Considerações sobre a crise

Basta abrir um jornal, ligar qualquer rádio ou TV e lá está ela: A crise. No início, falava-se em crise no setor imobiliário nos Estados Unidos, algo como se já não houvesse mais compradores para tantas casas construídas, nem pagadores para as já compradas, ou seja, estaria havendo alta inadimplência no setor da construção civil. A seguir, os bancos que financiaram estas casas, e não estavam recebendo as prestações, começaram a quebrar. Após, quebradeira dos acionistas dos bancos, das empresas, e das bolsas de valores. A partir daí, com a redução de circulação de dinheiro, reduz-se também o consumo, aumentando o desemprego, a recessão, e desta forma cria-se um ciclo que se auto-alimenta, diminuindo o consumo e conseqüentemente a produção.

Com a economia globalizada, a crise não se restringiu ao país gerador. Como as transações comerciais são feitas em dólar, qualquer oscilação da moeda é sentida em todos os cantos do mundo, gerando a chamada crise sistêmica. Os reflexos do estrago estadunidense, denominado epicentro da crise puderam ser sentidos na Europa, no Japão, no mundo todo. Quanto mais “desenvolvida” a economia, mais forte o impacto. Deveria ser assim, mas pode não ser, uma vez que os ditos países de primeiro mundo atrelaram suas economias à dos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. É praxe do capitalismo fazer recair os prejuízos econômicos e sociais naqueles que vivem do trabalho e da produção.Fomos nós, do dito terceiro mundo, quem sempre sustentou o sonho americano, o consumo exacerbado do primeiro

Por isto, a crise se abate de forma diferente sobre trabalhadores e patrões, assim como sobre países pobres e ricos. Aos trabalhadores, a crise apresenta-se como perspectiva de desemprego, redução de direitos e conquistas, aumento da precarização e da repressão aos movimentos sociais. Desta mesma forma, a crise gerada pelo neoliberalismo se expande para as economias do dito G-20 (países como Brasil, Índia, China), com a diminuição do crédito, aumento da taxa de juros, ou seja, política recessiva, para impedir o avanço da inflação, ao mesmo tempo em que os governos emprestam dinheiro a baixos juros a empresas e bancos, de forma protecionista, tentando evitar uma quebradeira ainda maior .Ao mesmo tempo, vive-se também a ameaça da deflação, já que como não há dinheiro circulando, os produtos se acumulam e baixam de preço. Recessão, desemprego, desaquecimento da economia, mais desemprego, mais recessão, mais desaquecimento…Contraditório? Não, capitalista.

Os mesmos economistas que antes defendiam autonomia total do mercado, agora defendem total apoio dos governos às empresas. Tem como entender? Tem sim. Na verdade, estamos falando da talvez maior crise do capitalismo, este sistema que defende a produção de todo tipo de bugigangas e todo o tipo de consumo. Em síntese, o capitalismo é isto: Precisa gerar o desejo de consumir o que não se precisa, produzir cada vez mais, pagar salários cada vez menores, vender cada vez mais para se ter cada vez menos. Cada vez mais mercado, cada vez mais compradores, mesmo que eles se endividem e nem precisem do que compram. Como os americanos que fabricaram casas a mais do que precisavam, para vender para quem não precisava, gerando uma crise que agora não conseguem resolver.

Cabe a nós, trabalhadores, a proposição de um novo modelo de sociedade, capaz de substituir o desenvolvimentismo irracional imposto pelo capitalismo, a lógica perversa do mercado, a perversidade da concentração absurda de renda para alguns poucos em detrimento da miséria absoluta de milhões de seres humanos. Mas talvez a ferida mais profunda desta crise seja expor ao mundo a irrefreada necessidade de consumo do primeiro mundo, que utiliza cerca de quatro quintos de tudo o que é produzido, de alimentos a energia, passando por papel, vestuário e bens de consumo, e desperdiça cerca de um terço de tudo isto.

Afinal, já dizia o profeta, socialismo ou barbárie. Pois que venha o socialismo, eis que a barbárie, já estamos vivendo.


Regina Abrahão – Diretora SEMAPI RS e da CTB RS

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