Orçamento impositivo, entre o oportunismo da oposição e a dificuldade do governo

Depois da eleição mais acirrada da história do país, a disputa política entre governo e oposição passou a ser travada num tom mais elevado nos corredores do Congresso Nacional. Na semana seguinte à vitória da presidenta Dilma Rousseff, a Câmara dos Deputados impôs uma derrotada significativa ao governo: derrubou o decreto que criava a Política Nacional de Participação Social.

A decisão dos deputados está na contramão da principal bandeira política que emergiu das jornadas de junho e que teve forte ressonância durante a eleição: a exigência da sociedade de ter mais espaços de participação na vida institucional e política do país.

Na guerra de posições para ver quem tem mais força política no Congresso, vale tudo, menos o interesse público. Ou seja, o que mais importa para a oposição é derrotar o governo, e o que mais importa para o governo é garantir a governabilidade e derrotar a oposição.

Nesta dicotomia maniqueísta, o conteúdo dos projetos em pauta na Câmara e no Senado perde relevância.

É dentro deste contexto político que nesta semana será analisada a PEC do Orçamento Impositivo. Um projeto que nasceu com o objetivo de regulamentar os artigos 165 e 166 da Constituição, criando regras para as relações entre Executivo e Parlamento no que diz respeito à liberação das verbas individuais dos parlamentares no orçamento da União. Ela se transformou numa perigosa ameaça ao financiamento da Saúde Pública no país depois que deputados incluíram na PEC, em meio à tramitação, um corpo estranho ao seu objetivo: criar um limite de gastos com a saúde em 15% da Receita Corrente Líquida da União (RCL), a serem alcançados gradualmente após cinco anos. O percentual mínimo obrigatório será de 13,2% em 2014; 13,7% em 2015; 14,1% em 2016; 14,5% em 2017; e 15% em 2018. Se aprovado este projeto, a Saúde poderá perder recursos na ordem de 3 bilhões de reais.

Isso, por si só, já seria muito grave, e motivo de mobilização da sociedade para impedir tamanho retrocesso. Mas há ainda outro fator que torna a questão ainda mais preocupante.

Esta proposta vai na contramão de um projeto fruto da mobilização da sociedade brasileira que coletou mais de 2,2 milhões de assinaturas: o Projeto de Lei de Iniciativa Popular do movimento Saúde + 10, que prevê a destinação de 10% das receites correntes brutas da União para a Saúde. Tramitando como PLP 321/2013, a proposta vem ao encontro de uma demanda da sociedade de ter mais protagonismo político através de instrumentos de democracia participativa, como projetos de iniciativa popular.

Congresso Nacional e governo, ao manterem na PEC do Orçamento Impositivo a limitação de investimento na Saúde, ignoram a mobilização social em torno de uma das pautas mais fundamentais para garantir dignidade de vida para as pessoas: a Saúde. Se aprovado, o PLP 321 representaria um incremento de 33 bilhões de reais ao orçamento da saúde.

O que as entidades do Movimento Saúde + 10 e tantas outras ligadas à luta em defesa da saúde pública no Brasil estão reivindicando aos congressistas é que se retire da PEC do Orçamento Impositivo a discussão do financiamento da Saúde, e que este debate seja feito no processo de tramitação do PLP 321/2013.

O governo — se orientasse a sua base parlamentar para retirar este tema da PEC — estaria sendo coerente com a sua própria defesa de garantir instrumentos para que a população possa participar de forma direta dos debates políticos, uma vez que fortaleceria a iniciativa popular que originou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular 321/2013. Mas a fragilidade política na Câmara e a falta de convicções em torno da defesa de seus próprios princípios engessa o governo na hora da tomada de decisões fundamentais como esta.

De outro lado, o oportunismo político da oposição, que quer a todo custo impor derrotas ao governo e se apropriar de bandeiras que nunca foram da lavra dos partidos de direita (como a garantia de mais recursos para a saúde) tornou, nesta matéria, os partidos de direita como o DEM os defensores do Saúde+10, só porque isso seria uma aparente derrota para o governo.

Entre a esquizofrenia da disputa política que ignora conteúdos e o interesse público para se dedicar ao Fla x Flu da política, perde a Saúde e, principalmente, o cidadão brasileiro. Não podemos deixar que isso aconteça. A Federação Nacional dos Farmacêuticos e toda a categoria dos farmacêuticos está mobilizada para impedir este retrocesso na luta pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde.


Ronald Ferreira dos Santos é farmacêutico, Presidente da Fenafar e membro do Conselho Nacional de Saúde.

Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.