A Matrix é aqui: não é o que vocês estão vendo!

Não é golpe. Não há arbitrariedade na ação da PM de Alckmin. Não tem clubismo na seleção. Esta combinação de palavras nas pequenas frases diluídas no dia-a-dia, me obrigam a propor o seguinte exercício de cinismo: Me expliquem, como se eu tivesse, sei lá, uns 4 anos de idade, onde não é golpe, onde não houve arbitrariedade e onde não tem clubismo na seleção.

Não sei vocês, mas se tem algo que mexe com meu brio, é subestimar minha inteligência, e isso foi determinante para que eu pedisse meu desligamento do Grupo de Trabalho de Futebol Feminino do Comitê de Reformas da CBF, onde estive de modo voluntário por alguns meses.

É preciso explicar como as coisas caminham com a seleção feminina. Em razão das poucas equipes competindo em alto rendimento, é natural que o técnico da vez busque atletas nessas equipes. Entretanto, de uns anos para cá, há, pelo menos, meia dúzia de equipes com atletas em condições de jogar sob as exigências atuais.

Com Kleiton Lima, a seleção era recheada de atletas do Santos. Kleiton caiu após resultados insatisfatórios e muita falação. Assumiu na sequência, Jorge Barcellos, cuja campanha nos Jogos de Londres foi sofrível, apesar de ser medalha de prata em Pequim, 2008. Veio Márcio Oliveira, técnico do São José, que assumiu concomitantemente a seleção. Resultado previsto: muitas atletas do São José convocadas e a comunidade do futebol feminino cornetando alto. Márcio saiu, entra Vadão com uma comissão coordenada por Fabrício Maia, que saiu da Ferroviária de Araraquara, indicado politicamente para o cargo na CBF.

Em tempos em que a PM paulista diz que não houve nada de errado em sua postura ante a manifestação pacífica do dia 4 de setembro, em que o eterno golpista decorativo afirma que os insurgentes não passam de um grupo de 40 pessoas, em que os editoriais das mídias comprometidas apenas com seus interesses mais escusos legitimam a barbárie, não aceito o argumento de que a seleção feminina tem como único responsável pelo fracasso nas Olimpíadas, Vadão.

Eu vi, ninguém me contou. Aliás, também me reportaram a mesma situação e eu pude conferir: Vadão não dá treino. Quem treina a seleção, é Fabrício Maia. Não bastasse isso, ainda chega a informação de que acontece o mesmo nas seleções femininas de base. O coordenador coloca o técnico para jogar entre as atletas e dá o treino.

Preservando minha fonte, compartilho o significado de coordenador técnico, função a que Fabrício Maia deveria se restringir: “O coordenador técnico é uma função fundamental para alinhar os raciocínios, criar um padrão, mas ao mesmo tempo, dar autonomia aos treinadores. E como monitoramento, é claro, para ter certeza de que a metodologia “discutida” esteja sendo aplicada. A partir do momento em que ele não coordena, mas atua, ele assume o papel do treinador, porém, nas sombras”.

Por não comungar e refutar veementemente o que vem acontecendo com as mulheres das seleções, me desliguei do grupo, sobretudo porque minhas indagações e meu posicionamento não condizem com a aceitação de uma situação em que a maioria das pessoas credita ao Vadão, o fracasso da campanha nos Jogos Olímpicos. Se o povo não tem conhecimento dos bastidores em sua totalidade, é preciso expor a real.

Este foi o cerne do meu afastamento alinhado com o fato de que o grupo, formado para pensar soluções para o desenvolvimento da modalidade muito em razão de exigências da Fifa para liberações do dinheiro do legado da Copa, não tem caráter decisório, apenas opinativo, ou seja, pode ser que todas as sugestões formuladas, cuidadosamente pensadas e articuladas entre os membros do grupo, transformem-se apenas em figuração. Aquela espécie de ação pra passar pano. E meus caros, não nasci pra passar pano para ninguém. Definitivamente!

Além disso, observar a reprodução de um sistema que de alguma forma prioriza atletas de um clube em específico e ouvir da coordenação que isso não existe, denota exatamente o que vivemos hoje: você não está vendo o que está vendo.

Tomei a pílula vermelha há algum tempo e vejo algumas coisas como elas são, exatamente. É golpe. Há arbitrariedade. Há uma série de ações equivocadas na CBF quando o assunto é futebol feminino e não sairá da minha boca ou das minhas letras, qualquer coisa que vise legitimar toda essa enganação.

Adeus, Matrix!

Lu Castro é jornalista, autora do blog Futebol para Meninas e colaboradora do Museu do Futebol para assuntos de futebol feminino.

Os artigos publicados na seção “Opinião Classista” não refletem necessariamente a opinião da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e são de responsabilidade de cada autor

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.