É rombo ou roubo da Previdência?

Vivemos um tempo em que quem diz a verdade é punido, mas ao mentiroso vai a recompensa. Os ultraliberais (o neoliberalismo 2.0) tem financiado uma campanha midiática milionária, no Brasil, para liquidar os direitos sociais e trabalhistas do povo brasileiro. Tal campanha, que tem iludido amplas camadas da sociedade, está baseada em um suposto rombo na Previdência Social. No caso dos direitos trabalhistas, o mote é um suposto anacronismo na legislação trabalhista (que é protetiva contra a fúria patronal) que estaria a impedir a geração de empregos.

Fiquemos no debate sobre o “rombo” da Previdência Social. A Previdência Social é responsável por atender a mais de noventa milhões de pessoas. A Constituição Federal de 1988 (Art.194) assegura os direitos relativos à Saúde Pública, para todos, Assistência Social, para os que necessitam, e Previdência Social, para os trabalhadores que contribuírem ou para aqueles que adquirirem direitos especiais. As três rubricas compõem a Seguridade Social.

Já a arrecadação das receitas para custear o Sistema de Seguridade Social é encaminhada para uma conta única da Receita Federal, sendo que as fontes de financiamento são oriundas da folha de pagamento; das cotas previdenciárias do faturamento, do lucro e das importações das empresas (Cofins, CSLL, PIS e PASEB); dos concursos lotéricos, e da contribuição da União. Portanto, se o sistema é universalista na cobertura e no atendimento, é equinânime e diversificado na base do financiamento. Como afirmar que há déficit em uma das partes das partes do sistema, sem levar em consideração as outras duas partes do tripé?

Antes de descermos aos números, vejamos o que prevê a CF/88 (Art.201) para a cobertura previdenciária: (I) cobertura de eventos de doenças, invalidez, morte e idade avançada; (II) proteção à maternidade, especialmente à gestante; (III) proteção ao trabalhador em situação de desemprego; (IV) salário-família e auxílio-reclusão; e (V) pensão por morte do segurado ao cônjuge e dependentes. Sendo assim, a cobertura previdenciária é mais ampla que a simples aposentadoria por contribuição.

Precisamos, ainda, identificar aqueles que têm direito a aposentadoria: são os empregados com carteira assinada, inclusive o trabalho doméstico; o trabalhador avulso; o contribuinte individual; o micro empresário individual; o segurado especial (definido pela CF/88), e o produtor rural pessoa física. Também mais amplo que o assalariado.

Vejamos, agora, os números. Tomemos como análise os dados de 2014: receita bruta 687,8 bilhões (350,9 de contribuição previdenciária / 263,9 de contribuição das empresas / 4,8 das lotéricas / 21,2 de outras contribuições). Já a execução dos programas sociais tem um total de 632 bilhões (303,5 de previdência urbana / 88,7 de previdência rural / 2 bi de regime próprio / 39,4 de assistência a idoso e deficientes / para a saúde 94,2 / assistência social 7 bi / Bolsa Família 26,2 / outras ações 71,1). Os dados acima apresentam um superávit de 55,7 bilhões de reais. (ANFIP, 2016).

Poderíamos apresentar os dados de 2015, o que seria enfadonho. Destacarei apenas a receita previdenciária liquida que é de 352,6 bi contra o pagamento de benefícios previdenciários de 336,3 bi. Como resultado do ano de 2015 encontramos o superávit de 11,1 bilhões de reais. Só para recapitular os últimos anos temos: 2012, superávit de 82,8 bilhões; 2013, superávit de 76,4; e os superávits de 55,7 em 2015 e 11,1 bilhões em 2016. (ANFIP, 2016).

Pergunta-se: onde está o tal rombo da Previdência se há, reiteradamente, superávit? Ou seria melhor perguntar: como um sistema superavitário pode se transformar em deficitário? A resposta está no toque de mágica dos nossos Mandrakes televisivos, também conhecidos como ilusionistas – aqueles que sacodem um lenço vermelho, na mão esquerda, para desviar nossa atenção, enquanto puxam uma carta, escondida na manga, com a mão direita. A mágica está em omitir a informação que, do montante que vai compor as receitas da Seguridade Social, o governo abocanha 20% desta verba, as chamadas DRU, Desvinculação das Receitas da União. Em 2012 foi retirado do caixa geral 58,1 bilhões, de 2013 o montante foi de 63,4 bi, para 2014 foi retirado 63,2 bi, e em 2015, 63,8 bilhões. A PEC 31/2016 garante a retirada de verbas da Previdência até o ano de 2023, passando dos atuais 20% para 30% das contribuições sociais.

Acrescentemos a esta tunga nos cofres do Sistema de Seguridade Social os valores de renuncias previdenciários (Simples, MEI, Exportador rural, desoneração de folha, filantropia, olimpíadas), que nos anos 2014 e 2015 representaram, respectivamente, 65,5 e 69,7 bilhões.

Para concluir: a dívida ativa previdenciária – o valor que sonegadores devem à Previdência – é de 374,9 bilhões. Quando cobrados judicialmente, muitos desses sonegadores pagam a dívida com imóveis, aumentando o patrimônio imobiliário da P.S., que hoje está na ordem de 6 bilhões de reais, ou 5.685 imóveis dados em pagamento. Além do que, tal imobilização gera com manutenção e administração dos imóveis a despesas de 17 milhões ao ano.

Explicando melhor. O povo brasileiro tem direito à saúde pública, assistência social e previdência social. Trabalhadores, empresários e cidadãos contribuem para a seguridade social, através de um caixa único. Este caixa apresenta saldo positivo todos os anos. O governo federal – desde 1994 – retira 20% do total das contribuições sociais, tornando o caixa deficitário (passará em 2017 a 30%). Não satisfeito, ainda possibilitam que uma série de empresas não paguem suas cotas previdenciárias, através das renuncias previdenciárias. Para completar, a uma serie de empresários espertos sonegam a Previdência. Quando são condenados a pagar a dívida o fazem com imóveis, geralmente em desuso. E ai, vem aqueles comentaristas televisivos dizer que existe rombo na Previdência. Ora, o que existe é roubo do futuro do povo brasileiro.

Os trabalhadores e trabalhadoras, os sindicatos e as centrais sindicais devem exigir o fim da aplicação da DRU sobre o orçamento da Seguridade Social. Para esclarecer e recompor a verdade dos fatos devemos exigir auditoria pública das contas do Sistema de Seguridade Social.

Fontes:

ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, 2016.

CF/88 – Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

* Eduardo Navarro é vice-presidente da Federação dos Bancários da Bahia e Sergipe, diretor executivo da CTB e coordenador da CTB Bancários. 


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