A CTB e o Fórum Internacional sobre Globalização e Sindicatos

Em primeiro lugar é necessário destacar a forma carinhosa e eficiente com que os companheiros chineses nos acolheram: “os sindicalistas do Brasil foram recebidos como chefes de estado na China!”, observou o companheiro Márcio, presidente do Sindicato dos Gráficos de São Paulo e dirigente da Força Sindical, que integrou a delegação do Brasil ao evento, ao meu lado e dos companheiros Jaci Afonso, da CUT, e Chiquinho, da UGT.

Além de Pequim, estivemos nos dias 14 e 15 em Xiamen, uma cidade costeira que se transformou em Zona Especial de Exportação, cidade que antes da reforma e abertura possuía uma população de cerca de 280 mil pessoas e hoje está entre as dez mais desenvolvidas da China, com cerca de 2,2 milhões de habitantes. Mantivemos contato com a direção da Federação dos Trabalhadores de Xiamen e conhecemos um pouco de suas experiências.

O Fórum:

O Fórum contou com a presença de 32 Centrais Sindicais dos cinco continentes do mundo, 47 participantes internacionais e 39 dirigentes sindicais chineses, sendo que todas as delegações internacionais fizeram uso da palavra.

A dinâmica transcorreu a partir das duas primeiras intervenções, proferidas pelo , Sr. Wang Zhaoguo, membro do politiburo do Comitê Central do Partido Comunista Chinês e vice presidente da Assembléia Popular Nacional da China e do vice presidente da ACFTU, Sr. Xu Zhen Huan, e uma saudação de George Mavrikos, secretário geral da Federação Sindical Mundial-FSM.

Mavrikos, secretário-geral da FSM, compôs a coordenação da mesa do  o evento ressaltou a importância da conferência convocada pela ACFTU, uma organização com dois milhões e duzentos mil filiados, a maior central em todo o mundo, num momento de ofensiva do capital diante da crise para reduzir os direitos trabalhistas, enfatizou o seu caráter mundial e conclamou a todos a reforçar o da 1º de abril, como o dia internacional de luta em defesa dos direitos dos trabalhadores e contra a exploração .

Os companheiros sindicalistas chineses expuseram algumas visões sobre como enfrentar o conjunto da crise financeira internacional, destacando que também para eles o fundo da crise ainda não está à vista. Xu Zhen Huan começou por apontar o que seriam suas diversas causas: inadequação das políticas macroeconômica; excessiva expansão das instituições financeiras multilaterais; a disparidade entre capacidade reguladora e inovações financeiras; a constante acumulação e expansão de riscos trazidos pelos derivativos financeiros, etc. Em suma, a atual crise seria o resultado de um lucro exagerado por parte de algumas instituições financeiras na ânsia de maximizar lucros, assim como da negligência por parte de algumas economias em regular o mercado.

Neste sentido, em minha intervenção, ressaltei que não podemos atribuir a crise apenas aos excessos de especulação e expansão do capital fictício, pois se trata de uma crise estrutural e sistêmica do capitalismo. Não vai ser com mais capitalismo que vamos encontrar saídas definitivas para a crise, que nos abre uma oportunidade histórica para a luta pelo socialismo.

Reconheceram que a presente crise tem também abalado a economia chinesa. Esta sofre dificuldades decorrentes da contração da demanda e do comércio exterior, ociosidade em alguns ramos industriais, como têxtil e metalúrgico, entre outros, aumento do número de desempregados urbanos e uma crescente pressão da desaceleração econômica. A crise tem afetado também os interesses e benefícios dos trabalhadores chineses. Algumas empresas chegam a reduzir o numero de empregados e os salários, outras adiam o pagamento de salários e segurança social. A China defronta-se com o desafio de gerar e fornecer postos de emprego a mais de 20 milhões trabalhadores camponeses migrantes. Perante tudo isso, os sindicatos estão enfrentando tarefas mais árduas e pesadas em defesa dos interesses legítimos dos trabalhadores.

