Desempenho do PIB confirma recessão nos EUA

A taxa anualizada que mede a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos recuou 0,3% no terceiro semestre deste ano, segundo informações divulgadas nesta quinta-feira (30-10) pelo Departamento de Comércio norte-americano. É mais um sinal de que a maior economia capitalista do mundo já está em recessão, o que de resto confirma as expectativas de um grande número de economistas e observadores.

Desta vez, o declínio reflete o comportamento negativo dos gastos do consumidor, que registraram a maior redução em quase três décadas. Pela primeira vez em 17 anos, o consumo caiu 3,1%, ao passo que os investimentos encolheram 1%. Os gastos dos consumidores recuaram 0,3% também em setembro. Convém lembrar que há sete anos, em 2001, quando o país também experimentou uma recessão, o consumo continuou subindo, num contraste insólito com a queda da produção, explicado pelo crescente parasitismo do Tio Sam.

Parasitismo

A explicação para o crescimento do consumo durante a recessão do primeiro semestre de 2001 reside nos déficit comercial e em conta corrente. O consumismo parasitário (alavancado pelo crédito barato e abundante) foi alimentado por importações em excesso financiadas pelo endividamento externo. Com isto, o déficit nas transações correntes subiu ao ponto de corresponder a mais de 6% do PIB no ano passado.

Na definição de alguns economistas, o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos de um país equivale aproximadamente ao hiato entre a poupança interna e os investimentos, indicando que a taxa global de consumo produtivo (investimentos em meios de produção) e improdutivo (consumo final de mercadorias) é superior ao valor da produção e, por consequência, da renda interna disponível para consumo e investimentos.

Privilégio

A diferença (ou hiato) entre poupança interna e investimentos, refletido no déficit em conta corrente, é coberta pelo capital estrangeiro que ingressa nos EUA através das bolsas de valores, instalação e aquisição de empresas e títulos públicos emitidos pelo governo (treasure bond). Os Estados Unidos mantêm uma balança comercial deficitária desde 1971, a partir de 1982 passaram a registrar um rombo crônico nas transações correntes e perderam a posição de país credor para se transformar em devedor.

O acúmulo de déficits externos resultou no agigantamento do passivo e da dívida externa, desdobrando-se numa descomunal necessidade de financiamento do balanço de pagamentos, estimada em cerca de 3 bilhões de dólares por dia. O país precisa desesperadamente de capital estrangeiro, tem de captar em torno de 1 trilhão de dólares no exterior por ano para fechar suas contas. Nenhum outro país do mundo pode se dar ao luxo de viver por tanto tempo à custa alheia. É um “privilégio” decorrente da posição especial do dólar como moeda internacional.

Desequilíbrio

Ao contrário do que supõem alguns economistas, o “privilégio” tem um custo elevado, tanto para os EUA quanto para o resto do mundo. Em médio e longo prazo, o endividamento a que Tio Sam é forçado a recorrer para bancar o consumismo parasitário fragiliza o padrão dólar e compromete a competitividade da indústria e a liderança econômica do país. De outro lado, fortalece economias rivais, incentivando um desenvolvimento desigual que conduz inapelavelmente à decomposição de sua hegemonia.

Como já foi notado por muitos observadores, o déficit externo americano é, ainda hoje, a principal via de valorização do capital das empresas estrangeiras que exportam para os EUA. Foi o que, em passado recente, alimentou a recuperação e expansão imperialista do capitalismo japonês e alemão. Hoje, é uma fonte das reservas e do dinamismo industrial chinês. Seus impactos não ficam nisto. Os desequilíbrios comercial, monetário e financeiro da potência capitalista hegemônica estão na origem das turbulências que têm abalado o mundo ao longo das últimas décadas pelo menos desde os anos 1970.

Crises

Lembremos a famosa crise da dívida externa, que nos custou mais de duas décadas perdidas e foi detonada pela extraordinária elevação dos juros básicos dos EUA em 1979 ou a crise cambial mexicana de 1995, que também veio na carona do aumento dos juros na terra do Tio Sam. Um dos principais canais de transmissão da atual crise é a dívida externa dos EUA, cujo valor é estimado em 10 trilhões de dólares e deve subir bastante com o pacote de resgate do sistema financeiro, de 850 bilhões de dólares. Dada a carência de poupança interna, este dinheiro terá de ser obtido no exterior, com novos acréscimos ao endividamento externo.

A disponibilidade de capitais para investimentos externos no mundo não é ilimitada e a necessidade de financiamento externo da economia norte-americana é um fator de perturbação dos fluxos de investimentos, que em momentos de crise castiga fortemente a chamada periferia do sistema imperialista. Por aqui, estamos sentindo nesses dias o efeito amargo da reversão do fluxo de capitais (dizem que em direção à “segurança”) nas oscilações da bolsa de valores e do câmbio.

Reprodução do capitalismo

A atual crise evidencia a enfermidade da economia ianque. O parasitismo de Tio Sam tem um papel determinante na reprodução do capital e do capitalismo internacional, mas é simplesmente insustentável em longo prazo. A necessidade de um ajuste interno nos Estados Unidos, de forma a compatibilizar a renda com o consumo e a poupança com o investimento, é objetiva e tende a se impor independentemente da vontade e das iniciativas dos governantes.

A queda no consumo, a primeira em 17 anos e a maior em 28 anos, pode significar um passo nesta direção, muito embora o socorro multibilionário do governo Bush aos bancos aponte um caminho contrário, pois tende a aprofundar em vez de corrigir os desequilíbrios. Na medida em que afetar de forma mais expressiva as importações, a queda do consumo terá impactos mais sérios na economia internacional. O encolhimento do mercado estadunidense, ainda o maior do mundo, criará embaraços à realização do capital e expansão das empresas em muitos países, acentuando os problemas de excesso de produção e capacidade industrial. A China, por exemplo, já está às voltas com problemas localizados de superprodução relativa e terá que estimular o mercado interno e valorizar o trabalho para contornar a crise, que está bem longe do fim. A fase mais turbulenta dos mercados de capitais pode até está chegando ao fim, como apostam os mais otimistas. Todavia, a crise avança agora para o setor produtivo, onde seus impactos são bem mais dramáticos para a sociedade. O pior está a caminho.    

Por Umberto Martins, editor do Portal CTB    

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