O pensamento fundamentalista ameaça a educação no DF

A leitura do ofício encaminhado pela Dep. Sandra Faraj- SD/DF ao diretor de uma escola pública, solicitando esclarecimentos acerca de uma atividade pedagógica proposta por um professor aprofundou a minha convicção acerca da gravidade do momento que vivemos. Tal comportamento nos remete a tempos tenebrosos, quando qualquer divergência de pensamento em relação ao instituído era motivo de se levar à fogueira. Era a “Santa Inquisição”.

É pública a postura conservadora da referida deputada. As proposições legislativas por ela apresentadas revelam um esforço recorrente em atrelar a educação às suas convicções morais e religiosas desconsiderando o caráter laico do estado brasileiro.   Exemplar é o  Projeto de Lei que trata da instituição de aulas sobre valores familiares. Tenta fazer parecer que o projeto é isento ideologicamente. Revela uma postura fraudulenta, tendo em vista que valores são conceitos referenciados não no ser, mas na forma como as relações entre os seres são percebidas, não havendo, portanto percepções únicas sobre as coisas, pessoas, práticas e contextos.

Insiste, como porta voz do “projeto escola sem partido” em uma narrativa falaciosa, construída em torno da neutralidade da escola. Desrespeita e subestima educadores/as, estudantes e comunidade tentando escamotear o seu pensamento eivado da ideologia dominante, ou seja,  visa  “esconder uma posição que não se quer mostrar”  como nos ensina Freire.

O patrulhamento ideológico explicitado no oficio é uma afronta à liberdade de cátedra e a autonomia dos professores/as. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Plano Nacional de Educação, assim como as Leis Distritais estão subordinadas à Constituição Federal. Considerando que a Carta Magna  prevê dentre os direitos e garantias fundamentais que “ é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação , independente de censura ou licença” e, considerando  que a  atividade docente é iminentemente  intelectual e científica, como pode a deputada alegar que os/as docentes estão proibidos de abordarem as questões de gênero em sala de aula?

A Constituição de 88 preconiza, também, que a educação visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo  para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Nesse sentido, estabelece princípios norteadores da oferta e garantia da educação como direito, tais como: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento , a arte e o saber”, e o  “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Portanto, quando o Professor Sr. Deneir pauta temáticas relacionadas às questões da diversidade de gênero ou qualquer outra, o faz ancorado na Constituição Federal que lhe assegura autonomia e lhe atribui obrigações com  a formação integral dos/as estudantes. É responsabilidade do/a educador/a trazer para o contexto da escola os temas que perpassam a sociedade, buscando desvela-los a partir de uma reflexão crítica.

É fundamental clarificar que mais que esclarecimentos o oficio da deputada visa, por um lado intimidar a escola e por outro, desqualificar a educação destinada às classes populares, oferecendo aos filho/as dos trabalhadores/as uma educação meramente reprodutora, sem riscos de transformação da realidade. A manutenção da exploração capitalista, da educação como mercadoria, portanto, acessível apenas aos mais aptos é o subtexto da narrativa orquestrada pela deputada Sandra Faraj, e que ela tenta a todo custo dissimular.

A quadra conservadora que vivemos com graves ataques à democracia é terreno fértil para que as múltiplas Sandras Farajs tentem reduzir direitos. Entretanto, é bom lembrar que escola não é igreja, a professora, o professor e estudantes são sujeitos, tem opinião, constroem conhecimento, não se sujeitam aos dogmas. Chegamos ao século XXI com profundos avanços na construção de uma educação crítica e libertadora, por isso, equivoca-se a deputada quando avalia que por meio da mordaça às escolas, de ameaças aos professores/as e estudantes conseguirá impedir que a educação cumpra a sua função social de formação para a cidadania.

Deputada, não há que se ter dúvidas, a função da escola é distinta da função dos templos religiosos. A inquisição não voltará. A autonomia da escola é constitucional.

Olgamir Amancia Ferreira é doutora e Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta da FUP/UnB. Professora aposentada da SEE/DF. Dirigente do SINPRO/DF(1992-1998). Conselheira do Conselho Superior do Instituto Federal de Brasília/IFB. Vice Presidenta do PC do B/DF

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