O governo chinês concluiu que o aumento da demanda domestica ou do mercado interno, estimulando, sobretudo o consumo popular, é a base principal para estimular o crescimento econômico e contornar a crise. Neste contexto, tem aplicado medidas como: aumento considerável das despesas governamentais, redução estrutural dos impostos, redução em grande escala da taxa de juros e aumento de fluxo bancário, implementação massiva do programa de ajustamento e revitalização das indústrias, aplicação efetiva da renovação tecnológica e científica e melhoramento considerável do nível de segurança social.

Os chineses, conscientes do seu papel mundial, consideram que a manutenção de um desenvolvimento estável e relativamente rápido da economia chinesa é um grande contributo para salvaguardar a estabilidade financeira internacional e promover o crescimento econômico mundial

As lideranças ressaltaram que os sindicatos chineses colocam os trabalhadores em 1º lugar. Neste sentido, têm realizado estudos e apresentado medidas concretas para enfrentar a crise, incluindo as emergenciais como, por exemplo, pressionar as empresas estatais a não demitir. Apresentaram, de forma muito sintética, quatro propostas específicas:

1 – Assegurar o crescimento e promover o desenvolvimento como tarefa prioritária;

2 – Assegurar empregos e salários e defender efetivamente os direitos e interesses legítimos dos trabalhadores;

3 – Implementar programas de capacitação dos trabalhadores para melhorar a qualidade da força de trabalho;

4 – Ampliar a assistência aos trabalhadores carentes para que eles possam ter acesso aos frutos do desenvolvimento sócio econômico, focalizando principalmente os 20 milhões de camponeses migrantes.

E também quatro propostas mais gerais para enfrentar a crise em conjunto:

1 – Cada pais tem que, em primeiro lugar, cuidar bem dos seus próprios assuntos. Para responder efetivamente à crise, é necessário que todos os governos mostrem coragem para assumir as suas devidas responsabilidades. Os planos governamentais precisam considerar, acima de tudo, as necessidades das pessoas. Ao ajustar suas políticas macroeconômicas, os governos têm que aprofundar a cooperação comercial internacional, com o fortalecimento do Estado, tomar medidas mais ativas para estimular a economia, promover o desenvolvimento, empenhar-se em construir um sistema comercial multilateral justo e aberto, cooperar para fazer face à crise e lutar resolutamente contra o protecionismo em comércio e investimento sob qualquer forma.

2 – É necessário reformar efetivamente as instituições financeiras internacionais: estabelecer uma nova ordem financeira internacional;

3 – Os parceiros sociais de todos os países devem se unir contra as dificuldades: quanto mais difícil for a situação, maior será a necessidade de defender os direitos dos trabalhadores, assim como melhorar a cooperação entre os parceiros sociais. As organizações sindicais devem consolidar a confiança, renovar e reformar os modelos de trabalho, continuar a promover o diálogo social, ligando os seus próprios destinos aos dos empregadores.

4 – O movimento sindical internacional tem que buscar união e harmonia: a crise é uma oportunidade para reforçar a cooperação, apenas com união, democracia e harmonia é que o movimento sindicalista internacional pode concentrar forças, viabilizar cooperação, enfrentar em conjunto as dificuldades e superar a crise. Wang, presidente da ACFTU, propõe que os sindicalistas devem se esforçar por uma nova ordem do sindicalismo mundial.

Penso que é necessário fazer duas considerações acerca dessas ideias:

João Batista Lemos discursa durante Fórum Internacional sobre Globalização e Sindicatos A primeira, apesar de problemas comuns é preciso diferenciar a luta sindical em um país de economia de mercado de tipo socialista, conforme os chineses reivindicam, de construção de uma fase primária do socialismo, sob a direção do Partido Comunista, que atualmente se conta com cerca de 60 milhões de filiados. Os trabalhadores construíram uma central poderosa, a Federação Nacional de Sindicatos da China – ACFTU, com 240 milhões de filiados, atualmente já organizada nas 500 maiores empresas multinacionais do país, como informou Wang, que também é vice presidente da Assembléia Nacional da República Popular da China. É outra correlação de forças, são outras as condições de relação de poder e de direção estratégica do socialismo de acordo com suas particularidades.

