Por que metade dos professores não indica a própria profissão?

“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” Darcy Ribeiro
 
Iniciei minha carreira de professor no início de 1997. Lá se formam mais de 21 anos. No meu caso, para conquistar um espaço para lecionar, tive que participar intensamente da luta pelo reconhecimento da filosofia como disciplina no ensino médio, visto que em 1996 foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9394/96), que trouxe a obrigatoriedade do ensino de conteúdos de filosofia e de sociologia nesse nível da escolarização.
 
Portanto, a meu ver, ser professor é participar de um movimento maior de luta política em favor de uma educação de qualidade que dê condições dignas de trabalho, de ensino e aprendizagem, para docentes e discentes. É comprometer-se com uma educação que muito além do dever de profissionalizar, forme a cidadania plena com valorização do pensamento crítico e estético nesse itinerário formativo. Uma educação que seja o motor do desenvolvimento econômico, social e humano. Essa educação só poderá ser concretizada com professores realizados profissionalmente. Todavia, há uma objetiva desvalorização social da profissão Professor que precisa ser investigada.
 
Segundo pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência, divulgada em 31 de julho de 2018, 49% dos professores entrevistados não recomendam a própria profissão. A pesquisa revelou ainda que 78% dos professores afirmaram ter escolhido a carreira por se identificarem com a profissão. Entretanto, 33% deles disseram estar totalmente insatisfeitos com a atividade docente e apenas 21% totalmente satisfeitos. 
 
O artigo publicado na Revista Educação em junho de 2018 informou que o questionário do Pisa (Programme for International Student Assessment) revela que a porcentagem dos estudantes, em idade de 15 anos, que esperam ser professores é ainda menor que a média dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), caindo de 7,5% para 2,4% entre 2006 e 2015. O senso 2016 do MEC já apontava em agosto de 2017 a diminuição da procura dos estudantes pela licenciatura e alto índice de abandono dos que ingressaram nesses cursos.
 
No ano de 2014, o nível de evasão no curso de pedagogia atingiu 39%. Já para os cursos de física, química e matemática, a desistência medida é ainda maior, 57,2%, 52,3% e 52,6%, respectivamente. O fator central do desinteresse em seguir a carreira docente está ligado aos baixos salários, e às precárias condições de trabalho às quais muitos ainda são submetidos, é o que revela o relatório da OCDE, divulgado em junho desse ano.
 
Tenho observado, no dia a dia da escola, que alguns colegas fazem questão de demonstrar aos seus alunos que não dependem da atividade profissional de professores, visto que assim se sentem mais valorizados e respeitados por eles. “Sou advogado, médico, empresário, contabilista, não dependo da sala de aula”, afirmam. O próprio aluno, influenciado por essa cultura de desvalorização da carreira docente, tende a respeitar mais o professor que tem outra atividade profissional.
 
É preocupante, portanto, perceber que estamos caminhando para uma sociedade “sem professores”. As novas legislações, como a Reforma do Ensino Médio, já abriram os caminhos para o chamado “notório saber”. Pessoas que não passaram por uma formação específica em licenciatura, ou mesmo por uma complementação curricular em disciplinas pedagógicas, poderão trabalhar na educação regular de jovens. O avanço descontrolado da mercantilização da educação protagonizada pelos monopólios econômicos, comprometidos tão somente com o lucro que, ao lançarem mão da Educação à Distância (EAD) de forma indiscriminada, colocam em risco a qualidade da educação.
 
Desprofissionalizam a atividade docente ao trocarem o professor por um tutor que, muitas vezes, nem formação mínima em licenciatura comprova. Sem falar nas escolinhas que se proliferam aos montes, sem a infraestrutura necessária para alunos e professores, sem espaços satisfatórios para atividades desportivas e de lazer. Algumas são verdadeiros depósitos de crianças e os muitos professores que nelas trabalham são submetidos à dupla jornada, o que acarretam-lhes extenuantes rotinas de trabalho em casa nos horários vagos e finais de semana. São forçados a trabalhador fora do expediente em festas juninas, reuniões de pais ou atividades de formação, para as quais os patrões nem sempre remuneram, o que enseja a firme ação do sindicato para fazer valer as normas coletivas e leis.
 
