O preço da inflação para os trabalhadores

A inflação voltou a ser tema de intenso debate no mundo do trabalho. Sempre que o assunto vem á tona, os trabalhadores logo são lembrados como as principais vítimas da “espiral de preços”. Mas até setores empresariais — como a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — têm discutido o impacto da inflação sobre os preços dos produtos e, conseqüentemente, sobre as perdas no poder de compra dos trabalhadores.

É importante registrar, desde logo, que quando se fala em inflação no Brasil é inevitável lembrar que a meta de inflação é estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) — formado pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do Banco Central (BC) —, que recentemente decidiu mantê-la em 4,5% para 2010, com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Alta de preços internacionais

Com a decisão, o CMN decidiu pela manutenção da meta de inflação atualmente utilizada pelo país e que também está prevista como parâmetro para 2009. O significado desta decisão foi bem precisado pelo secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Bernard Appy. “O governo sinaliza de forma clara que pretende que a inflação convirja para o centro da meta no máximo até 2010”, disse ele.

De acordo com Appy, o motivo que levou à decisão de manter a meta foi a avaliação que o país vêm reagindo bem à alta de preços internacionais. Há uma imprecisão evidente neste diagnóstico. Há poucos dias, o Banco para Pagamentos Internacionais, considerado o banco central dos bancos centrais, realizou sua assembléia geral anual e recomendou uma política monetária “restritiva” — ou seja, altas nas taxas de juros — diante da ameaça da inflação em âmbito mundial.

Relatório da situação econômica

Em seu 78º relatório anual, no qual analisa a situação da economia global de 1º de abril de 2007 a 31 de março deste ano, o banco disse que “os riscos de inflação são os mais sérios dos últimos anos”. Quanto ao crescimento da economia mundial, o relatório prevê que “a desaceleração mundial será mais intensa e prolongada do que a prevista anteriormente”. O banco também disse que os países “emergentes” podem ser mais afetados por uma desaceleração econômica nos Estados Unidos e pela atual crise financeira do que o previsto.

Outras sinalizações neste sentido foram as decisões do Federal Reserve (Fed) de deixar inalterada a taxa de juro norte-americana em 2%, apesar da ameaça de queda brusca da economia daquele país, e do Banco Central Europeu (BCE) de elevar os juros em 0,25% — de 4% para 4,25%. O fed explicou que a decisão foi uma resposta aos “riscos de alta da inflação e as expectativas inflacionárias”. Os “riscos de alta da inflação” parecem ser de fato algo sério.

Repique da inflação mundial

Uma recente reportagem do jornal financeiro britânico Financial Times analisa como o recente repique da inflação mundial está afetando os países “emergentes” — como o Brasil, a China e a Índia. A alta dos preços e a conseqüente elevação dos juros para combater a inflação causam desaceleração econômica e colocam em risco o que o jornal chama de “história de sucesso” destes países. Segundo a reportagem, até então vinham crescendo descolados da dinâmica verificada nas principais economias.

O Financial Times diz que os preços nos “emergentes” subiram mais intensamente que nos países industrializados: as taxas bateram 7,7% na China e 11,4% na Índia, o que levou as respectivas “autoridades monetárias” a elevar os juros. Entretanto, ressalva o Financial Times, países ricos em recursos naturais, como o Brasil e a Rússia, têm sofrido menos.

Mas a inflação brasileira já começa a atingir o bolso do trabalhador. O rendimento médio caiu 1% nas seis principais regiões metropolitanas do país de abril para maio, de acordo com o Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Na comparação com maio de 2007, no entanto, a renda se desacelerou e subiu 1,5%, num ritmo mais moderado — a alta média de janeiro a abril ficou em 2,7%.

Monstro inflacionário

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) calcula que neste ano os alimentos da cesta básica aumentaram 83% no mundo, enquanto no Brasil o aumento foi de 25%. Pesquisa recente do Dieese, no entanto, atestou a elevação do custo da cesta básica em 16 capitais. A alta dos preços dos alimentos cresce é sentida por qualquer um que vá à feira.

O medo do monstro inflacionário já surge nas pesquisas de opinião e pode, conforme alerta o economista Luis Nassif, abalar a popularidade do governo Lula — assentada, sobretudo, nos índices positivos da economia. Talvez por isso o governo tenha anunciado medidas urgentes para incentivar a produção de alimentos — como o “Plano Safra Mais Alimentos”, que pretende ampliar em 18 milhões de toneladas por ano a produção da agricultura familiar.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a agricultura familiar é responsável hoje por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, ou 10% do Produto Interno Bruto (PIB). São medias importantes, porque os efeitos da inflação sobre a distribuição de renda mostram que de fato a classe trabalhadora é a que mais perde com o aumento das taxas de inflação — principalmente os de baixa renda, que não têm condições de se protegerem com investimento porque consomem toda sua renda.

Discurso oportunista

Na análise da economia brasileira, o fator político tem aparecido como discurso oportunista da oposição conservadora. Em tons inflamados, tucanos, demos e notórios mercenários da mídia culpam o governo Lula pela recente escalada inflacionária. “Incompetente” e “frouxo” são alguns dos adjetivos utilizados. Nada falam sobre a explosão dos preços dos alimentos no mundo todo nem sobre a atuação corrosiva dos especuladores sobre a alta das commodities. Tampouco tocam na queda do dólar.

O dilema é que o remédio proposto pelos conservadores não resolve o problema. Pelo contrário — ele pode ter efeitos colaterais ainda mais destrutivos. O Brasil já ostenta o título de campeão mundial dos juros, sendo um paraíso da usura. Se a taxa for elevada — o que está previsto ocorrer na próxima reunião do Copom —, ela afetará o investimento das empresas, comprometendo o crescimento da economia. Também atingirá as contas do próprio governo, já que os títulos da dívida pública estão indexados à taxa Selic e elevam a dívida pública.

Os sintomas e os males

A verdade é que o regime de metas inflacionárias, implantado no Brasil a partir de 1999, não é tão simples e inofensivo quanto aparenta o discurso conservador. Não se resume simplesmente à fixação de uma meta de inflação. É muito mais do que isso. A elevação da taxa de juros eleva também o custo de financiamento e, portanto, a desaceleração econômica e o desemprego.

A inflação tem que ser controlada com instrumentos que ataquem as suas causas e não os seus sintomas. A taxa de juros é eficaz para combater a inflação, mas seu uso não é desejável e nem isento de benefícios para poucos e prejuízos para muitos. Ademais, a boa medicina e a boa administração dos interesses públicos nos ensinam que devemos combater as causas e não os sintomas dos males.

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