Esta diferenciação se refletiu nas várias intervenções de dirigentes sindicais da Europa, América Latina, exceto Cuba, África e outros países da Ásia como a Índia. Neste sentido, convém destacar a esclarecedora intervenção de Graciete Cruz, dirigente da executiva nacional da CGTP-IN- Portugal. Nestes países, quando se tem desenvolvimento, as classes dominantes investem na especulação financeira, privatizam a riqueza, precarizam e desregulamentam o mercado de trabalho e, quando na crise, socializam o prejuízo, estimulam a xenofobia, buscam garantir os recursos públicos sem nenhuma contrapartida social, de forma que a base da parceria é: o capital entrar com a forca e a corda e os trabalhadores entrarem com o pescoço.

Os principais parceiros sociais são outros, os movimentos sociais, personalidades e partidos progressistas e são com estes que devemos compor o núcleo de uma grande frente para enfrentar a crise.

A parceria com os empresários não é um problema de princípios, é de abordagem política sob a ótica de classes. Em uma situação determinada favorável aos trabalhadores pode significar progresso em relação aos interesses nacionais e de toda sociedade ou, até mesmo um acordo pontual, como é o caso da luta pela redução dos juros, fortalecimento do setor produtivo e do mercado interno para o desenvolvimento do país, em que os trabalhadores vão lutar pela valorização do trabalho com a ampliação de seus direitos. Mas em uma situação adversa, de redução de direitos, pode significar traição ou capitulação de classe. Vale mais para os trabalhadores persistirem na luta de resistência.

A segunda consideração é sobre o tema da unidade em âmbito internacional. Foi importante a contribuição dos companheiros chineses neste aspecto, ao apontar a oportunidade que a crise pode possibilitar. Neste sentido, a CTB tem trabalhado sua estratégia com dois movimentos:

A avalanche que caiu sobre o movimento sindical e operário com a crise da perspectiva socialista, a globalização neoliberal, o fortalecimento das idéias liberais no seio do sindicalismo, a reestruturação produtiva, abriu caminho à intensificação da exploração do trabalho e provocou o enfraquecimento dos sindicatos. Esta situação realçou a necessidade de fortalecer o campo classista e resistir, na perspectiva de um sindicalismo de orientação anticapitalista e anti-imperialista, identificado historicamente com a Federação Sindical Mundial-FSM. Estamos empenhados em fortalecer o movimento renovador liderado por George Mavrikos, secretário-geral da FSM, e transformar a entidade num verdadeiro instrumento de unidade e defesa dos interesses imediatos e futuros da classe trabalhadora de todo o mundo.

O segundo é que reconhecemos que, por um motivo ou outro, várias organizações progressistas e até mesmo classistas participam na CSI, algumas ingressaram em uma situação muito desfavorável para o movimento sindical, outras por oportunismo ou porque se identificaram mesmo com a concepção conservadora desta organização.

Entretanto, os tempos hoje são outros, sobretudo na América Latina. A crise é do sistema capitalista e diante desta nova realidade é necessário e possível construir a mais ampla unidade de ação do movimento sindical em nossos países, nos continentes e no mundo, para fazer frente à crise. Neste sentido é imprescindível o fortalecimento do II Encontro Nossa América e também dar conseqüência, de forma ampla e combativa, à convocação da FSM para o 1º de abril, dia internacional de luta em defesa dos direitos trabalhistas e contra a exploração.

Concluo dizendo que diante da nova realidade de crise sistêmica do capitalismo e da complexidade do sindicalismo internacional faz sentido a reflexão proposta pelos chineses sobre a necessidade de um novo reordenamento do movimento sindical mundial, com o objetivo de concentrar forças no movimento dos trabalhadores, o que no momento passa pelo fortalecimento do campo classista, através da FSM, e requer a construção da mais ampla unidade de ação, independentemente das posições políticas e ideológicas, em torno de uma plataforma comum de valorização do trabalho e orientação anti-neoliberal.


João Batista Lemos é Secretário adjunto de Relações Internacionais da CTB.

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