Reflexões polêmicas da Central dos Trabalhadores da Argentina

Nos dias 10 e 11 de abril, em Buenos Aires, a Central dos Trabalhadores da Argentina (CTA) realizará seu Congresso Nacional. Nos marcos desse Congresso, a entidade, cujo secretário-Geral é o sindicalista Pablo Micheli, promoverá um seminário internacional com o tema “O desafio dos trabalhadores na atual conjuntura internacional”.

Para subsidiar esse debate, a CTA produziu um documento intitulado “Visão política dos trabalhadores sobre o desenvolvimento – iniciativas de poder por um mundo necessário”. O texto expressa a visão da central argentina sobre temas candentes da agenda em discussão na atualidade.
 
Um breve resumo do documento
 
O texto começa falando de uma dupla crise no mundo do trabalho: a) uma crise interna dos trabalhadores, suas organizações e suas condições de trabalho, produto do avanço do capital e da crescente precarização do trabalho; b) uma crise externa, fruto do modelo de desenvolvimento no mundo, que impõe saque aos recursos naturais, gerando uma crise dos bens comuns.
 
Nesse quadro, diz o documento, avança a acumulação,de um lado, e a exclusão, de outro, com o capitalismo mantendo sua tendência de renovar-se constantemente por intermédio das crises. É  necessário, portanto, a construção de organização e alternativas para além das resistências e da governabilidade dentro do mesmo sistema.
 
O mercado de trabalho, diz a CTA, preserva a informalidade e a precarização, com grande rotatividade, ausência de proteção de seguridade social e sindical aos informais. Trabalho estável, com direitos e salários altos, são exceções que justificam a regra.
 
Assim, os trabalhadores são divididos em dois grupos, com parte deles, do mercado formal, se aliando com frações da burguesia com base em um pretenso interesse comum de defesa da indústria nacional e do desenvolvimento local, amainando as contradições de classe ante um suposto inimigo externo.
 
O trabalho precário, no entanto, atinge também o setor formal da economia. A precarização pode ser pela via contratual, pela alta rotatividade, mesmo que eventualmente com salário melhor, e pela via do salário baixo, mesmo que preservando a formalização e os direitos.
 
A tarefa do sindicalismo, nesse cenário, seria a de ajustar suas estratégias de ação e organização diante da precarização. Incorporar a totalidade da classe em uma estratégia comum contra o capital. O capital age para a fragmentação dos trabalhadores e de sua organização, mesmo escondendo-se sob o a máscara de “rosto humano do capital”, “responsabilidade social” das empresas ou até do chamado “trabalho decente” da OIT.
 
A todos esses problemas se soma a deslocalização produtiva das empresas, que contribui para rebaixar salários e desregulamentar as relações de trabalho. E um agravante importante: o uso dos bens comuns como última fronteira, com ataques ao meio ambiente, mesmo por governos progressistas da região, processo impulsionado pela reprimarização da economia regional.
 
A chave para enfrentar esse processo, sempre segundo a CTA, é coordenar as lutas e a integração dos setores marginalizados e impulsionar o internacionalismo, já que o estado mostrou-se incapaz de enfrentar essa realidade. A prioridade estratégica passa a ser impulsionar as mudanças nas relações sociais.
 
Para tanto, aconselha o documento, deve-se fortalecer a articulação do conjunto das organizações sociais, a partir da base, nas comunidades, nas cidades, nos locais de trabalho e lutar para superar as tensões entre as demandas sindicais por trabalho e as demandas sociais pelo usufruto dos bens comuns.
 
Tudo isso implica, enfatiza a CTA, na necessidade de articulação do movimento sindical com o movimento social/comunitário, para recuperar tanto a unidade entre trabalhadores com direitos e trabalhadores precarizados quanto lutar contra a privatização dos bens comuns. E selar uma unidade também em nível mundial com esses mesmos propósitos, finaliza o documento.
 
Brevíssima avaliação do documento da CTA
 
Está instalada uma boa polêmica no seio do movimento sindical latinoamericano. O Congresso Nacional da CTA, com o lema “Uma Central de Massas para a Libertação”, na nossa opinião, apesar de suscitar debates interessantes com o texto para o seminário internacional, passa ao largo de questões essenciais da presente conjuntura.
 
