Obama no governo, não no poder

O anúncio da vitória de Barack Obama desencadeou a rotina de avalanche de notícias e especulações jornalísticas sobre as grandes mudanças que poderão ocorrer como resultado da chegada de um novo ocupante na Casa Branca. Além do significado que encerra o fato de que um descendente africano chegou à presidência dos Estados Unidos, a verdade é que a importância atribuída ao resultado da eleição foi muito exagerada, e isto por duas razões.

Primeiro, porque se ignora – ou se oculta – as mudanças que já ocorreram e que, longe de serem produtos das eleições, foram o resultado da brutal erupção da mais grave crise geral do capitalismo nos últimos oitenta anos. Esta queda do “outro muro” precipitou o funeral fulgaz do neoliberalismo em que Alan Greenspan confessou “que nada será como antes”. Em outras palavras, independentemente de quem fosse eleito presidente, as mudanças que direcionam menos mercado e mais regulação estatal ou menos liberalismo e mais intervencionismo governamental teriam ocorrido de qualquer jeito.

Mas é altamente improvável que estas mudanças levarão a uma desmilitarização do cenário internacional, e isto por uma segunda razão, ou seja: o presidente dos E.U.A é uma figura muito mais fraca do que parece. Na verdade, seus poderes são cada vez mais limitados pelo contínuo fortalecimento que Dwight Eisenhower chamava de “o complexo militar-industrial”, cuja influência econômica, política e até mesmo espiritual se estenderia até alcançar, segundo o presidente, as agências do próprio governo federal. O potencial para um crescimento desastroso desse poder baseado na parceria entre um enorme aparato militar e uma não menos importante indústria armamentista, era uma ameaça para as liberdades e à democracia nos Estados Unidos.

No momento em que se cunhou esta frase, janeiro de 1961, esses poderes “de fato” eram apenas emergentes: o orçamento militar dos Estados Unidos era equivalente ao orçamento (militar) de um punhado de outras nações desenvolvidas. Atualmente, cresceu de forma exorbitante e equivale ao gasto em armamento de todo o resto do planeta. Este complexo foi se entrelaçando com outros setores da economia, na medida em que a gravidade da situação, conjugada com os custos fenomenais das campanhas políticas, tornaram os ocupantes da Casa Branca presas fáceis para os seus interesses.

Seguindo o pioneirismo dos estudos de C. Wright Mills, o cientista político mexicano John Saxe-Fernandez constatou que quem realmente manda nos Estados Unidos é um “triângulo de poder” composto por: (a) a Casa Branca e, especialmente, os departamentos de Defesa, de Energia, do Tesouro, do Estado, da NASA e do enxame de aparelhos de inteligência, integrado no gigante Departamento de Segurança Interna, (b) as grandes corporações, sobretudo aquelas ligadas à produção de defesa, a aeroespacial, a do petróleo e gás, incluindo os grandes laboratórios, instituições de investigação, câmaras empresariais e de alguns sindicatos, (c) os principais comitês do Congresso, em especial os da Câmara dos Representantes e do Senado da Energia e dos Recursos Naturais, forças armadas e os vários sub-comitês dedicados aos setores chaves da vida econômica.

Nos Estados Unidos como na América Latina continua a ser válida a distinção entre chegar ao governo e tomar o poder. Obama entrou para o governo, mas está a anos luz de ter conquistado o poder (no caso em que ele se propusera). É o sócio menor de uma coalizão que reúne forças esmagadoras superiores às suas, e para as quais as guerras imperialistas e as pilhagens são fontes de fabulosos lucros. Nenhum presidente foi capaz de ultrapassar estas forças e nada faz pensar que o resultado poderia ser diferente desta vez.

Por Atílio A. Boron[*] (Tradução de Paula Venturin)
* Doutor em Ciência Política da Universidade de Harvard e professor titular de Teoria Política da UBA.
 

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