principais argumentos para dialogar com o governo e com o Congresso Nacional para reverter essa decisão”, pontua Oppermann.

Em reunião da diretoria do PROIFES, realizada na última quarta-feira, 12 de agosto, os dirigentes sindicais se apropriaram das informações para construir a argumentação em defesa das instituições públicas. “Discutir orçamento não é simples e, nesse sentido, as informações que nos foram transmitidas neste encontro nos ajudam a não cometer equívocos ao desconstruir as informações distorcidas que, de forma geral, são passadas para a população por meio da mídia e do governo, que seguem atuando contra o servidor público”, pontua o presidente do PROIFES, Nilton Brandão.

“Temos que construir um grande movimento nacional no sentido de que se retome pelo menos o orçamento que já tínhamos em 2020, lembrando que aumentaram o número de estudantes nas universidades e institutos federais”, completa o presidente da ADUFRGS. 

Lúcio Vieira destaca que, com a retomada das aulas, sejam elas a distância, remotas ou semipresenciais, as IFES terão que investir pesadamente em melhorias para dar acesso aos estudantes. Cortar recursos, além de inviabilizar essas melhorias, pode provocar até mesmo o fechamento de instituições. 

“Tem campus que vão ficar no limite da manutenção, não vai ter pesquisa nem extensão. Além disso não vai haver reposição de pessoal e os programas de qualificação serão prejudicados, pois os professores que se afastarem não poderão ser substituídos. Isso tudo reduz a qualidade da educação pública superior”, afirma Vieira.

A ANDIFES, segundo o reitor da UFRGS, mantém canais de diálogo importantes para buscar evitar os cortes. “Nossa expectativa é que possa haver uma mudança na proposta a ser enviada ao Congresso, já que os Ministérios da Educação e da Economia estão informados da grave situação que se criará para as universidades caso se efetive esse corte. Tanto na Câmara quanto no Senado, as Instituições Federais de Ensino Superior contam com apoio de frentes de parlamentares”, reforça Rui Oppermann.

O reitor lembra ainda que – diante das reduções orçamentárias e do congelamento que já havia ocorrido com a Emenda Constitucional 95 – “as universidades, na verdade, necessitariam de uma recomposição de sua capacidade de investimento e de custeio, a fim de atender à expansão das atividades próprias no ensino, na pesquisa e na extensão”.


Redução orçamentária prejudica estudantes e trabalhadores

Na UFRGS, segundo Oppermann, o corte de 18,2% representaria cerca de R$ 30 milhões a menos no orçamento de custeio e capital de 2021 em comparação ao de 2020. “Outro aspecto preocupante do projeto é o que trata do impedimento legal para contratação de pessoal para reposição em cargos que foram desocupados antes da Lei Complementar 173/20. A situação cria uma dificuldade intransponível para as atividades de ensino, pesquisa e extensão e para o necessário apoio administrativo. Atualmente, há cerca de 4,5 mil cargos de docentes em todo o País que não podem ser preenchidos”, esclarece.

Embora tenha uma estrutura bem menor que a UFRGS, a UFCSPA também sofre – e muito – com os cortes orçamentários. De acordo com a reitora, Lúcia Pellanda, a Universidade havia feito uma projeção do aumento da necessidade das famílias de seus estudantes para o ano que vem e a notícia da redução de recursos, principalmente da assistência estudantil, causou preocupação.

“Precisamos garantir pelo menos a assistência social porque as famílias estão entrando em situação de vulnerabilidade com a crise da Covid-19. Além disso, a gente não vai voltar ao normal logo, vai precisar de equipamento de proteção individual (EPIs) e de uma série de outros equipamentos”, afirma Lúcia, lembrando que a UFCSPA contou com o apoio da sociedade para comprar insumos que foram usados na fabricação de EPIs para profissionais da saúde. 

A reitora destaca, mais uma vez, que as universidades estão sendo protagonistas no combate à pandemia e que neste momento é ainda mais importante ter recursos para investir em pesquisa e extensão. “É importante mostrar para a sociedade que é justamente na crise que precisamos investir em educação, é a nossa única saída”, alerta.

Segundo Lúcia, o orçamento de custeio da UFCSPA não chegou a sofrer grandes perdas ao longo dos anos em termos absolutos. Porém, a redução foi desproporcional ao crescimento gradativo do número de alunos, o que fez com que o custo-aluno fosse reduzido e a Universidade precisasse contingenciar recursos. “Nos últimos anos as universidades aumentaram muito o número de alunos, mas tiveram redução de orçamento. Tudo tem um limite. A gente faz um esforço enorme para continuar oferecendo ensino de qualidade”, ressalta, destacando que a maior perda da UFCSPA se deu no seu capital, que caiu de R$ 15 milhões no ano de 2015 para R$ 1,5 milhão este ano.

