A América Latina parece atravessar sua segunda onda progressista deste século, com governantes comprometidos com os interesses dos povos e orientados por projetos de transformação do panorama social e político, desenvolvimento soberano das nações, integração solidária dos países latino-americanos e caribenhos, combate às desigualdades e promoção do bem estar social.
É preciso recordar que a primeira “onda vermelha”, como foi caraterizada por alguns observadores, ocorreu na primeira década do século 21, após a eleição de Hugo Chávez na Venezuela (1988), que foi seguida pela vitória de Lula no Brasil, Nestor Kirchner na Argentina, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, Manoel Zelaya em Honduras e Fernando Lugo no Paraguai.
Além de mudanças na economia e promoção de políticas públicas para melhorar as condições de vida dos povos, os líderes progressistas começaram a desenhar um novo arranjo geopolítico com a criação da Unasul e da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos) sem a participação dos Estados Unidos e Canadá, as duas potências imperialistas do continente.
Obstáculos
Os projetos democráticos e populares, porém, enfrentaram e ainda enfrentam fortes obstáculos. E estes não provêm apenas de fatores econômicos objetivos, mas principalmente das classes dominantes locais – que preservam o poder econômico, monopolizam a mídia e controlam o Parlamento – e do imperialismo, destacadamente dos EUA.
A articulação desses poderosos interesses, e a exploração das fragilidades políticas e dificuldades econômicas objetivas, resultou nos golpes de Estado contra Zelaya no Uruguai em 2009, Fernando Lugo no Paraguai em 2012, Dilma Rousseff no Brasil em 2016 e o indígena Morales na Bolívia em 2019.
Tio Sam foi o grande protagonista desses acontecimentos, embora este fato seja omitido nos relatos da mídia burguesa, que promove uma inversão da realidade ao apresentar os EUA como paladinos da democracia e dos direitos humanos. A deposição dessas lideranças revelaram as bases frágeis da democracia e dos governos progressistas no continente.
Os EUA recompuseram sua hegemonia e domínio sobre a região, que consideram como um quintal próprio. A Unasul foi desmantelada, a Celac esvaziada e os golpistas empreenderam uma ofensiva para desfazer todas as iniciativas adotadas pelos governos progressistas.
Mas este movimento reacionário também sem raízes popular não durou muito. A restauração neoliberal imposta pelos golpistas despertou uma onda de descontentamento que culminou na derrota da direita e recuperação dos governos por forças de esquerda através do voto. Em quase todos os países onde ocorreu, os golpes foram revertidos, o que no Brasil ocorre com a vitória de Lula. Além disto, eleições no México, Colômbia e Chile resultaram em vitórias da esquerda, de modo que uma nova “onda vermelha” foi inaugurada.
Cenário crítico
O cenário internacional – marcado pelo acirramento das tensões internacionais e das lutas de classes, instabilidade econômica, crise geopolítica e ascensão da extrema direita em diferentes regiões – é hoje diferente. Mas as mesmas forças reacionárias que se colocaram no caminho das transformações sociais continuam conspirando, abertamente ou nas sombras, para sabotar e desestabilizar os governos progressistas, impedir as mudanças e manter os retrocessos.
O conflito de interesses entre essas forças e os governos progressistas é notório no Brasil, onde se manifesta nas propostas de revisão das reformas trabalhista e previdenciária, abolição do Teto dos Gastos, assim como em toda e qualquer iniciativa do presidente Lula em prol da população e do desenvolvimento nacional.
Presidido pelo bolsonarista Roberto Campos, Neto do Bob Fields, o Banco Central, agora independente (o que é mais uma herança maldita do governo Bolsonaro) pratica uma política monetária perversa e vergonhosa, impondo ao Brasil a maior taxa de juros real do mundo de forma a inviabilizar a recuperação e o crescimento da economia, ao mesmo tempo em que enche as burras dos rentistas.
O drama da Colômbia
Em recente entrevista ao jornal espanhol El País, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, cuja eleição no ano passado foi uma vitória histórica para a esquerda na Colômbia e em toda a América Latina, apontou e abordou com muita clareza e propriedade os problemas que se apresentam para os governos que defendem projetos democráticos e populares.
“A mudança sempre provoca resistências”, declarou o líder da esquerda colombiana. E estas provêm “de grupos muito privilegiados”, especialmente dos que se beneficiam de recursos e públicos. “Quando propomos dar um maior peso à política pública para garantir direitos do povo à saúde, aposentadoria, pensão, então esses grupos reagem. Não têm respaldo popular, porém têm a imprensa e partidos com uma maioria relativa no Congresso que impede que projetos de lei mudancistas sejam aprovados.”
Petro observa que, como expressão do jogo do poder, “indubitavelmente há um projeto de mudança e uma resistência contra a mudança”. E indaga: “qual prevalecerá?”. Em resposta, salienta que o resultado não está predeterminado e menciona um personagem que pode desempenhar um papel decisivo: o povo colombiano.
Povo deve ter o protagonismo
“Tenho convidado a população a sair, a expressar se está a favor ou contra a mudança porque nestes nove meses de governo sentimos falta de um personagem fundamental: o povo. Quero que a população se expresse, quase nenhum país se transforma sem a presença protagônica do povo”, apelou. Se isto não ocorrer, o governo tende a malograr.
O presidente colombiano disse que aprendeu nesses nove meses de governo que a mudança é bem mais difícil do que imaginava. “Se as mudanças ocorrerem será porque o povo quer. Até onde o povo quer, nem um metro a mais e tampouco nem um metro a menos. Até onde o povo quiser”.
No Brasil, os dilemas políticos não são muito diferentes. As forças conservadores, relutantes a qualquer iniciativa afinada com os interesses populares, têm notável influência sobre o Parlamento e controlam o poder econômico e a grande mídia. O desafio das forças progressistas é elevar a consciência política do povo brasileiro com o objetivo de viabilizar grandes mobilizações em defesa das mudanças e de um novo projeto nacional de desenvolvimento com soberania, democracia e valorização do trabalho.
Umberto Martins