O capitalismo contra o capitalismo

A paralisação de maio dos caminhoneiros durou 11 dias. Realizada por empresários e trabalhadores do setor, ganhou amplo apoio do movimento sindical e social. À revelia de seus organizadores, realizadores e grande parte de apoiadores, tinha um forte componente anticapitalista: submeter a objetiva lei econômica capitalista de mercado aos objetivos e interesses sociais do conjunto da comunidade (também conhecida como contradição entre relações de produção e forças produtivas).

No 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852), Karl Marx mostrou como, no capitalismo, qualquer favorecimento à democracia, aos direitos populares ou mesmo aos interesses burgueses por progresso pode ser considerado socialistas. “Declara-se como socialista o liberalismo burguês, o Iluminismo burguês e até a reforma financeira burguesa. Era considerado um ato socialista construir uma ferrovia onde já havia um canal, e era um ato socialista defender-se com um bastão ao ser atacado com uma espada”.

A orientação econômica do Governo Temer e da direção imposta pelos golpistas que derrubaram a presidenta Dilma à Petrobras – de tudo submeter à busca do lucro máximo -, capitalista ao extremo, foi o grande questionamento do movimento dos transportadores. Empresários e trabalhadores autônomos (a chamada classe média – no caso, proprietária do veículo e prestadora de serviço) do setor de transportes não suportaram o atrelamento absoluto do preço dos combustíveis a essa orientação. Granjeado o apoio da população, empresários e autônomos do transporte escolar e dos táxis (também classe média) logo engrossaram o movimento.

Os proletários do ramo de combustíveis, através da Federação Única dos Petroleiros (FUP), entraram em greve e apontaram um outro rumo de classe para o movimento, denunciando a política antipopular de Temer e sua direção da Petrobras. Ao contrário dos empresários e transportadores, foram logo considerados infratores da lei… A Justiça também tem caráter de classe, e não é proletário…

No conjunto, o movimento expressou algo que Marx alertou: em determinado momento de seu desenvolvimento, a expansão constante das forças produtivas vai modificando as relações de produção, até que as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção (sociais e técnicas) existentes. Para Marx, tal contradição só poderia ser resolvida através da revolução social, quando o modo de produção capitalista seria substituído pelo comunismo, com o socialismo como uma ponte (para utilizar um termo usado no Governo Temer, mas que, no seu caso, remete para o passado – ultraliberalismo – e não para o futuro – comunismo).

Além do desgaste governamental, tanto pela direita (que clama pelo autoritarismo burguês, que desconsidere as conquistas democráticas, em boa parte esposado pelo movimento paredista), quanto pelos democratas (que viram no movimento uma possibilidade de granjear apoio contra um governo antissocial), o movimento parece não ter apresentado resultados positivos. A gasolina e o etanol, principais combustíveis utilizados no transporte de massa, foram majorados; o preço do diesel, principalmente utilizado pelo transporte de cargas, ainda está indefinido, já que o governo não tem poder efetivo para regulá-lo, comprometido que está com a lei de mercado; e a tabela do frete também é alvo de contestações judiciais e hesitações do Executivo.

A paralisação gerou uma crise no abastecimento em todo o país e falta de diversos produtos como, por exemplo, gás de cozinha, combustível nos postos, alimentos nos supermercados e querosene nos aeroportos. O resultado, ao contrário do reivindicado, foi a variação (quase sempre para cima) dos preços.

Uma das reivindicações apresentadas pelos trabalhadores dos transportes (com o apoio dos empresários do setor) foi o tabelamento do preço mínimo para o frete rodoviário, mas virou uma armadilha para os empresários de outros setores e o governo. Foram editadas duas versões da tabela. A primeira – em vigor – atendeu aos caminhoneiros, mas revoltou o agronegócio, que fala em aumentos de até 150% nos preços (que nunca serão auferidos). A segunda procurou aliviar o custo aos produtores, mas contrariou os caminhoneiros. O governo a revogou. Uma terceira versão continua em discussão.

O grande empresariado do agronegócio não contrata caminhoneiros autônomos, e sim transportadoras, também dominadas por grandes empresários e buscando maximizar lucros. Estas, por sua vez, recrutam os autônomos (a classe média acima citada) quando sua equipe é insuficiente para dar conta do serviço. A Associação dos Transportadores Rodoviários (ATR) ingressou com uma ação de inconstitucionalidade contra a tabela (afinal, o livre mercado não é tabelado, a não ser que deixe de ser “livre”). A Confederação Nacional da Indústria, com plena consciência de classe burguesa, pretende fazer o mesmo. 

Após a greve dos caminhoneiros, pesquisa do Banco Central aponta que a previsão dos financistas para a inflação deste ano aumentou de 3,65% para 3,82%, e a de alta do Produto Interno Bruto caiu de 2,18% para 1,94%. Para 2019, o mercado financeiro elevou sua expectativa de inflação de 4,01% para 4,07%; sua expectativa de crescimento da economia caiu de 3% para 2,80%.

Voltando ao Marx do 18 Brumário, a burguesia “compreendeu que todas as assim chamadas liberdades civis e todos os órgãos progressistas atacavam e ameaçavam a sua dominação classista a um só tempo na base social e no topo político, ou seja, que haviam se tornado ‘socialistas'”.

Finalizando com a ironia do fundador do socialismo científico:  “Se vós que estais no topo do Estado tocais o violino, por acaso não esperais que os que estão lá embaixo dancem?”

*Carlos Pompe é jornalista da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE).


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