Preconceito na língua portuguesa

A opressão e a discriminação de gênero são abrangentes e interligadas. Um dos aspectos a ser analisado quanto à questão cultural e ideológica é a comunicação e a linguagem utilizada entre as pessoas.

Ao analisarmos a língua portuguesa constatamos que nela a linguagem é discriminatória para as mulheres.

Como em outros aspectos da sociedade e da educação a linguagem não dá visibilidade às mulheres e reforça preconceitos.

O masculino é genérico em nossa língua.O feminino dissolve-se por detrás do masculino, expressando ideologicamente a ocultação objetiva da mulher pelo homem.  Naturalizando no uso costumeiro, o conceito lingüístico, por meio do caráter aparentemente abrangente, sintético e neutro do gênero masculino, impõe sua essência social, reforçando as relações de dominação de gênero do mundo real.

O próprio modo como os gramáticos e lexicógrafos explicam o funcionamento da linguagem constitui processo ideológico que reflete a ideologia dominante sexista. Para Joaquim Mattoso Câmara Jr. “o masculino e o singular se caracterizam pela ausência das marcas de feminino no plural, respectivamente… ambos (sendo) assinalados por um morfema gramatical zero.”

Constitui também vestígio exemplar da contradição social entre homens e mulheres a falsa simetria entre os próprios conceitos de homem e mulher.

Nos dicionários, a palavra “homem” no sentido de ser humano do sexo masculino, costuma ser conotado com traços humanos fortemente valorizados – coragem, determinação, vigor sexual, força física e moral, etc. O termo raramente é associado à união com a mulher. Para tal a língua dispõe de outro signo – marido.

Ao contrário, o termo – mulher – é fortemente polissêmico, servindo tanto para referir-se ao ser biológico ao qual são centrais as características ligadas à reprodução da espécie – quanto à “companheira conjugal” ou “amante” do homem, assumindo parte de sua significação no contexto de relação de dependência ao seu termo oposto ao homem.

As conotações habituais e os campos semânticos ao qual o vocabulário – mulher – é associado relacionam-se, sobretudo com o sexo, beleza física e traços humanos pouco valorizados – fraqueza, leviandade, etc. Neste sentido, a língua encobre o fato de que a mulher foi socialmente submetida pelo homem devido a sua capacidade produtiva e reprodutiva, e não por uma pretensa inferioridade natural.

A língua evolui mais lentamente que o mundo social. Apesar da discriminação de gênero estar em processo de regressão relativa nas sociedades capitalistas atuais, a maioria das línguas continua apresentando as marcas lingüísticas dessa opressão social e, assim fazendo, fortalece esta discriminação.

Na medida em que a língua é a consciência real e pratica do ser social, este ultimo, assume crescente consciência de suas necessidades históricas por meio também do crescente reconhecimento da determinação histórica e social de sua voz e da função dessa última na conformação e transformação do mundo social.

A superação da linguagem escravizada constitui processo solidário, verdadeira companheira da luta pela libertação do próprio conceito. É que o processo de critica do mundo social e natural se dá por meio da ampliação da consciência apenas possível de ser organizada, processada e expressada sob a forma de linguagem.

A linguagem constituiu e constitui um momento necessário do processo de tomada de consciência dos fenômenos materiais e imaterias. Nos fatos, a consciência constituiu-se por meio da linguagem.

A linguagem é tão antiga quanto à consciência – a linguagem é a consciência real, pratica que existe, portanto, também primeiro, para mim mesmo e, exatamente como consciência, a linguagem aparece como carência, como necessidade dos intercâmbios entre os homens, segundo  Marx e Engels.

A luta social na linguagem dá-se, sobretudo em nível de conteúdo das palavras e dos discursos. A proposta de uma linguagem neutra, própria a toda humanidade, viabiliza a imposição permanente de conteúdos das classes dominantes aos segmentos dominados, por sobre seus interesses.

Como ocorre com outros fenômenos sociais e ideológicos, podemos e devemos intervir para suprimir e corrigir as desigualdades lingüísticas.


Raquel Felau Guisoni é professora, secretaria de relações de gênero da CNTE, diretoria plena da CTB nacional e da diretoria estadual de SC, membro da UBM.

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