Nem o agronegócio sobrevive sem a indústria

A clássica divisão da economia de um país em três setores mostra que o Brasil não faz feio na comparação com outras nações. Apesar da crise política e econômica, temos um respeitável patrimônio no setor primário (agropecuária e extrativismo), no secundário (atividades industriais) e no terciário (comércio e serviços em geral).

Dois manifestos lançados neste ano tratam esse patrimônio como uma das bases para o País voltar a crescer e se desenvolver. É o caso do “Manifesto do Projeto Brasil Nação”, liderado pelo economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, que propõe “o resgate do Brasil” com base num plano desenvolvimentista. Segundo o texto, nosso ponto de partida é favorável: “Temos riquezas naturais, um parque produtivo amplo e sofisticado, dimensão continental, a maior biodiversidade do mundo. Temos posição e peso estratégicos no planeta”.

Na mesma linha, o “Manifesto pela União Nacional”, idealizado pelo ex-ministro Aldo Rebelo, lança a “proposta de reconstrução e afirmação nacional” para superar a crise, com a “união de amplas forças políticas, econômicas e sociais”. O texto lembra o País, mesmo às voltas com a “desindustrialização” de sua economia, ainda tem “uma das dez maiores e mais diversificadas bases industriais do mundo”. Da mesma maneira, “o status de grande produtor de grãos e proteína gera para o Brasil, além de divisas, respeito crescente num mundo cada vez mais carente de segurança alimentar”.

Dignos de leitura e de consideração, os manifestos acertam ao não criar uma falsa oposição ou rivalidade entre os setores primário e secundário. Tanto a agropecuária quanto a indústria são fundamentais na luta por um projeto de desenvolvimento que vise à retomada do crescimento sustentável e independente, ao combate às desigualdades e à valorização do trabalho.

Para se modernizar e crescer de forma sustentável, a própria agricultura depende da boa parceria com a indústria. Se o setor primário voltou a crescer em 2017 – ainda que de maneira errática, atrelada a fatores pontuais –, parte dessa tendência se deveu aos investimentos na mecanização agrícola.

De acordo com a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), o segmento de máquinas e equipamentos para o setor agrícola teve 25% de alta nos oito primeiros meses de 2017, em comparação com período similar do ano passado. Estamos vendendo mais tratores de rodas, cultivadores motorizados, colheitadeiras de grãos e colhedoras de cana. Passamos de 29.399 unidades de janeiro a agosto de 2016 para 36.157 entre janeiro e agosto deste ano.

“O agronegócio tem sido fundamental para o setor de máquinas e equipamentos”, reconheceu, em entrevista recente, Rodrigo Junqueira, diretor de vendas da Massey Ferguson. “Os ótimos resultados do agronegócio neste ano só foram possíveis graças às indústrias e setores do mundo urbano, como a produção de máquinas e equipamentos”, retribuiu o ex-ministro Roberto Rodrigues, membro do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp.

Embora óbvia, a cooperação agricultura-indústria segue ignorada pelo governo Temer. Ao mesmo tempo em que parecem fazer festa com a inacreditável reprimarização da economia brasileira, Temer e cia. jogam suas fichas numa política ultraliberal, anti-industrial e desnacionalizante, que rebaixa nossa taxa de investimento a 15,5% do PIB (Produto Interno Bruto, que corresponde à soma de todas as riquezas produzidas no País). A conta não fecha, e a euforia do Planalto carece de sentido.

É fato que nosso PIB cresceu 0,2% no segundo trimestre de 2017, na comparação com os três primeiros meses do ano. Foi o primeiro aumento depois de uma longa recessão que já somava 12 trimestres – ou três anos. Só que essa suposta retomada, além de modesta e lenta, é desigual. Os três setores econômicos não alcançaram estabilidade e rumo – a própria indústria continuou a cair (-0,5%) e segue em recessão.

“Por gerar produtos com alto valor agregado – e, portanto, impactar outros segmentos econômicos –, a indústria é o único setor capaz de, efetivamente, dinamizar a economia nacional como um todo. Cada emprego direto na indústria metalúrgica, por exemplo, pode gerar mais dois ou três empregos indiretos”, apontou a FITMETAL (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil).

Sob qualquer ótica, não podemos aceitar tamanho ataque ou desprezo ao setor secundário, muito menos à indústria nacional. A valorização do setor produtivo se impõe como o único caminho capaz de garantir o crescimento sustentável e duradouro da nossa economia, rumo ao desenvolvimento soberano do País.

Já não é hora de o governo Temer mudar de rota?

Marcelino da Rocha é presidente da FITMETAL (Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil) e dirigente nacional da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil), além de membro do Comitê Central do PCdoB. Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim (MG) por quatro mandatos

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