Trabalho decente para acabar com a escravidão

Por Nilvo Riboldi Filho

Temos assistido estarrecidos as denúncias públicas que trazem à tona casos gravíssimos de escravidão contemporânea no Brasil e em diversas partes do mundo. Chamou a atenção esse último, no qual mais de duas centenas de trabalhadores foram resgatados na serra gaúcha, quando trabalhavam na colheita da uva para grandes vinícolas sem as mínimas condições de dignidade. Diante disso, a sociedade clama: é preciso reagir!

O neoliberalismo não tem conseguido responder às necessidades de desenvolvimento e bem estar da sociedade, isto ficou escancarado após a crise econômica global de 2008. Como resposta, governos alinhados aos interesses do mercado financeiro impuseram duros ataques às legislações trabalhistas mundo afora. Entre 2008 e 2014, 110 países realizaram reformas laborais com retirada de direitos e diminuição da proteção aos trabalhadores, contudo não se observou melhora significativa nas condições de emprego e renda, pelo contrário, há piora sensível com ampliação do desemprego, desalento e diminuição da renda na maioria dos casos.

Aqui no Brasil, a reforma trabalhista foi aprovada em 2017, pouco depois do golpe que tirou Dilma da presidência. Com a reforma da previdência aprovada a seguir, estes foram os mais duros golpes nos direitos trabalhistas desde a criação da Consolidação das Leis do Trabalho no Brasil, a CLT (1943).

Não é exagero dizer que, por causa dessas reformas, houve uma ruptura do patamar mínimo civilizatório no mundo do trabalho, no qual o capital passou a ter enorme poder de pressão sobre a mão de obra, de forma brutal e desigual. Essas reformas serviram para legalizar o abuso, legitimar contratações precárias, acabar com normas regulamentadoras, rebaixar salários, enfraquecer os sindicatos e a Justiça do Trabalho.

Como resultado da destruição dos direitos trabalhistas apoiados por governos como o de Bolsonaro, que dizia que o trabalhador teria de escolher entre ter direitos ou emprego, cresceu a precariedade e a impunidade no mundo do trabalho. Muitos empresários passaram a agir como se não houvesse mais nenhuma Lei.

O desprezo pelos direitos trabalhistas e pela dignidade humana mata! Em Caxias do Sul, dois adolescentes perderam a vida trabalhando em um intervalo de apenas 20 dias recentemente. Um deles, com apenas 16 anos, morreu enquanto operava uma empilhadeira; o outro, também de 16 anos, morreu na loja de auto-peças em que trabalhava e só foi encontrado no final do expediente. E nesse mesmo período, um jovem de 18 anos morreu em Vacaria dirigindo um trator. Isso é inadmissível!

Não podemos permitir que o lucro esteja acima da vida. Precisamos unir forças e contrapor essa realidade desumana com o conceito do Trabalho Decente, que é uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.

É o trabalho produtivo adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, que é capaz de garantir uma vida digna.

Precisamos rever pontos essenciais na legislação trabalhista para que possamos acabar de vez com a escravidão moderna. Também precisamos resgatar os patamares mínimos de dignidade no trabalho, assim como cobrar o fortalecimento das estruturas de fiscalização do Ministério do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e da Justiça.

Essa não é uma luta apenas dos sindicatos, mas sim de toda a sociedade.

Nilvo Riboldi Filho é presidente do Sindicomerciários Caxias.