Fazer greve é legítimo; negociar é obrigação da luta e do governo

A desocupação nesta quinta-feira (9) da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, tomada por cerca de 250 soldados da Polícia Militar e sob cerco da Força Nacional de Segurança e do Exército, é o primeiro sinal de alívio numa crise que se estende há dez dias. Falta agora concluir com êxito as negociações, sem as intransigências que de parte a parte têm caracterizado o conflito. Chegar a bom termo é uma exigência da população, uma obrigação de quem luta e de quem governa.

Uma luta que é a todos os títulos legítima e legal por reivindicações salariais de uma corporação que ganha salários irrisórios e é em não raras situações submetida a um regime opressivo e humilhante nas casernas, transformou-se em crise política com projeção nacional, haja vista a movimentação de ministros, deputados, senadores, o governador do estado e a própria Presidência da República. O deslocamento para a Bahia de numerosos contingentes do Exército, da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal é a ilustração dramática disso.

Não tem nenhum cabimento o argumento de que a greve da Polícia Militar é anticonstitucional e, portanto, ilegal por se tratar de uma corporação armada. São servidores públicos e como tal devem ser tratados. A esquerda sempre defendeu o direito de greve e de associação desses servidores e assim os tem considerado desde sempre. Outrossim, os partidos de esquerda, como também as centrais sindicais em que atuam, sempre defenderam melhorias salariais para as polícias militares e civis e demonstraram simpatia para com a PEC-300, que estabelece um piso nacional para essas categorias. Outra coisa – inaceitável – são greves e manifestações armadas, assim como atos de terror contra a população.

No governo, a esquerda distingue-se dos neoliberais e conservadores pela sua inclinação a encontrar soluções justas à problemática social e pelo método democrático de dialogar com manifestantes e grevistas. Os esforços nesse sentido devem ir até à exaustão.

Por outro lado, num quadro de plena vigência da democracia, é intolerável que um movimento reivindicativo seja transformado em motim armado e instrumentalizado por arrivistas e provocadores que semeiam o terror e atentam contra a segurança e a tranquilidade da população. A legitimidade intrínseca do movimento perde substância se, ao invés da força dos argumentos em apoio a uma justa reivindicação, se utilizam armas e se recorre à violência.

Também neste terreno a esquerda precisa tirar lições a partir dos fundamentos que sustentam sua trajetória. Na condução de lutas sindicais e políticas, os êxitos que alcançou sempre se deveram à condução correta, à unidade dos trabalhadores, ao equilíbrio na formulação de demandas, ao criterioso exame das correlações de força em cada situação concreta e na relação democrática e respeitosa com o poder político, independentemente de quem o exerça, mas, com ainda maior razão quando se trata de um governo democrático e comprometido com as causas populares. O “esquerdismo” como manifestação de senilidade política, ideológica e metodológica, é nocivo ao desenvolvimento do movimento sindical e popular.

As demandas salariais das corporações policiais se alastram em todo o Brasil. Recentemente, houve greves no Ceará, Piauí e Maranhão e uma revolta do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Há intensas movimentações em diversos estados. Os litigantes de ambos os lados devem fazer máximos esforços para, na mesa de negociação, encontrar a justa medida de satisfazer as demandas salariais.

Começam a se fazer ouvir as vozes dos reacionários em “defesa da ordem” e ataques ao direito de greve, o que é parte da plataforma da direita contra os direitos de quem trabalha. A esquerda consequente no exercício de governos e à frente dos movimentos sindicais deve chamar a si a responsabilidade de pôr a questão em conceitos e termos corretos.


José Reinaldo Carvalho é jornalista e editor do Portal Vermelho.

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