Tô com medo

“Eu tô com medo. Fazia tempo que eu não tinha esse sentimento. Porque eu sinto que o Brasil nessa eleição corre o risco de perder toda a estabilidade que já foi conquistada.” são palavras de Regina Duarte, em 2002, proferidas num vídeo promocional da candidatura de José Serra.

Paulo César*

O medo, segundo Regina Duarte, devia-se ao fato de Lula poder vir a ser eleito. Pois eu estou com medo (não muito, admito) dos discursos de Regina Duarte enquanto líder da Secretaria Especial da Cultura do Brasil. A actriz confessou que vai noivar durante um período e que depois decidirá se casa definitivamente com a Secretaria Especial da Cultura e com as ideias de Bolsonaro para essa pasta.

Tendo em conta a índole conservadora de Regina Duarte e de Bolsonaro não parece credível que os dois mantenham contatos íntimos antes de uma decisão final da Regina Duarte, pois, como bons defensores da moral e da abstinência, não se atreverão a conspurcar a relação cultural de ambos com intimidades intelectuais. Também me parece que, tendo em conta os valores tradicionalistas a que Bolsonaro está intimamente ligado, a única conversa que poderiam manter seria sobre as virtudes e façanhas da mulher caseira e serviçal, como a limpeza impecável da casa, e em especial do banheiro, dos incríveis cozinhados respeitadores da gastronomia identitária brasileira, nomeadamente a moqueca de camarão ou o acarajé, e a atitude de total submissão às vontades do marido, devendo a mulher mostrar-se rápida e voluntariosa em tirar as cuecas e enfiar-se na cama (debaixo dos lençóis para que seu marido não observe a nudez que Eva se viu obrigada a esconder) mal ele diga “Mulher, hoje me está apetecendo.”

Torna-se claro que o noivado dará em casamento porque mulher conservadora gosta de homem conservador. Até lá, a essa decisão de contração de matrimônio político, de certeza iremos assistir a alguns discursos da Regina Duarte, bem diferentes do último discurso do Roberto Alvim, esse antigo ocupante da cadeira da Secretaria Especial da Cultura, exonerado depois de ter proferido um agradável discurso aos ouvidos de Bolsonaro, mas politicamente incorreto.

Rodrigo Alvim, nome artístico do cidadão Roberto Rego Pinheiro, que terá achado impróprios e ofensivos à boa evangelização os apelidos “Rego” e “Pinheiro”, antes de ser Secretário Especial da Cultura, ocupava um cargo de pouca relevância na Funarte, órgão do Governo Federal brasileiro cuja missão é promover e incentivar a produção, a prática, o desenvolvimento e a difusão das artes no país. Durante esse período foi criticado por insultar a atriz Fernanda Montenegro, uma das mais respeitadas e aclamadas do país, por esta aparecer na edição de outubro da revista de resenhas “Quatro cinco um” vestida de bruxa prestes a ser queimada em uma fogueira de livros.

Revoltado com a imagem, Alvim postou textos nos quais dizia sentir “desprezo” pela atriz, chamando-a de “sórdida” e “mentirosa” (o que se compreende, e até terá contribuído para a sua escolha por Bolsonaro, já que o presidente brasileiro não só não assinou o diploma do prêmio Camões que será entregue a Chico Buarque como, se pudesse realizar o seu sonho sem que ninguém descobrisse a sua autoria, convocaria um auto-de-fé e, juntamente com Chico Buarque, iriam a arder os seus incômodos e heréticos livros).

Foi ainda investigado por tentar empregar a sua mulher num projeto da Funarte e foi responsável pela indicação do novo presidente da Funarte, Dante Mantovani, que ficou conhecido por ter associado o “rock n’roll” a uma surreal conspiração soviética para promover o aborto e o satanismo.

Todos estes atributos e actos levaram Bolsonaro a considerar Rodrigo Pinheiro do Rego o mais apto para exercer tão prestigiado cargo, como é o da Cultura, tão estimada por Bolsonaro, um intelectual de cavalariça e da messe, porém, apesar de apreciar o conteúdo, o presidente não poderia manter no cargo o Alvim depois daquele discurso decalcado do de Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazi, ter gerado um unânime repúdio nas redes sociais, local eleito por Bolsonaro para ganhar eleições e por Trump para comunicar com o mundo.

Não podia Bolsonaro arriscar-se a ter um elemento do seu governo impopular entre os seus apoiantes mais fiéis e arriscar-se a perdê-los. No vídeo polêmico, ao som de Richard Wagner, o compositor preferido dos nazis, Alvim parafraseou um discurso de Joseph Goebbels proferido em 1933 para a classe teatral da Alemanha e disse: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa (…) ou então não será nada.”

Este discurso de Rodrigo Alvim parecia querer denunciar, como Goebbels e Adolf Hitler, durante uma exposição artística, fizeram, a “arte degenerada”. Acho que Alvim não sabia que a “Porta dos fundos” era tão famosa e acarinhada pelos brasileiros, até mesmo pelos apoiantes de Bolsonaro, e por isso foi enviado para a porta dos fundos da saída da Secretaria Especial da Cultura. Quem se segue é a noiva Porcina, amante de Sinhozinho Malta, segundo palavras de Lima Duarte.

O que se espera dos discursos de Regina Duarte, consistente nas suas opções políticas (apoiou Fernando Henrique Cardoso, José Serra contra Lula e Bolsonaro), e auto-proclamada como conservadora? Considerando a acção do seu antecessor, eu proponho que Regina Duarte, se lhe faltar a inspiração individual, se baseie na “Obra das Mães pela Educação Nacional (OMEN)”, organização criada pelo Ministério da Educação de Portugal em 1936, citada no livro História das Organizações Femininas do Estado Novo, de Irene Flunsel Pimentel.

De acordo com a autora, “a OMEN representava… uma organização de filiação voluntária com dois tipos de associadas: as mães portuguesas ou de sangue português (…), e as mulheres e jovens emancipadas que, mesmo não sendo mães, quisessem colaborar na Obra”. Aqui ficam algumas ideias para Regina Duarte apresentar nos seus discursos, esperando que ela não se esqueça de fazer algumas adaptações para que não venha a ser descoberta:

a administração dos bens do casal e os da esposa cabiam ao marido como chefe de família, excepto se ele estivesse ausente ou a cumprir prisão;

coordenar e promover as instituições de família, combater as práticas anti-conceptuais e as causas da degenerescência física, (…) e organizar as Jornadas das Mães de Família;

promover a habilitação das mães para educação familiar e para o embelezamento da vida rural; desenvolver nos filhos o gosto pelos trabalhos domésticos e manuais e pela cultura física; contribuir para a educação nacionalista da juventude portuguesa;

considerar o conjunto de papéis desempenhados pela mulher. É ela que em permanência deve estar no lar organizando e orientando todas as atividades ligadas à casa e diretamente aos filhos;

criar, através de cursos de educação familiar, nas raparigas rurais, depois da sua precoce saída da escola, «uma autêntica «mentalidade»…”.

*Professor e escritor português