Um G20 para nada

Não faltou publicidade em torno da cimeira dos 20 países industrializados e emergentes (G20) reunidos em Londres dias 1 e 2 de Abril para buscar soluções à crise. Mas bem antes do encerramento da cimeira, as conclusões são conhecidas: o G20 não estará à altura do desafio.

Para além da publicação na imprensa especializada de um projeto de comunicado final muito insuficiente, a razão é simples: a cimeira do G20 não foi efetuada para trazer verdadeiras soluções, ela foi convocada às pressas uma primeira vez em Novembro último para salvar a face das potências e tentar colmatar as brechas de um capitalismo em plena crise. É impossível, portanto, que ela traga aos povos do mundo inteiro alternativas suficientemente radicais para inverter a tendência. Iniciada por aqueles que lucram com a relação de forças atual, a cimeira do G20 é estruturalmente incapaz de escolher pistas que possam modificar em profundidade esta relação de forças. Quando um chefe de Estado ou o diretor de uma instituição internacional chegou ao seu posto graças ao apoio dos grandes credores e das multinacionais, ele não irá tentar fragilizar o poder dos seus preciosos apoiantes.

Como a situação é indefensável devido à crise financeira internacional, o G20 vai procurar limar os dentes deste sistema predador ao invés de colocá-lo fora de serviço. A opinião pública vai, portanto ser solicitada a olhar em duas direções que devem servir para cristalizar a exasperação: os paraísos fiscais e as remunerações dos dirigentes de grandes empresas.

É preciso abolir os paraísos fiscais, isso é evidente. E é fácil de decidir. Basta proibir às empresas e aos residentes terem ativos em ou manterem relações com parceiros situados nos paraísos fiscais, que são inteiramente identificáveis. Os países da União Europeia que funcionam como paraísos fiscais (Áustria, Bélgica, Grã-Bretanha, Luxemburgo…) e a Suíça, que é signatária dos acordos de Schengen, devem levantar o segredo bancário e por fim às suas práticas escandalosas. Mas esta não é a orientação tomada pelo G20: alguns casos emblemáticos serão sancionados, medidas mínimas serão pedidas aos países afetados e uma lista negra dos territórios “não cooperativos” cuidadosamente depurada (a City de Londres, o Luxemburgo e a Áustria conseguiram não figurar na mesma) será elaborada. Aliás, tal lista já existia, mas com o passar do tempo a quase-totalidade dos países havia sido removida. Vai-se, portanto retomar os mesmos e recomeçar.

Igualmente, as remunerações dos dirigentes das grandes empresas, incluindo paraquedas dourados e bônus diversos, são realmente escandalosas. Em período de crescimento, o patronato afirmava que precisava recompensar aqueles que tomavam riscos e traziam tantos lucros às sociedades (não falamos dos trabalhadores, como já compreenderam!) para eles não deixarem as empresas. Agora que a crise está solidamente instalada e que as empresas escavam as suas perdas, os mesmos continuam a justificar rendimentos faraônicos. O G20 vi “enquadrar” estas remunerações, por um período limitado (até o fim de 2010 em França). A própria lógica não é posta em causa, apaga-se apenas o aspecto insuportável para fazê-la perdurar.

Para além das questões dos paraísos fiscais e dos super-bônus dos patrões, para os quais nenhuma eventual sanção é especificada, os países do G20 vão continuar a manter os bancos a flutuar, mas sem tomar o controle para impor outras orientações diferentes daquelas que fracassaram há várias décadas e levaram à crise atual. O G20 não deixa de lembrar que vai lutar contra o protecionismo, como se fosse inadmissível querer proteger os sectores vitais da sua economia. O livre mercado e a desregulação forçada conduziram ao fiasco, o G20 tira conclusões que as populações não podem aceitar: procura salvaguardar a todo custo este livre mercado, apanágio dos poderosos que nada querem ceder da sua dominação em relação aos mais fracos.

Pouco importa ao G20 se o FMI foi um ator central na imposição das políticas de ajustamento estrutural desde o anos 1980. O G20, ao contrário, quer agradecer-lhe por ter sido o grande ordenador das privatizações ao extremo, da liberalização da economia, da abertura dos mercados e da redução drástica dos orçamentos sociais. O FMI, se bem que desacreditado e deslegitimado a nível mundial, vai ser recolocado no centro do jogo político e econômico graças a uma injeção de fundos daqui até 2010.

