Estatização da GM evidencia o fracasso do capitalismo americano

A General Motors, outrora o maior símbolo do poderio econômico dos EUA e agora à beira da concordata, será estatizada. Um “acordo extraoficial” com os credores e o governo Obama, informado pela direção da empresa nesta quinta-feira (28) à Securities and Exchange Commission (SEC, comissão reguladora da Bolsa de Valores dos EUA), prevê que o Estado assumirá 72,5% das ações da montadora, enquanto o sindicato dos metalúrgicos aceitou converter a dívida trabalhista em ações, ficará com 17,6%.

O governo esclareceu que se a montadora decidir buscar a proteção da lei de falências americana e receber a aprovação do tribunal de falências para a venda de praticamente todos seus ativos ao Tesouro americano, a nova empresa apoiada pelo Tesouro americano (New GM) aceitará adquirir tais ativos.

“Governo Motors”

A nova GM já está sendo apelidado pelo povo e também pela mídia de “Governo Motors”. O fato parece traduzir uma fina ironia da história. Quem diria que Tio Sam (logo ele), principal autor da ideologia neoliberal e de um consenso (de Washington) que demonizou a intervenção do Estado na economia e transformou o mercado capitalista num Deus pagão virtuoso e infalível, seria constrangido a negar as próprias crenças e recorrer aos poderes do leviatã para salvar aquela que já foi o símbolo de sua decadente indústria.

O governo promete injetar mais 50 bilhões de dólares para ressuscitar a GM e viabilizar sua sucessora. Abandonada às próprias leis do mercado, a montadora estaria condenada à morte. O colapso dos grandes bancos e principais conglomerados do outrora próspero e exuberante sistema financeiro americano tampouco seria evitado sem a intervenção da Casa Branca.

Registre-se que o socorro bilionário não se destina a defender os interesses dos operários e operários da empresa. O plano em curso objetiva uma redução substancial dos custos e preconiza o “enxugamento” do quadro de funcionários, o que significa demissões em massa e a intensificação do deslocamento da produção para o exterior (principalmente China e México), onde a taxa de exploração da força de trabalho (refletida nos baixos salários) é infinitamente maior.

Estado capitalista

Que ninguém se iluda. Os bilhões do Tesouro americano são destinados ao capital e ao capitalismo, não visam minorar o sofrimento das famílias operárias. É a mesma lógica que presidiu os pacotes de 1,45 trilhão de dólares baixados pelos governos Bush e Obama com o propósito de resgatar o sistema financeiro. Centenas de bilhões de dólares foram canalizados para os mesmos bancos que já desalojaram e condenaram ao olho da rua milhões de trabalhadores e trabalhadoras que perderam seus empregos com a crise, através das ociosas execuções hipotecárias.

Somente em abril deste ano, mais de 342 mil pessoas receberam notificação de despejo, um crescimento de 32% em relação ao mesmo mês do ano passado. Isto continua a ocorrer apesar das promessas de Obama e dos próprios bancos, que especularam com a miséria alheia por meio dos empréstimos denominados “subprime”, de que iriam interromper as execuções. A conduta do governo no socorro ao banco e às montadoras revela o caráter de classe do Estado no capitalismo moderno e prova a mais completa subordinação do poder público aos interesses dos grandes monopólios nos EUA. 

Decadência

A melancólica situação da GM, por seu turno, reflete com notável fidelidade o parasitismo e a decadência da economia norte-americana, que prossegue de mãos dadas com o crescimento desigual das nações e o progressivo deslocamento do eixo da dinâmica da produção industrial e do poder econômico do chamado Ocidente para o Oriente.

Já não restam muitas dúvidas de que o futuro da indústria, inclusive no ramo automobilístico, está sendo desenhado na Ásia, China, Índia e Coréia, principalmente, além (é claro) do Japão.

De todo modo, a sorte das montadoras nos EUA evidencia também os limites do modo capitalista de organizar a produção e assinala, em particular, o fracasso do capitalismo americano. A necessidade objetiva de que o Estado assuma as rédeas da economia é tão forte e candente que, mesmo a contragosto, nem os liberais mais renitentes e dogmáticos (estadunidenses e britânicos) podem hoje ignorar ou contornar. A estatização não significa necessariamente socialismo, mas é sintomática da falência do capitalismo.


Umberto Martins é jornalista e editor do Portal CTB

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.