Pobre de Direita versus Pobre da Esquerda

Cada vez que leio ou ouço o termo “pobre de direita” arrepios me percorrem a espinha. Tento ser compreensivo com a indignação que toma certos camaradas e companheiros, pois à primeira vista realmente soa incrível ver pessoas que vivem exclusivamente do seu trabalho e que na falta do mesmo correm o risco de ir parar no olho da rua, passar fome ou morrer, defendendo as teses e as ideias dos opressores e exploradores.

Porém, o termo “pobre de direita” é uma expressão errônea, eivada numa mistura de soberba e revanchismo. Me parece coisa de intelectual arrogante ou de militante preguiçoso ou, ainda pior, de quem tem um viés de “coxinha de esquerda”. Não serve nem para fazer graça ou humor, serve sim para refletirmos sobre a miséria da nossa própria filosofia.

Marx, de forma simples, objetiva e certeira vaticinou uma máxima: as idéias dominantes de uma época são as idéias das classes dominantes. Ao que complementava: mas não são as únicas! Isso por si só é autoexplicativo, mas vamos um pouco mais além e recuperemos Lenin que apontou com propriedade que o alcance da consciência social e revolucionária não nasceria espontaneamente, era preciso um instrumento avançado – o partido do proletariado – que, ao desempenhar (e não ao assumir), o papel de vanguarda, acabaria criando as conexões para que a necessidade histórica de superação do Capitalismo deixasse de ser uma possibilidade e fosse então uma resultante da ação consciente, autônoma e dirigida no rumo socialista.

Mais: fala-se em “pobre de direita”, mas falta a vista autocrítica sobre a “pobre da esquerda”. O rosário a desfiar a partir de nossas incompreensões, incoerências e inconsistências é extenso e a posse de um método científico para estudo da realidade econômica, social e política não nos dá o selo da infalibilidade, mesmo porque a verdadeira ciência se guia por hipóteses, tentativa e erro. Nosso equipamento teórico é robusto e competente, mas nem sempre o usamos de modo acertado e no campo das ciências humanas e sociais há sempre fatores imprevisíveis ou variáveis que mudam o resultado e o produto final.

Mas a questão vai além. A “pobre da esquerda” se depara com obstáculos e desafios concretos e nem sempre percebe sua envergadura histórica corretamente. Não foi assim com parcela das forças esquerdistas que embarcou na linha de “oposição de esquerda aos governos do PT” e jogou água no moinho da direitona reaça? Não foi, por outro turno, por razões de governabilidade e sacralização de um republicanismo acrítico que aninhamos parte das forças políticas que nos traíram e golpearam? Não ocorre hoje uma indisposição generalizada entre as correntes progressistas que lembra o verso dos Titãs “cada um por si e Deus contra todos”? Não prevalecem hegemonismos e exclusivismos em detrimento da óbvia e historicamente comprovada necessidade de unir em Frente Ampla? Não parece estranho ter amenizado discurso e prática quando dispunha de uma parcela do poder do Estado e agora, desalojado e em defensiva, postular guarânias revolucionárias?

Essas e outras pensações são propositalmente provocativas, tendem a estar equívocas, denotam mesmo certa dificuldade em trabalhar dialeticamente com os dados da vida real, mas tentam chamar atenção para algumas de nossas próprias mazelas. Fácil botar a conta na alienação dos ditos “pobres de direita”. Difícil é enfrentar os dramas e tragédias da “pobre da esquerda” que mantém pensamento e ato obtusos e truncados. A vida está a exigir mais riqueza intelectual e espiritual nesse momento triste e perigoso. Nos isolarmos no nosso mundinho perfeito e cheio de certezas é o mais grave dos erros.

Ainda que muitas vezes sejamos objeto da crítica desqualificada de nossos próprios pares e respondamos com a acidez e a virulência do rótulo “pobre de direita”, suponho mais e melhor abrir diálogo, muitas vezes submetendo nossa fala aos desígnios antes pedagógicos e didáticos do que aos ditames políticos e ideológicos que só a nós são inteligíveis.

Conversar com o povo, com os trabalhadores, estudantes, artistas, gente como a gente, que por conta da dominação e manipulação não comungam de nossos princípios e perspectivas, chamando-os à realidade, invectando-os primeiro às lutas de caráter democrático e humanista, me parece melhor do que ficar reproduzindo expressão rancorosa e preconceituosa e, concomitante, enriquecer a experiência das forças da transformação social que estão, tal qual o coração, à esquerda!

Alex Saratt – 32º núcleo Cpers/Taquara.

Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.

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