As duas Chinas tecnológicas

Há uma ideia recorrente de que os produtos chineses são de má qualidade. Não é verdade. Não foi isso que presenciei ao visitar vários setores produtivos do gigante asiático.

Mas essa ideia foi amplamente disseminada a partir de uma sistemática campanha da mídia, na qual apenas um tipo de produto era apresentado como se fora sinônimo de produto chinês. Os demais produtos e serviços, de alta tecnologia, igualmente produzidos na China, nunca foram apresentados aos consumidores brasileiros.

Na China há claramente dois tipos de produtos, aqueles destinados ao consumo popular e acessível a preços módicos. E há outros produtos, às vezes da mesma marca, com um preço bastante superior aos de consumo popular. O cliente escolhe.

Pude observar esse tipo de prática em indumentárias, bolsas, tecidos de seda – uma de suas marcas registradas – e também em automóveis, caminhões, tratores agrícolas e máquinas pesadas, dentre outros produtos.

Esse tipo de prática se estende para a construção civil. Simultaneamente se erguem prédios luxuosos e apartamentos populares do tipo “Cingapura” ou “Prosamim” construídos em São Paulo e Manaus, respectivamente, para atender populações em habitação de risco.

E nem mesmo a produção agrícola foge a essa regra. Ao lado de agroindústrias artesanais, destinadas a beneficiamento do excedente da produção campesina, se encontram as gigantes estatais ou mistas, que esmagam 8 mil toneladas de soja por dia, soja aliás geralmente brasileira.

Mas há outros exemplos bem mais simples e que revelam como os chineses trabalham: vivem o presente, mas sempre estão focando o futuro. Visitei uma casa de vegetação de alta tecnologia, cujo custo operacional tornaria economicamente impraticável aquele empreendimento. Sim, se estivermos trabalhando em condições normais. Mas os chineses trabalham também com a perspectiva de eventuais fenômenos adversos, de qualquer natureza. Em seguida pude visitar outra casa de vegetação, com a mesma finalidade: produzir hortaliças. O imenso aparato tecnológico sumiu. Deu lugar a uma construção rústica, escavada no solo, onde os barrancos servem de parede e cuja cobertura, igualmente rústica, é feita com madeira tosca, plástico e palha. Com esse tipo de casa de vegetação eles conseguem produzir hortaliças mesmo com temperatura negativa.

Esses exemplos demonstram a versatilidade do sistema produtivo chinês e explica uma certa dualidade que eles mantém nos seus produtos.


Eron Bezerra é secretário de Produção Rural do estado do Amazonas.

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