Assim, constatamos que muitos dizem reconhecer a importância social da educação, mas são poucos os que saem do âmbito do discurso e que se comprometem, efetivamente, valorizar a educação. 
 
Outro fator que desmotiva muitos a ingressassem ou continuarem nessa carreira é a violência. O ambiente escolar tende a ser violento não só pelos episódios de agressões verbais ou físicas, assédio moral e sexual, depredação do patrimônio ou tráfico de drogas. A escola é palco de uma violência simbólica evidente nas salas superlotadas, no clima tenso de vigilância, no predomínio de uma pedagogia tradicional que restringe ensino-aprendizagem a mera transmissão. Um ambiente que deixa cada vez mais à margem a arte, a educação física e o pensamento crítico da filosofia e da sociologia.  
 
A OCDE em sua última pesquisa sobre violência na escola, divulgada em 2015, colocou o Brasil como o 1° do ranking das agressões ao professor, entre 34 países pesquisados. A Prova Brasil 2015, pesquisa promovida pelo MEC, ouviu 262 mil professores. Destes, mais de 22 mil afirmaram que já foram ameaçados por alunos. Quase cinco mil disseram ter sofrido atentados à própria vida nas escolas onde trabalham. 
 
Diante da constatação desse quadro alarmante de desvalorização da carreira docente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – Contee lançou em 2017 a Campanha Nacional contra a desprofissionalização do professor. A confederação denuncia também nessa campanha o projeto “escola sem partido” que visa “amordaçar” o professor, ferindo um princípio fundamental da Constituição Federal de 1988 (CF/1988) que é o pluralismo.
 
No seu artigo 206 a Carta Magna é clara: o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios “I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino.” A aprendizagem para o convívio em uma sociedade democrática, inclusiva, sem preconceitos e discriminação, deve começar na escola onde os alunos precisam conviver com pessoas diferentes, com concepções de mundo diferentes. A educação pública, universal e de qualidade é fator fundamental para superarmos nossas debilidades éticas, mas acima de tudo deve ser encarada como uma política de estado imprescindível ao desenvolvimento econômico do país, o que exige investimento por parte do estado.
 
Hoje o Brasil investe cerca de 6% do PIB em educação. A meta do Plano Nacional de Educação (PNE) é chegar a 10% em 2024. A média de investimento dos países da OCDE é de 5.5%. Em números reais investimos mais que Argentina (5,3%), Colômbia (4,7%), Chile (4,8%), México (5,3%) e os Estados Unidos (5,4%). Entretanto, ocupamos as últimas posições em avaliações internacionais de desempenho escolar. Quando analisamos os dados fornecidos pela pesquisa do IDados, divulgada em 2017 no que concerne ao QAQi (custo aluno qualidade), o Brasil deveria gastar cinco vezes do que gasta hoje para garantir uma educação pública de qualidade para o ciclo completo que vai da creche ao ensino médio, visto que a demanda social em política de educação ainda é gigante por aqui. Não temos dúvida de que há algo errado na educação brasileira e, notadamente, a desvalorização objetiva do trabalho docente é um fator central que gera esse malogrado quadro.
 
De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), no ano de 2004 o salário dos professores no Brasil representava cerca de 60% da média salarial de outras profissões com curso superior. Hoje representa 54% dessa média. A sociedade civil, suas organizações, e os representantes do estado, devem tomar consciência de que, para o Brasil figurar entre as nações mais competitivas, desenvolvidas, e que favoreçam qualidade de vida para seu povo, devem dispensar todos os esforços e recursos para melhor as condições objetivas da educação brasileira.
 
Ao debater educação nas diversas instâncias da sociedade civil organizada, no setor privado e instituições do estado, percebemos que todos concordam com a importância de valorização da educação e da carreira docente. Parece que todos sabem que nenhum país do mundo se desenvolveu sem tornar a educação uma política estratégica de estado. Mas ainda há um abismo entre o discurso e a prática. Patrões do setor privado, embalados pela nefasta Reforma Trabalhista, avançam contra as frágeis conquistas dos trabalhadores, nos processos negocias de 2017 para 2018. Intentam parcelar as férias dos professores, tirar-lhes o direito de bolsas de estudos para filhos, diminuir o recesso escolar, efetivar contratações precárias sem a formalização exigida na CLT. 
 
