Parece que o mercado não notou a aprovação da PEC 241

O comportamento do mercado de capitais e do câmbio desmentiu a expectativa de arautos do mercado financeiro que aguardavam um impacto extremamente positivo da aprovação da PEC 241 pela Câmara Federal, em primeiro turno, na noite de segunda, 10.

No dia seguinte à votação o Ibovespa amanheceu em baixa, enquanto o dólar subia. O mercado continuou neste diapasão até o encerramento dos negócios com um recuo de 1,05% no valor das ações, enquanto a cotação da moeda estadunidense terminou praticamente estável, com queda de 0,08%.

Cadê o choque de credibilidade que adviria imediatamente após a aprovação do congelamento dos gastos públicos, esta sinalização ao mercado de que o governo vai aplicar o programa impopular pleiteado pelos grandes capitalistas? O golpista Temer referiu-se à façanha no Congresso como “o gesto governamental de maior impacto na economia. Isso vai gerar, e já tem gerado desde a noite de ontem, uma maior credibilidade para nossa economia” ( http://www.valor.com.br/politica/4741469/temer-diz-que-reforma-tentara-igualar-aposentadoria-geral-e-publica). O pronunciamento dos mercados foi noutra direção.

A obviedade nos fatos

Economistas e jornalistas que rezam pela cartilha neoliberal tiveram que reescrever o discurso, alguns sem esconder o constrangimento, para admitir o óbvio: o comportamento da bolsa e do câmbio (assim como da economia brasileira em geral) é bem mais influenciado pela conjuntura internacional do que pelas políticas domésticas.

Isto, a bem da verdade, revela ou reitera a histórica dependência da nossa economia, que de resto já transpareceu em outras ocasiões dramáticas, como a crise da dívida externa. O problema, que nos custou uma desastrosa intervenção do FMI e pelo menos duas décadas perdidas, foi provocado pela política monetária dos EUA – para ser mais preciso, a alta espetacular dos juros determinada por Paul Vocker para resgatar a liderança do dólar, ameaçada pela forte desvalorização da moeda ao longo dos anos seguintes à decretação unilateral pelo governo Nixon do fim do lastro do dólar em ouro em 1971.

Os fatos, prosaicos, desmentem a premissa de que partem os neoliberais para justificar o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Seria, segundo o pensamento único que impera na mídia burguesa, uma sinalização muito forte ao todo poderoso mercado, que levaria supostamente ao restabelecimento da confiança e, por extensão, a recuperação da taxa de investimentos e do crescimento da economia.

O homem forte da Fazenda, Henrique Meirelles, também sustenta que a confiança “de consumidores, investidores e empresários já está retornando. Mas, conforme observou a presidenta Dilma, “o ministro não disse que a PEC 241 está toda baseada em um diagnóstico errado sobre a situação fiscal do Brasil. Não será agradando o mercado que o país terá a recuperação da sua economia ou que seus problemas estarão resolvidos. Essa ideia é falsa. Está baseada num conceito antigo, na cartilha neoliberal já tentada no Brasil, que só elevou o desemprego ano a ano” (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/dilma-na-teve-meirelles-esconde-a-verdade-dos-brasileiros.html)

Inversão da realidade

Além de falsa, o diagnóstico ignora deliberadamente o fator externo, ou seja, os impactos da crise mundial do capitalismo, promovendo com isto uma inversão da realidade, de forma tal que o que é efeito se transforme em causa e vice-versa.

A crise fiscal foi provocada pela queda espetacular da receita, que por sua vez foi fortemente influenciada pelo fim do chamado superciclo das commodities – e o declínio não menos espetacular dos preços internacionais das commodities.

Na versão neoliberal em voga a crise fiscal, que é efeito, surge como causa da crise e não poderia ser diferente, pois foi com este artifício que criminalizaram a política fiscal de Dilma para “justificar” o impeachment, transformando o ajuste fiscal numa espécie de lei maior do país e solução mágica (e falsa) para todos os males.

Tal versão, diga-se de passagem, foi fartamente reproduzida pela mídia burguesa e, por seu intermédio, transformada em verdade oficial com o concurso do método nazista de transformar mentira em verdade pela repetição e massificação operado-usado pela indústria midiática.

É certo que o desequilíbrio fiscal foi agravado pelas desonerações generosamente concedidas pela presidenta Dilma e o ministro Mantega aos capitalistas nacionais e estrangeiros com a esperança de que eles revertessem a renúncia fiscal, transmutada em lucros, em investimentos produtivos.

Mas, conforme se deduz do comportamento do PIB, não foi isto que ocorreu. Há indícios de que os lucros poupados na indústria automobilística, por exemplo, tenham vazado para o exterior na forma de remessa de lucros e dividendos. E é bem possível que outra parte dos recursos oriundos da desoneração tenha sido destinado a investimentos financeiros ou distribuição de dividendos.

O fato é que a renúncia fiscal não foi acompanhada do aumento da taxa de investimentos, mas não restam dúvidas de que contribuiu em grande medida para a crise fiscal. Neste caso convém comentar que não foram os gastos públicos caracterizados como primário, como argumentam os neoliberais, que provocou o problema.

Não foram as verbas destinadas aos mais pobres que, em concurso com a queda das commodities, derrubou a receita e detonou a crise fiscal, de resto amplificada pelo sensacionalismo midiático. Foi a generosidade ingênua com o empresariado, um erro que a presidenta Dilma admitiu em entrevista.

Além disto, a versão oficial omite um fato fundamental. A causa maior do déficit público não provém dos gastos primários. Sua origem é claramente financeira. Os extorsivos juros da dívida pública consomem quase 50% do orçamento da União, muitíssimo mais do que se investe em saúde, educação, habitação, infraestrutura ou funcionalismo. Sobre isto nada se fala nos meios de comunicação de massa controlados por meia dúzia de famílias capitalistas. Não condiz com as versões falsas programadas para engabelar a chamada opinião pública e impor o retrocesso neoliberal.

 

Umberto Martins é jornalista e assessor da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB

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