Krupp: duas ou três lições sobre capitalismo

Celso Furtado dizia que o carrasco das nações no mundo globalizado era a perda dos instrumentos endógenos de decisão.

Sem eles tornar-se-ia virtualmente impossível subordinar os interesses do dinheiro aos da sociedade.

A reinvenção dessa prerrogativa seria quase uma pré-condição para regenerar a agenda do desenvolvimento no século 21.

O fato de o Ministério do Planejamento no Brasil ter se reduzido a uma sigla ornamental ilustra o quanto a sociedade ainda se ressente desse difícil processo de reconstrução.

O fiasco do projeto siderúrgico da Krupp (Tyssenkrupp) no país é mais uma evidência da visão arguta de Furtado, cuja pertinência histórica a ortodoxia nativa desdenha e inveja.

Fundada em Essen, há 201 anos, a lendária siderúrgica alemã, anexada por Hitler ao esforço de guerra nazista, está se desfazendo de uma unidade no Rio de Janeiro.

A Companhia Siderúrgica do Atlântico começou a ser planejada pela Tyssenkrupp em 2005; entrou em operação em 2010 e custou US$ 15 bi.

A previsão de produzir cinco milhões de toneladas de placas de aço por ano revelou-se um fracasso.

Não um fracasso qualquer.

O tropeço da gigante alemã no país condensa algumas coisas que os crédulos dos mercados racionais e autorreguláveis precisam aprender sobre o capitalismo.

A CSA nasceu como uma perfeita obra da globalização do capital.

Nela, como se sabe, nações e povos figuram como mero substrato logístico ou entreposto de insumos baratos.

Arcam com as externalidades do projeto e participam de forma lateral dos lucros.

Mas são coagidos a engolir o grosso dos prejuízos quando ele ocorre.

É o caso.

Num país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados, a CSA foi erguida sobre um solo pantanoso, ao lado de um mangue, na Baía de Sepetiba, zona oeste do Rio de Janeiro.

A escolha singular elevou em cerca de 60% o custo de implantação.

Exigiu um exército de bate-estacas para as fundações que mobilizariam quase um terço da oferta desses equipamentos na região.

Havia lógica, a do dinheiro, por trás da aparente excentricidade.

Ocupar um terreno próximo à fonte de matéria-prima, trazida do Espírito Santo pela Vale do Rio Doce (sócia com 23% do capital), era uma motivação.

A disponibilidade de um porto exclusivo para intenso movimento de embarques rumo aos EUA, outra.

Por Saul Leblon, publicado no site Carta Maior

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