Superação do racismo e da xenofobia exige faxina ética

”Consciência Negra é expressão cara à luta anti-racista mundial, mas é quase indefinível, pelo muito que significa”

O 20 de novembro, Dia da Nacional da Consciência Negra, data da imortalidade de Zumbi dos Palmares (1655-1695), nos alerta que superar o racismo é parte indissociável da luta pelos direitos humanos, embora o campo dos direitos humanos resista a incorporar tal compreensão.

Consciência Negra é expressão cara à luta anti-racista mundial, mas é quase indefinível, pelo muito que significa. Todavia, a partir dela é absolutamente pertinente re-dizer que a peleja contra o padrão cultural preconceituoso, discriminador, inferiorizante e escrito na pedra, como se fosse uma Tábua da Lei, e o empenho para enfrentar a agenda explícita e a oculta do racismo é o caminho para um novo padrão cultural no qual o racismo, a xenofobia e intolerâncias correlatas sejam apenas lembranças de um passado insano, pois combater o racismo exige disposição para uma faxina ética na história da humanidade.  

Num giro no que já escrevinhei sobre racismo, xenofobia e demais formas de  intolerâncias, encontrei páginas e páginas! Revendo-as, ainda que só de olhadela, consumi várias horas em quase dois dias. Senti um misto de sensação do dever cumprido e um vazio enorme, ao constatar que, como eu, milhares de pessoas têm escrito denunciando as mazelas decorrentes do racismo.
 
Tudo parece insuficiente diante do monumento de pedra que o racismo erigiu. É quase nada diante da cultura racista, tão bem narrada por Lima Barreto (1881-1922), em Clara dos Anjos (1948, portanto obra póstuma), que ao ser abandonada por Cassi Jones – branco, malandro de marca maior e sedutor de jovens ingênuas, disse: ” – Mamãe! Mamãe! Nós não somos nada nesta vida!”
          
Lima Barreto ao colocar na boca de Clara dos Anjos a frase: ”Nós não somos nada nesta vida”, foi magistral. Sabia o que dizia e porque deveria ser dito daquele modo. É que desde sempre a ideologia racista opera para nos tornar aquilo que precisa que sejamos: NADA!
 
E assim rouba a nossa voz e muitas de nossas mais brilhantes cabeças, tornando-as ”correias de transmissão” de seus intentos. Dois casos contemporâneos são exemplares: as cotas étnicas para acesso à universidade e a tramitação ad eternum do Estatuto da Igualdade Racial no Congresso.

Um jornal mineiro no dia seguinte à eleição de Obama, em editorial, deu nó em pingo d’água. Na maior candura afirmou que a eleição do 1º. negro à presidência dos EUA era um balde de água fria nas ”cotas racistas”: ele não foi ”cotista” e alcançou o posto político mais importante do mundo, logo ele era a vitória do mérito! Não vou desperdiçar pérolas do meu latim com analfabeto político racista. Registro meu repúdio.   
 
O Estatuto da Igualdade Racial, num governo declaradamente anti-racista, empacou no Congresso por obra e graça do governo que não quer amassar barro para aprová-lo, pois tem contra ele uma infinidade de ”poréns”.  Um deles é como bancar propósitos de democratização do Estado: ações afirmativas e ações reparatórias. A recusa de referendar o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, proposto na versão original do Estatuto, exterioriza a agenda oculta do racismo. Repito: ”como acreditar na boa fé se o governo, que diz apoiar o Estatuto, se nega a conferir lastro financeiro específico para a implementação de políticas anti-racistas? Penso que a recusa é uma explicitação de que os recursos públicos são considerados como algo privado, que o governante do momento pode dispor ao seu bel prazer, inclusive para manter o status quo racista”.

*Fatima Oliveira, Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e
Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005

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