As regras que mudam no meio do jogo

Antigamente, bem antigamente mesmo, as pessoas acreditavam que não se mudam regras no meio do jogo: quando começava a trabalhar, filiando-se a um dos IAP ou mesmo ao INPS, o jogo se iniciava e as normas valeriam até o fim, até a hora de aposentar; da mesma forma, entendia-se o ingresso no serviço público como o apito inicial.

O tempo passou e o mundo mudou. A Constituição Cidadã de 1988 recuperou a credibilidade de nossa Previdência Social, e assim as novas normas eram mais favoráveis, tornando desnecessária qualquer discussão sobre perdas de direito. A partir da Emenda Constitucional 20, em 1998, com a redução nos direitos sociais, é que surgiu o grande debate sobre direito adquirido, direito em formação e expectativa de direito.

Atualmente, tendo como base a data da promulgação da alteração constitucional, o direito adquirido ficou restrito àqueles que completaram as exigências do benefício; os que ingressam no sistema já com as novas normas, a elas obedecerão; e aquele grupo enorme que já estava vinculado, seja ao Regime Geral (INSS) seja no serviço público, teria a tal “expectativa de direito”, podendo utilizar regras de transição um pouco menos piores do que a nova legislação vigente.

Mudar as regras no meio do jogo, estabelecendo mais exigências e adiando pretensões como aposentadorias, já é grave, mas a alteração da norma de transição, criada no momento em que o segurado já saía perdendo, é desrespeito ao Estado de Direito. A EC 20/98 impôs regras de transição, exigindo, para os servidores públicos, além do denominado “pedágio” (20% do tempo que faltava para a aposentadoria integral, 35 anos para homem e 30 para a mulher), a idade mínima de 53 e 48 anos, enquanto pela regra nova seria 60 e 55.

Assim, o servidor público, em 15/12/1998, reprogramou – na marra! – a sua aposentadoria, com o cumprimento de idade mínima e “pedágio”, mas ainda tendo como base seu último salário e com paridade de reajustes. Conforme dissemos em artigos anteriores, a EC 41/2003 arrematou o serviço, equiparando o cálculo da aposentadoria do servidor público à que é paga pelo INSS, com base na média dos maiores salários que representem 80% de todos desde julho de 1994, com o mesmo limite e o mesmo reajuste. Manteve o direito do servidor se aposentar cumprindo a idade e o “pedágio” criado em 1998, mas seria com base na média e com a subtração de 5% para cada ano faltante para o limite disposto na regra nova. Traduzindo, se o sujeito, aos 53 anos de idade, completasse 35 anos de trabalho acrescidos do “pedágio” de 20%, teria direito a se aposentar com 65% da sua média de contribuições ao invés de 100% do seu último salário.

Era para o Mundo do Direito ficar estarrecido; mantinha-se o direito, mas com resultado bem diferente. Com muita gritaria, uma nova regra foi incluída na EC 41/2003 e mais uma através da EC 47/2005. Manteve-se a aposentadoria com base no último salário e paridade no reajuste para os que, por ocasião da concessão do benefício: a) houvessem completado 20 anos de serviço público, sendo dez na carreira, além do tempo de contribuição e idade, de 35 e 60 para os homens e 30 e 55 para as mulheres; b) com 25 anos de serviço público e 15 na carreira, reduzindo na idade cada ano que tiver a mais na contribuição, a chamada somatória 95/85.

Evidente que ainda resta um bom número de servidores públicos caminhando para suas aposentadorias pelas regras de transição. Pois a PEC 287/16 revoga as normas atualmente vigentes e impõe transição despótica, válida somente para homens e mulheres que tenham completado 50 e 45 anos de idade, e exigindo um “pedágio” de 50% sobre o tempo que estivesse faltando para a aposentadoria.

Sergio “Pardal” Freudenthal, advogado especialista em direito previdenciário

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