Em primeiro lugar, mesmo respeitando a autonomia de cada entidade, é preciso dizer que o modelo de organização proposto pela CTA é de  muito difícil aplicabilidade em países como o Brasil. A CTA reivindica para si a condição de central de trabalhadores e não de sindicatos, materializando essa visão na filiação direta do trabalhador individual, independentemente da filiação do seu sindicato de origem. No Brasil, a Conlutas, de orientação trotsquista, optou, sem sucesso,  por um caminho semelhante a esse.
 
Essa proposição nasce de uma opinião segundo a qual a organização da totalidade da classe, incorporando formais e informais, não pode ficar restrita ao segmento formal organizado em sindicato. Assim, a filiação direta é a saída, segundo a CTA, para enfrentar com maior força a “dupla crise do mundo do trabalho”  – a crise interna no âmbito estrito das relações do trabalho com a crise externa do modelo de desenvolvimento predatório e de saque aos bens comuns (natureza).
 
Em segundo lugar, e não menos importante, a CTA comunga de uma opinião, com alguma difusão entre segmentos progressistas e de esquerda, segundo a qual os trabalhadores não podem fazer alianças com setores produtivos em defesa de uma política industrial ativa e de projetos nacionais de desenvolvimento. Isso caracterizaria conciliação de classes…
 
Ao se colocar contrária a luta mais ampla em defesa da indústria nacional e de políticas de desenvolvimento, a CTA parece subestimar a necessidade de viabilizar processos intermediários de acumulação de forças para pavimentar o caminho rumo a edificação do programa socialista. E descarta, também, o papel do estado como estruturador do desenvolvimento.
 
Essa posição política pode colocar os trabalhadores diante de uma contradição de difícil superação. Essa contradição, aqui abordada em pouquíssimas linhas, é gerada por uma avaliação superficial da correlação de forças, o que pode levar a uma incompreensão da importância para os trabalhadores dos processos progressistas em curso na América Latina.
 
Em outras palavras: se a disjuntiva atual ficar centrada exclusivamente na luta contra o capital e pelo socialismo, não há espaço para enfrentar os desafios da afirmação nacional contra o imperialismo, a defesa da indústria e do desenvolvimento soberano, todas questões cruciais. Por aí, também, é que se enxerga o desconforto político dessas correntes nas relações com os governos da região que se elegeram com plataformas de oposição, mais ou menos radical, ao neoliberalismo.
 
A contradição principal na atualidade é o esforço para se derrotar definitivamente as forças de direita,  impedir o retorno do conservadorismo neoliberal e  consolidar e aprofundar as mudanças em curso na região. Para tanto, a luta de classes dos trabalhadores adquire dimensão mais ampla do que o estratégico e permanente objetivo de por fim à exploração do trabalho assalariado.
 
Na atual conjuntura, avançar nas conquistas dos trabalhadores passa pela sua participação protagonista na defesa da soberania nacional, da democracia, da integração solidária, principalmente na América Latina, e no progresso social. A vitória, consolidação e aprofundamento desse movimento progressista na América Latina é da mais alta importância para os trabalhadores.
 
Essa onda renovadora em nosso Continente, com todas suas contradições e limites, é um alento especial para alçar a um novo patamar a luta dos trabalhadores. Uma orientação política correta e ajustada á realidade é premissa essencial para fortalecer a unidade da classe e  a organização dos trabalhadores.

São faces da mesma moeda, portanto, lutar com unidade e independência pela agenda própria dos trabalhadores e a defesa dos governos progressistas e democráticos da região. É por essa via, e não por atalhos voluntaristas,  que se pode acumular forças e avançar rumo a conquistas maiores que abordem, concretamente, a luta atual e renovada pelo socialismo. Ou, lembrando Lênin, fazendo “análise concreta da realidade concreta”.


Nivaldo Santana é vice-presidente da CTB e secretário Sindical do PCdoB.

 

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