Sindicalismo e política em (re)construção

Não é de hoje que o movimento sindical brasileiro se constitui como um dos principais atores políticos do país. Na verdade, isso remonta ao fim do século XIX e início do século XX. Naquele momento, a organização dos operários no Brasil estava muito relacionada ao atendimento de demandas trabalhistas mais imediatas – papel que, obviamente, as entidades sindicais ainda exercem, mas agora atrelado a outros – e teve seu pontapé em função da participação de imigrantes europeus, fortemente influenciados por princípios comunistas e anarquistas que já haviam se disseminado no Velho Continente.

No entanto, o protagonismo político do sindicalismo brasileiro deixou de ser restrito à esfera participativa da sociedade civil para angariar espaço também na esfera eletiva. É indiscutível que muitos sindicalistas e dirigentes assumiram, ao longo da história, essa dupla responsabilidade: a de continuar representando os trabalhadores em suas bases e, ao mesmo tempo, transcender essa representação para o trabalho legislativo, elegendo-se vereadores e deputados. E também orientando que a categoria escolha candidatos que, mesmo não oriundos do movimento sindical, tragam consigo um comprometimento com as reivindicações e demandas de determinada categoria e/ou de toda a classe trabalhadora. Daí a relação tão intrínseca entre sindicatos e partidos políticos, sobretudo aqueles de postura progressista em defesa dos trabalhadores.

Todavia, esse simbolismo da relação entre a atuação sindical e a política eletiva atingiu mesmo seu ápice em 2002, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Representantes do movimento sindical conquistavam, então, não apenas cadeiras no Parlamento, como já acontecera diversas vezes, mas o posto mais alto do Poder Executivo da nação. Pela primeira vez, o Brasil tinha um presidente-operário, não nascido em berço esplêndido, mas formado no chão da fábrica.

Às vésperas do processo eleitoral de 2014 – 12 anos após a vitória de Lula nas urnas –, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) publicou o artigo “O sindicalismo deve participar do processo eleitoral?”. Nele, o jornalista Antônio Augusto Queiroz, analista político e diretor de Documentação do Diap, reitera que “as entidades sindicais, que são instituições eminentemente políticas e de formação social, têm que participar do processo eleitoral sim”. “Elas, embora devam priorizar o atendimento das demandas, pleitos e reivindicações de seus associados, devem atuar em favor de políticas públicas e do processo democrático, que vão além da luta meramente corporativa no local de trabalho.”

Mas como se dá, de fato, a relação entre o movimento sindical e a política eletiva? E que papel as entidades sindicais costumam desempenhar nas eleições, buscando pautar o debate eleitoral e inserir nele suas reivindicações?

Passado um ano das manifestações dos meses de junho e julho de 2013, a campanha eleitoral que se iniciou neste mês lida com um aspecto novo e ainda se tenta entender a nova configuração política no país. De um lado, o movimento espontâneo de junho (quando não espontaneísta), com sua rejeição a bandeiras partidárias e, muitas vezes, até sindicais. De outro, a articulação das centrais em julho, numa reafirmação das pautas trabalhistas e do espaço das ruas, o qual sempre ocuparam, mas que lhes foi negado por muitos no mês anterior.

“Acho que o dado novo com o qual lidamos, e que ainda não foi suficientemente pensado, é o declínio do protagonismo tanto das organizações sindicais, quanto dos mediadores tradicionais… partidos, por exemplo. Os episódios que observamos recentemente na greve do setor de transportes em São Paulo manifestam isso. A greve dos garis no Rio de Janeiro também…”, considera o cientista político Diogo Tourino de Sousa, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. “Malgrado a direção do sindicato iniciar um processo de negociação com o governo, a base da categoria se ‘descola’ das suas lideranças, municiada por novos mecanismos de comunicação e organização, como a internet e suas famosas redes sociais, coordenando movimentos que negligenciam a direção sindical”.

