Tirar lições da nossa campanha

Meu zap, nos últimos dias, não tem parado. Só na madrugada da quinta-feira acumulou mais de mil mensagens. Não é para menos, foi na noite da reunião do Comando Nacional dos Bancários quando saiu a proposta de mudança de paradigma da campanha salarial juntamente com a proposta de reajuste abaixo da inflação, que poria fim a uma greve nacional de 31 dias. A confusão trazida pela divulgação das duas propostas foi o que causou a elevação das mensagens acima do normal. Se, por um lado, é fácil entender a ebulição zapiana, por outro, precisamos examinar, sem paixões, os motivos que levaram a tal temperatura.

Nos últimos anos, a categoria bancária tem encerrado suas campanhas salariais com resultados que demonstram a força e o acerto da utilização do instrumento grevista para arrancar, com muito suor, índices acima da inflação. Na quinta-feira, a proposta apresentada trouxe perda salarial. Este é um primeiro elemento. O sabor de derrota travou na boca. As campanhas salariais de 2004 a 2015 tiveram como resultado a recomposição da inflação mais algum aumento real, isto graças a alguns fatores: greves fortes, campanhas unitárias, caráter nacional da campanha, clima de otimismo da sociedade em relação ao futuro. Estes indicadores construíram no imaginário da categoria, e também dos demais trabalhadores e da sociedade em geral, um sentimento de força, de potência, de que o esforço coletivo conquista vitórias. O resultado, sendo diferente do esperado, gera o sentimento de frustração.

O segundo elemento foi a mudança de paradigma da campanha salarial: a celebração de convenção coletiva nacional com validade de dois anos em substituição ao CCT anual. Este elemento é mais profundo porque mais longas que a série de aumentos reais. Ela remonta a uma longa tradição que poderíamos identificar no fim da década de setenta com a luta contraria a manipulação dos índices oficiais de inflação, promovida pelo regime militar, e que levou a retomado do movimento sindical brasileiro. No caso específico dos bancários, a luta pela recomposição salarial desembocou na construção da unidade nacional quando em 1985 realizou sua primeira campanha unificada tendo a mesma pauta de reivindicações e com a definição de que todos os sindicatos do país entrariam em greve no mesmo dia. Foi a primeira greve nacional dos bancários do pós-ditadura. Esta experiência determinou a constituição de um arranjo político para coordenar as ações unitárias da categoria: o Comando Nacional. Nos anos seguintes da década os esforços foram no sentido de ampliar na diversidade. As campanhas eram semestrais, passando a ter reivindicação por trimestralidade, chegando a ter campanha salarial emergencial quase todo mês devido a elevada inflação. Ainda nos oitenta, os economiários da CEF sagraram-se vitoriosos, reduzindo sua jornada para 6 horas e com o reconhecimento de que eram da categoria bancária.

Na década de noventa, duas alterações fundamentais: a substituição dos Acordos Coletivos de Trabalho, ACT, firmados individualmente por cada sindicato, para a Convenção Coletiva de Trabalho, CCT, instrumento que dava a dimensão de relações entre empresas nacionais versus categoria nacional. A segunda alteração veio com a implantação do neoliberalismo no país. O mundo desabou sobre a cabeça dos trabalhadores. Na categoria bancária não foi diferente: privatização de quase todos os bancos públicos estaduais; enxugamento do quadro de funcionários promovido pela reestruturação produtiva dos bancos públicos e privados; administração voltada à privatização dos bancos federais; novo perfil da categoria, entre tantas outras que provocaram medo crescente de demissão. A maior parte da categoria perdeu a autoestima, foi humilhada, espezinhada. Muitos não resistiram, pediram demissão, incentivada ou não, outros tantos cometeram suicídio. Este clima de medo e perseguição levou a um afastamento dos bancários de suas formas de luta. As assembleias passaram a ser esvaziadas, as atividades de campanha salarial eram pouco frequentadas. Mesmo assim, os sindicatos não esmoreceram. Mantivemos a luta. Tivemos que inovar, buscar novas formas de enfrentar os desafios postos. Se não podíamos contar com os volumosos piquetes da década de oitenta, a solução foi substituir pela “máquina sindical”. Como resultado da década perdida tivemos perdas salariais; destruição das estruturas de PCS; três ondas de demissão em massa, que reduziu a categoria de quase um milhão de bancários e bancárias para 500 mil, e o mais grave para a organização sindical, a cisão entre bancos privados e bancos públicos, além de duas mesas de negociação.

Vencido o neoliberalismo tucano, os anos dois mil trouxe outro cenário para a luta da categoria bancária. A partir de 2003, sob o governo Lula, o ânimo da categoria em recompor suas perdas da década anterior trouxe novo cenário para as campanhas salariais, aumentado a organização e a mobilização nas atividades preparatórias, as assembleias voltaram a ser massivas, e a participação nas greves resultou em uma década de aumentos reais. Daí foi um passo para a reconstrução da unidade da categoria expressa em uma única campanha salarial dos bancários, evitando assim a divisão entre privados e públicos, por um lado, e do outro, uma única representação patronal. Foi neste cenário que conseguimos desenvolver nos últimos anos campanhas salariais vitoriosas. Se é verdade que não conseguimos unificar as duas representações, Contec e Comando, em uma mesma mesa, porém, na prática há muito diálogo entre os dois espaços.

Posto este breve percurso da luta, gostaria de acrescentar que diversos fatores pesaram fortemente sobre a greve deste ano, refletindo no comando nacional. A primeira, a aliança entre os banqueiros e o governo golpista em promover a âncora salarial – arrocho salarial como forma de recuperação das empresas para sair da crise econômica. A estratégia de derrotar a categoria bancária teve como objetivo demonstrar aos demais trabalhadores a irreversibilidade da âncora cambial. O segundo foi o cenário de incertezas futuras para os bancários e bancárias da rede federal a partir das ações privatistas do governo Temer, que já abriu seu saco de maldades para a precarização das relações de trabalho e para o desmonte da legislação trabalhista.

Este foi o cenário que o comando nacional se reuniu na última quinta-feira: uma greve com 31 dias, espalhada por todo o território nacional, cenário político adverso, perseguindo o aumento real e discordando da alteração do modelo, porém, sem desejar que a resolução fosse parar nas barras da justiça, nem que se destruísse o instrumento da greve por seu esvaziamento. A decisão de suspensão da greve não foi a desejada. O resultado também não. As magoas e os ressentimentos virão, é natural. As avaliações apontarão para diversos caminhos: haverá aquela que culpará a direção sindical chamando-os de burocracia sindical, alguns poderão até ser responsabilizados, porém a grande maioria se entregou de corpo e alma na construção e realização da greve; haverá outra avaliação que buscará culpar a categoria bancária, esta também equivocada, da mesma forma como tiveram bancários que furaram a greve, uma parcela significativa da categoria estava comprometida com o sucesso de nosso movimento paredista. A estes parabéns pela coragem de lutar pelo coletivo. O mais importante é tirar lições da luta para enfrentar outros desafios.

Eduardo Navarro é vice-presidente da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe, diretor Executivo da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, CTB, e coordenador da CTB Bancários.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.