Institutos Federais correm o risco de fechar unidades

De acordo com o presidente do CONIF, Jadir José Pela, a situação dos Institutos Federais (IFs) é tão preocupante quanto das universidades, mas a baixa renda dos estudantes dessas instituições torna a situação ainda mais complicada. “Os IFs têm situações muito diversas em todas as regiões do país, mas, de forma geral, 30% dos nossos estudantes têm renda per capita de até um salário mínimo. Precisamos ter uma assistência estudantil forte”, explica.

O presidente do CONIF ressalta que “um conjunto de IFs vai passar por aulas remotas e vai precisar de recursos para isso”. Entretanto, desde 2017, o orçamento dos Institutos Federais, segundo Pela, está no mesmo patamar. Em contrapartida, o número de estudantes de lá para cá aumentou 6,08%. Para se ter uma ideia, no último processo de ingresso, as IFs ofereceram 500 mil vagas e 2 milhões de candidatos compareceram ao vestibular.

Todos os anos, portanto, os IFs fazem uma verdadeira ginástica para esticar o orçamento e atender à demanda. “As instituições reveem contratos, fazem contingenciamento. Nossos reitores e reitoras estão fazendo seu dever de casa, mas uma redução como esta que está sendo proposta para 2021 vai diminuir muito o investimento, o custeio das contas e a assistência estudantil, fundamental para manter o aluno do IF dentro da instituição”, ressalta.

O reitor do IFRS, Júlio Xandro Heck, reforça a fala do presidente do CONIF. Segundo ele, o orçamento cai a cada ano. “Em 2020 repetimos o orçamento de 2019, o que é muito ruim porque houve crescimento de matrícula e contratos reajustados. Com o efeito da pandemia, só piorou”, destaca. Para ir além, se considerado o orçamento de 2014, o IFRS receberá em 2021, 60% do valor repassado há 6 anos, sem considerar a inflação do período.

Heck explica que o atual orçamento para custeio do IFRS é “de longe, o menor da história”. E a administração desse recurso em uma instituição com a capilaridade e heterogeneidade do IFRS é um desafio ainda maior. “Há campi em fase de implementação, alguns ainda precisam de obras físicas. Se aplicarmos a redução do orçamento de forma linear, vai ter campi que não chegará no valor mínimo para manter as portas abertas”, afirma o reitor. “A gente ainda não fez essa divisão interna, mas teremos que fazer essa discussão neste segundo semestre”, reforça.

No IFSul, a situação também é crítica, como explica o reitor Flávio Nunes. “Os cortes no orçamento são altamente nefastos para a continuidade das nossas instituições, certamente eles irão incidir na diminuição da oferta de ações que contribuem com a qualidade da educação ofertada. Projetos de ensino, pesquisa e extensão terão que ser adiados”, diz. 

O orçamento do IFSul, de 2014 para 2019 teve uma queda brutal. Passou de R$ 81,4 milhões para R$ 55 milhões. A projeção para 2021, com os cortes previstos, é aterradora: R$ 44,2 milhões e com crescimento no número de matrículas, que deve passar de cerca de 17 mil para 19 mil.  

Dentre as instituições da base da ADUFRGS, o IFSul foi a única que não teve aumento do número de alunos de 2019 para 2020, isso porque não teve investimento público para isso. Segundo o reitor “não houve financiamento para abertura de turmas novas de EaD, pelo E-tec e Pró-funcionário”. 

Assim como os colegas das demais instituições, contudo, Nunes acredita na possibilidade de reverter a decisão do governo federal pelo corte orçamentário. “Teremos que começar um processo de mobilização, como já ocorreu em anos anteriores, para reverter o quadro junto ao governo federal, chamar a atenção da sociedade com o ataque que estamos sofrendo no sentido de não poder continuar com a qualidade que sempre foi uma das nossas forças, em especial em um ano em que ainda estaremos sofrendo os males da pandemia. 


Apoio no Congresso Nacional

A Frente Parlamentar pela Valorização das Universidades Federais e a Frente Parlamentar em defesa dos Institutos Federais emitiram nota às Instituições de Educação Superior na qual dizer ver com extrema preocupação a possibilidade de um corte no orçamento das instituições federais de ensino em 2021. “Apesar de o Ministério da Educação não ter comunicado oficialmente, o corte está previsto na proposta de Orçamento da União que o governo federal deverá encaminhar ao Congresso Nacional para análise, até 30 de agosto”, diz a nota.

Os parlamentares que atuam nas duas Frentes consideram o fato “muito grave, especialmente durante a pandemia, quando as instituições federais de ensino tiveram um aumento de demanda e estão atuando na produção de pesquisa de combate ao Covid, no desenvolvimento de tecnologias, atendimento em hospitais universitários, produção de equipamentos de proteção e respiradores, além de produção e realização de testes”. Ao final os parlamentares dizem que acreditam no diálogo para reverter a previsão de cortes.

Fonte: Portal Adverso