Conforme Tourino, ainda não se sabe aonde vai dar esse novo dado, que não deixa de ser preocupante. “De certa forma, está conectado ao que vimos nas jornadas de junho do ano passado, que mais do que legítima bandeira inicial do transporte público, que depois se converteu num tolo e infértil ‘não vai ter Copa’, traduzia a falência de alguns mediadores tradicionais da política: movimentos sociais organizados, partidos políticos, sindicatos… Isso é problemático e precisa ser pensado, ou apenas manifesta uma metamorfose na forma como a política entra na vida das pessoas que se tornará mais comum em breve.” Diante da incógnita, o cientista político pondera que “tanto a política eletiva quanto os sindicatos parecem estar menos permeáveis aos novos tempos, incapazes de entender o que acontece na sociedade civil… isso atesta o suposto ‘descolamento’.” Ainda assim, segundo ele, “é difícil pensarmos a política sem partidos, sem sindicatos etc.”

Nesse sentido, apesar do quadro nebuloso descrito pelo cientista político, tanto as organizações partidárias quanto as sindicais são imprescindíveis para a democracia. E, diante desse novo cenário que se desenha, mais do que nunca é essencial que as entidades sindicais se engajem, sim, no processo eleitoral. Como ressalta o diretor de documentação do Diap em seu artigo, o movimento sindical “não pode nem deve se omitir desse debate, sob pena de negligenciar a defesa dos interesses dos assalariados – trabalhadores do setor privado, servidores públicos e aposentados e pensionistas – e dos direitos trabalhistas, sindicais e previdenciários da classe trabalhadora, entre outros”.

“Aliás, uma das missões da organização sindical é exatamente a politização – de forma constante e sempre visando à consciência política – da classe trabalhadora. Deve, todavia, ter o cuidado de não partidarizar o movimento, porque, além de dividir os trabalhadores, a entidade sindical que age orientada exclusivamente por partido político pode perder sua capacidade classista na ação sindical e até afugentar os trabalhadores da entidade.”

Legislativo e Executivo

Se a eleição presidencial é de fundamental importância para que se tenha um governo comprometido com a pauta dos trabalhadores – e a vitória de Lula, em 2002, simbolizou a chegada da classe trabalhadora a outro patamar de representatividade – é essencial a atenção também à disputa legislativa, uma vez que é no âmbito desse poder que se dá a apresentação, o debate e a aprovação de propostas que contemplem as reivindicações da categoria.

Uma lição reforçada pela tramitação e votação do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional foi a de que o corpo-a-corpo juntos aos deputados e senadores é primordial. E isso se dá tanto com a presença constante em Brasília quanto – e sobretudo – com o contato direto das entidades e dos representantes da categoria com os parlamentares em seus respectivos estados, mostrando o engajamento das bases e o acompanhamento minucioso, feito pelo eleitorado, de sua atuação legislativa.

Essa estratégia vale para a tramitação de todas as matérias de interesse dos trabalhadores e trabalhadoras e da educação e só é possível a partir da efetiva participação na eleição de parlamentares comprometidos com a luta da classe trabalhadora (no caso da Contee e suas entidades filiadas, não apenas em relação às questões trabalhistas e sindicais, mas também educacionais). Além disso, após o pleito, é primordial acompanhar as votações e posicionamentos dos parlamentares, mantendo a base em constante vigília sobre a atuação dos legisladores que de fato representam os interesses da categoria. Isso é primordial para romper a lógica imperante em casas legislativas contaminadas por interesses econômicos de elites empresariais, como a Câmara, ou de raízes ainda profundamente oligárquicas, como o Senado.

Já em relação ao Executivo, conforme aprovado pela Diretoria Plena da Contee ainda em abril, a Confederação deve elaborar um documento, a ser encaminhado aos candidatos, com a reafirmação de suas principais bandeiras, defendendo sua pauta trabalhista e educacional, com vistas a um desenvolvimento econômico, democrático e social com valorização do trabalho, emprego, geração de renda e a defesa dos direitos da classe trabalhadora, com a participação da sociedade no controle as diversas esferas econômicas e sociais.

Madalena Guasco Peixoto é coordenadora-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee).

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