No vácuo


Os seguidos incidentes – incluindo mortes a bordo – com os cruzeiros marítimos que visitam o litoral brasileiro a cada verão nos impõem uma reflexão responsável. O turismo de cruzeiros pode e deve se inserir no intercâmbio comercial e turístico global de forma saudável, desde que, é claro, esteja efetivamente regulamentado. Por enquanto, não é o que vem ocorrendo. Ao contrário, pode-se dizer que o Brasil está escancarado para os cruzeiros marítimos, que chegam e saem de nossas águas sem qualquer prévio procedimento de controle.

A ausência de procedimentos e autorizações prévias para se navegar em águas nacionais se dá, em parte, porque a atividade encontra-se hoje num vácuo legal. Isso porque a Lei 9.432 de 1997, que remodelou a navegação do país, regulamentou todo o setor marítimo deixando, porém, de fora, sem justificativa plausível, a atividade de cruzeiros. Tal hiato faz com que suas rotas e escalas sequer sejam submetidas à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

Os cruzeiros geram, na verdade, poucas divisas para o país. Transportam, em sua maioria, turistas brasileiros que deixam de se hospedar na rede hoteleira e de consumir nas lojas e restaurantes das escalas para gastar seus dólares nos navios – sem recolhimento de tributos. Qual o benefício para o turismo nacional em termos de receitas ou geração de empregos? Com efeito, trata-se, sob determinados aspectos, de uma concorrência desleal.

Acrescente-se à questão da fuga de divisas – tendo em vista que o serviço é provido exclusivamente por embarcações estrangeiras – os problemas relacionados ao tratamento dado aos brasileiros, algo que tem beirado o desdém, conforme recentes episódios.

Saliente-se que esses cruzeiros são navios com bandeiras de conveniência, de países que não dão a devida importância às normas marítimas. Sua tripulação suporta cargas horárias absurdas, como se os navios fossem verdadeiras fazendas escravas flutuantes. Tais circunstâncias inviabilizam um correto atendimento aos passageiros, sobretudo em emergências. Gente não é contêiner!

O cenário atual nos obriga a repensar os cruzeiros marítimos, submetendo-os a uma efetiva legislação, a fim de que a atividade desenvolva-se com a necessária segurança, e de forma complementar a outros segmentos turísticos. Basta vontade política para tanto.



Severino Almeida Filho é presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Marinha Mercante (Sindmar), preside também a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos- CONTTMAF e é secretário de relações Internacionais da CTB – artigo publicado originalmente no jornal O Globo (02/03/2009)

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.