Lições da crise do sindicalismo dos EUA

Há muitas histórias sobre o sindicalismo norte-americano. Algumas foram até popularizadas em filmes que mostram traços de gangsterismo, penetração da máfia etc. Mesmo quem conhece apenas superficialmente aquele mundo (me incluo neste universo), sabe da tradição “apolítica” dos sindicatos, do controle estrito que os “staffs” de dirigentes “técnicos” mantêm, subordinando a participação e a mobilização dos trabalhadores ao ritual das negociações fechadas com o patronato.

Nem tão apolítico é esse sindicalismo. Desde os anos 1930, quando a classe trabalhadora branca foi beneficiada pela legislação de Franklin D. Roosevelt, os sindicatos têm sido um elemento fundamental nas coligações do Partido Democrata. E desde os anos 1950, sobretudo, a central sindical AFL-CIO tem se alinhado fortemente com a política externa norte-americana, nos seus traços mais imperialistas.

A atitude “negociadora” e desmobilizadora foi relativamente bem-sucedida nos chamados “vinte e cinco anos gloriosos” do pós-guerra, o período em que o capitalismo norte-americano cresceu como nunca. As gigantescas corporações ianques vendiam muito dentro do país e também no mercado externo, não apenas por meio da exportação, mas pela implantação de uma enorme rede de subsidiárias de suas manufaturas em todo o mundo. A classe trabalhadora passou a ser integrada numa hipotética “classe média” por meio de um consumo sofisticado, de hábitos e valores cuidadosamente cultivados pela mídia, pela publicidade e por uma “religião da prosperidade” e do sucesso individual. Comprava casa própria, automóveis, eletrodomésticos, educação…

Para aqueles que trabalhavam em grandes corporações, o emprego era mais do que emprego, era uma carreira ascendente, de longa duração, bons salários e benefícios indiretos (plano de saúde e de previdência, sobretudo). Farta bibliografia tem mostrado como as frágeis políticas públicas de bem-estar dos EUA foram contornadas por uma espécie de “Estado de bem-estar privado”, organizado em torno do emprego nas grandes corporações, um “Welfare State” dependente desse vínculo trabalhista. Tudo parecia indicar que, na pátria do capital, a classe trabalhadora tinha encontrado seu lugar ao sol. Tranquilo, sem sustos. Só que não.

No fim dos anos 1960, havia sinais de rachaduras sérias nesse edifício. E nos anos 1970 explodiram análises fortes apontando para o “declínio americano” e o eventual surgimento de uma nova potência hegemônica, o Japão. Não vamos entrar no debate sobre o declinismo, se a decadência era real e em qual medida, quais suas causas e fatores determinantes. Esse debate, ainda que relevante, nos desviaria de nosso tema imediato. O importante é registrar que, de fato, o chão se movimentava no mercado de trabalho e tinha impactos decisivos na vida da classe trabalhadora e nos seus sindicatos.

Desde a metade dos anos 1970, começa uma fase de reformas macroeconômicas liberais (privatizações, desregulamentações) e de reengenharia das empresas. Fragmentação, outsourcing e terceirizações são acompanhadas de transplantes de fábricas para lugares com menos sindicatos e menos legislação, os estados do sul, primeiro, depois o México, a Ásia etc. E cidades industriais inteiras viraram o “cinturão da ferrugem”.

Cresceram cada vez mais os “Macjobs”, empregos temporários e precários, sem direitos e sem benefícios indiretos, mal remunerados, nos quais se amontoam jovens, mulheres e imigrantes. E cada vez mais claramente se constrói quase uma ex-classe ou subclasse, a antiga “white working class” que um dia fora convencida de que era parte da “classe média”.

Nesse terreno, os sindicatos “negociadores” perderam terreno. Quase não têm o que nem como negociar. E cada vez mais assistem ao desaparecimento de suas bases de representação, que escorrem entre os dedos dos dirigentes, acomodados e burocratizados. Em 1980, cerca de 25% dos trabalhadores eram sindicalizados, com percentual ainda maior na manufatura. Em 2010, o percentual havia baixado para perto de 12%. Na manufatura, a queda era ainda maior.

Nesse quadro aparecem os primeiros sinais de renovação nos sindicatos e na AFL-CIO, que, em 1995, tem, pela primeira vez, uma chapa de oposição vencendo a disputa. Os rachas e cisões se sucedem. E nas tentativas de respostas à crise econômica e ao déficit de representação, surgem algumas políticas de organização inovadoras, participacionistas. E várias delas apontam para a tentativa de ampliar as bases dos sindicatos atingindo os não organizados e os aparentemente “não organizáveis”, os precários, os temporários, os imigrantes.

As tentativas levam à formação de um sindicalismo de novo tipo, envolvido com movimentos populares e comunitários, o “social movementunionism”. As iniciativas são empíricas, na base da tentativa e erro. Algumas perduram, outras desaparecem. E a maioria encontra um obstáculo relevante: atentam para o “organizacionismo”, a ampliação da participação, mas nem sempre se dão conta da dimensão política estratégica: a adoção de um posicionamento de classe, mais crítico com relação à ideologia patronal e às políticas do Estado norte-americano.

Mesmo as correntes renovadoras da AFL-CIO, pós-1995, vacilam em se distanciar da política globalista e hegemonista do Estado norte-americano e das corporações. Ainda são hipnotizadas pela ideologia do capital e dos políticos “globalistas” do Partido Democrata.

Nossas lideranças e estrategistas sindicais poderiam aprender muita coisa com o “social movementunionism”, a organização dos não-organizados e a politização das demandas para além dos limites corporativos da “categoria”. Tá faltando um pouco de classe no nosso meio.

Reginaldo Moraes é professor da Unicamp, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. 

(artigo publicado originalmente na Carta Capital)


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