Monica Fonseca Wexell Severo*
Os professores da rede paulista, através da Apeoesp, junto com o Instituto de Arquitetos do Brasil, gestaram uma cartilha com orientações técnicas sobre o que um espaço necessita para ser seguro, em tempos de pandemia. Nem recorri a ela neste breve desabafo.
O governo estabelece algumas regras, e informa a população sobre as reformas estruturais que foram realizadas nas escolas, as aquisições, os equipamentos e tudo o mais que está aguardando nossos filhos. Refiro-me ao protocolo oferecido pela Seduc, que faz parte do Plano São Paulo e pode ser consultado no FAQ-Volta-às-aulas-2021.
Peço sua paciência para acompanhar um pequeno passeio numa escola real, que fica no bairro da Aclimação, no centro da capital paulista.
Prometo que nem vou me referir à infame campanha para criminalizar nossa resistência, desvalorizar nossa insana jornada nesta pandemia, as horas excedentes de trabalho não remunerado, as cobranças inventadas a cada dia, o assédio cotidiano. Veja o que vemos, sinta o cheiro que sentimos, viaje para o espaço que ocupamos e que protegemos. Pois amamos nossa escola, faz parte de nossas vidas, é local em que realizamos uma das mais belas atividades humanas.
Regra: Deve-se higienizar os banheiros, lavatórios e vestiários antes da abertura, após o fechamento e, no mínimo, a cada três horas.
Realidade: A EE Caetano de Campos tem 26 salas de aulas, 1.496 estudantes matriculados, sala de professores, laboratório de informática, laboratório de ciências, sala de recursos multifuncionais para Atendimento Educacional Especializado (AEE), quadra de esportes coberta, quadra descoberta, cozinha, sala de leitura, banheiros, sala de secretaria, sala de diretoria, refeitório, despensa, almoxarifado, pátio coberto, pátio descoberto e área verde. Todas estas instalações encontram-se em estado precário de conservação e limpeza. Ocupamos 7 mil m².
Tudo isso era “limpo” por 4 (quatro!) heroicos seres humanos. Em 2020 essa equipe foi reduzida e, no dia 20 de janeiro deste ano, todos foram dispensados. No dia 01 de fevereiro, uma empresa terceirizada retomou os trabalhos. Tivemos dois seres humanos trabalhando pela manhã e outros dois no período da tarde. Isso uma semana antes de pretensamente recebermos os estudantes, e no mesmo dia em que os professores deveriam se apresentar na escola.
Em 2015, a ampliação do número de pessoas para fazer a limpeza era uma das exigências dos estudantes que ocuparam a escola. A dirigente regional de ensino, que permanece no cargo, comprometeu-se em atender a esta reivindicação – numa assembleia com os jovens, aqui na escola. A pandemia chegou antes da realização do compromisso.
Com o tamanho da equipe contratada pelos tucanos, num daqueles esquemas terceirizados que precarizam ao máximo o trabalho, pareceria piada se não fosse de matar. Matar esses trabalhadores de exaustão e os demais de outras patologias. Assim é impossível que a nossa escola seja toda limpa. Nem a cada três dias e, suspeito, nem a cada três meses. Se os banheiros fossem higienizados uma vez ao dia devemos canonizar estes trabalhadores. Antes da abertura, e após o fechamento, não há nenhum trabalhador de limpeza no local.
Quer ver como fomos recebidos, após as férias?
Regra: Remover o lixo no mínimo três vezes ao dia e descartá-lo com segurança; higienizar os prédios, as salas de aula e, particularmente, as superfícies que são tocadas por muitas pessoas (grades, mesas de refeitórios, carteiras, puxadores de porta e corrimões), antes do início das aulas em cada turno e sempre que necessário;
Realidade: Achei interessante o destaque para as maçanetas, corrimões e puxadores. Espero que apreciem também. Lacrimejei até, pura emoção!
Remoção de lixo: pomba morta conta como lixo? Serão removidos por quais trabalhadores? Os mesmos quatro que higienizam os banheiros, os lavatórios e corrimões, as salas, os pátios, o refeitório, a secretaria, a sala da direção a cada 3 horas?
Regra: a Seduc-SP adquiriu e distribuiu uma série de insumos destinados tanto aos estudantes quanto aos servidores.
Realidade:
Pequeno vídeo sobre as águas no banheiro para as estudantes pode ser apreciado em https://drive.google.com/file/d/12I0gkHCOokQ_iFQsMlzkQKTAf38Jm3h2/view?usp=sharing
Propaganda: Em todo o estado, as 5,1 mil escolas estaduais receberam R$ 700 milhões através do Programa Dinheiro Direto na Escola de SP neste ano de 2020. Essa verba foi destinada para manutenção e conservação das unidades para a volta segura das aulas presenciais.
Realidade: Temos um grave problema estrutural, que está comprometendo vários espaços de nossa escola. Há anos fazemos pressão para que a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) realize as obras necessárias. Na pandemia, fizemos pressão para que as reformas ocorressem. Parece que foi licitado, após quase um ano. Nem previsão de início dos trabalhos. A água da chuva desce pelas caixas de luz. Assim era, assim permaneceu, assim está.
Uma das salas interditadas. Esse lixo será removido também? Essa sala será arejada?
Nestas condições, os professores foram convocados e pretende-se receber estudantes em alguns dias.
Nem abri o material das recomendações dos arquitetos e está longo demais esse desabafo. Não há trabalhadores de apoio para acompanhar a circulação nas áreas comuns, medir temperatura na entrada, regular ingresso em banheiros, atender aos doentes. Acesso à internet, prometida para professores e estudantes, conhecemos das propagandas. É de matar. Literalmente.
Nestas condições não retornaremos. Sem vacina, sem encontro presencial em nossas escolas sucateadas. Nas demais, retorno também significará o fomento da doença e mais mortes, como já vimos no Brasil e no mundo. Mas nós não somos genocidas. Por isso lutamos: em defesa da vida.
Mais imagens da EE Caetano de Campos, em 02 de fevereiro de 2020, dia em que os professores foram convocados a cumprir jornada presencial e 6 dias antes da presença de discentes em https://drive.google.com/drive/folders/16hPNDckpiY1JvN99IPrZDBPND68AP9V_?usp=sharing
*Mestra, bacharel e licenciada em Filosofia, é docente na rede pública desde o ano de 2008