No setor público, ainda há prefeituras e estados que relutam em cumprir a lei do piso nacional dos professores, ou reajustá-lo anualmente conforme índice determinado pelo governo federal. Por causa dessas investidas patronais para retirar direitos, muitos sindicatos, como foi o caso do Sinpro Minas e do Sinpro São Paulo, só conseguiram renovar as suas Convenções Coletivas de Trabalho através do instrumento da Greve. Em Goiás a situação salarial dos professores precisa melhor muito.
 
No Maranhão, com o reajuste concedido pelo governador Flávio Dino(PCdoB) um professor que está em início da carreira, e que cumpre 40 horas semanais, deve receber R$5.750,00. Na maior parte do Brasil os professores, quando muito, são submetidos ao piso nacional que é hoje R$2.455,00. São Paulo, a título de comparação, o estado mais rico do Brasil e governado até poucos dias pelo tucano Geraldo Alckmin, paga aos seus professores um salário médio de R$ 2.585,00 já com o reajuste aplicado para 2018.
 
Em Goiânia o piso salarial dos professes do setor privado é de R$ 13,00. Para uma professora que cumpre uma carga horária semanal de 40 horas seu salário perfaz R$ 2730,00 e é obtido pelo seguinte cálculo: carga horária semanal x valor da hora aula x 5.25 semanas. 
 
Todavia, para cumprir uma carga horária semanal de 40 horas a professora deve dobrar a jornada de trabalho e levar muito serviço para casa, além dos afazeres domésticos que, em geral, ainda ficam sob sua responsabilidade. É importante evidenciar que a maior parte dos professores que ainda se soma os retrocessos trazidos com a consolidação do golpe de 2016 que depôs uma presidente eleita democraticamente, naquele vergonhoso processo de impeachment que não apresentou crime de responsabilidade contra a mandatária da nação.
 
Como todos sabemos de lá para cá o Brasil vive um gravíssimo momento da sua história. O que miramos é estagnação econômica, desemprego (13 milhões) e subemprego (14 milhões), crescimento da miséria e da desindustrialização. Os cortes no investimento em cultura, pesquisas científicas, em políticas públicas e socais, com o advento da Emenda Constitucional 95 e das leis 13.467/2017 e 13.429/2017, respectivamente Reforma Trabalhista e Terceirização ilimitada, precarizaram ainda mais as condições de trabalho ao jogar milhões na informalidade, com ganhos insuficientes para o consumo mínimo que lhes garanta a subsistência e o aquecimento da economia nacional.
 
Diante de tal realidade chamamos a atenção da sociedade brasileira para a importância das eleições gerais de 2018. Estamos certos de que é hora de devolver o Brasil ao caminho do desenvolvimento econômico e social, com valorização da classe trabalhadora, com geração de emprego e renda para todos. Para nós professores e professoras que integramos o movimento social e sindical brasileiro, orientados pela Conferência Nacional de Educação Popular promovida em Belo Horizonte nos dias 24, 25 e 26 de maio de 2108, nos comprometemos com a defesa do estado democrático de direito, com eleições livres, que respeite a soberana vontade do povo de escolher seu Presidente da República, sem manobras golpistas e judicialescas que, como sabemos, visam excluir do pleito o líder nas pesquisas, notadamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
 
Devemos eleger um novo governo que revogue as reformas de Temer que inviabilizam o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE – 2014/2024) que previu a destinação de 10% do PIB para a educação até o final 2024. O nosso voto deve eleger parlamentares que se comprometam em garantir investimento na valorização do trabalho docente através da implantação de Piso Salarial Nacional e de planos de carreira para professores não só do setor público, mas também do setor privado. 
 
Queremos um governo e um Congresso Nacional que respeite a democracia, que dialoguem com os professores do Brasil e construam uma Base Nacional Curricular que de fato favoreça a profissionalização necessária ao desenvolvimento econômico, mas sem excluir o pensamento crítico, o pluralismo de ideias e os temas sociais, políticos e filosóficos necessários ao pleno exercício da cidadania. Parafraseando o grande ícone da educação brasileira, Anísio Teixeira, concluo: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.”
 
Railton Nascimento Souza é presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Goiás – Sinpro Goiás.
 
Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.
 

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