Uma pequena pintura sobre um mundo em ruínas, eis a iniciativa do G20. Só uma forte mobilização popular poderá permitir construir fundamentos sólidos para construir enfim um mundo no qual a finança esteja ao serviço dos seres humanos, e não o inverso. As manifestações de 28 de Março foram importantes: 40 mil pessoas em Londres, dezenas de milhares em Viena, Berlim, Stuttgart…, com o tema “Que os ricos paguem pela crise!”. A semana de ação mundial convocada pelos movimentos sociais do mundo inteiro por ocasião do Fórum Social Mundial (FSM) de Belém, em Janeiro, teve, portanto um reflexo de primeira ordem. Aqueles que anunciaram o fim do movimento alter-mundialista enganaram-se, este demonstra que é perfeitamente capaz de alcançar grandes mobilizações. Em França, nos dias 29 de Janeiro e 19 de Março últimos, os assalariados, os desempregados, os jovens afirmaram com força que querem outras soluções para a crise do que estas que consistem em salvar os banqueiros e obrigar os de baixo a apertarem mais uma vez a cinto.

Em contraponto ao G20, o presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, Miguel d’Escoto, convocou uma reunião geral dos chefes de Estado para o mês de Junho e pediu ao economista Joseph Stiglitz para presidir uma comissão que fará propostas para responder à crise global. Conforme certos documentos preparatórios, as soluções propostas são inadequadas, mas elas terão o mérito de serem submetidas à discussão da Assembleia Geral da ONU. Por que a imprensa faz silêncio em torno desta iniciativa? Porque o diário Le Monde participa numa campanha de descrédito internacional contra Miguel d’Escoto que teve a coragem de saudar a importância do FSM de Belém, que tomou ativamente partido pela defesa do povo palestino e que se pronunciou contra todo ataque ao Irão sob o pretexto de por fim ao seu programa nuclear? Colocar a pergunta já é responder.

  Uma nova crise da dívida está em preparação no Sul, ela é a consequência da explosão da bolha da dívida privada imobiliária no Norte. A crise que hoje afeta a economia real de todos os países do Norte provocou uma queda dos preços das matérias-primas, o que reduziu as receitas em divisas com as quais os governos dos países do Sul reembolsam a sua dívida pública externa. Além disso, o “credit crunch” provocou uma alta dos custos dos empréstimos dos países do Sul. Estes dois fatores já provocam suspensões de reembolso da dívida por parte dos governos dos países mais expostos à crise (a começar pelo Equador). Outros se seguirão.

A situação é absurda: os países do Sul são prestamistas líquidos do Norte, a começar pelos Estados Unidos que têm uma dívida externa total de mais de 6000 mil milhões de dólares (o dobro da dívida externa dos países do Sul). Os bancos centrais dos países do Sul compram títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Eles deveriam, ao contrário, constituir em conjunto um banco do Sul democrático a fim de financiar projetos de desenvolvimento humano. Deveriam abandonar o Banco Mundial e o FMI que são instrumentos de dominação. Deveria desenvolver relações de solidariedades Sul-Sul como fazem os países membros do ALBA (Venezuela, Cuba, Bolívia, Nicarágua, Honduras, Dominica). Deveria realizar uma auditoria das dívidas que se lhes reclama e por fim ao pagamento das dívidas ilegítimas.

O G20 vai cuidar de preservar o essencial da lógica neoliberal: está determinado a restabelecer o sacrossanto crescimento, cujo conteúdo nunca é questionado, e a “resistir ao protecionismo”. Os princípios errôneos são mais uma vez martelados: o G20 reafirma a sua adesão a “uma economia mundial aberta baseada nos princípios de mercado”, portanto o seu apoio ao deus mercado não é negociável. O resto não é senão ilusão.


Éric Toussaint é Presidente do CADTM (Comitê pelo Cancelamento da Dívida do Terceiro-Mundo) da Bélgica, autor de As finanças contra os povos (CADTM/ Syllepse, Paris,2004).

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