A farsa da Folha de S. Paulo sobre o balanço das greves do Dieese

O jornal Folha de S. Paulo, em sua edição do dia 2 de julho, publicou um editorial intitulado “Estatização da greve” que é mais um destes manifestos que vire e mexe aparecem na mídia como libelo conservador. O texto seria histriônico como ficção, mas é pateticamente real. A farsa aparece já no início do texto. “O Dieese, reputada instituição de estudos e estatísticas sindicais, fez um balanço das greves de 2007 que muito contribui para evidenciar as distorções desse recurso extremo na era Lula. Das 316 paralisações registradas, 161 (51%) ocorreram no setor público”, afirmam as duas primeiras frases.

O “Balanço das Greves em 2007”, recentemente publicado pelo Dieese, na verdade mostra que em 2007 a média do número de trabalhadores parados por greve na esfera privada foi de 6.418 e superou a do funcionalismo público — média de 5.757.  Os dados do Diesse indicam que essa foi a primeira vez, desde 2004 — ano em que foi feito o primeiro balanço de greves pela entidade —, que ocorreu a preponderância da média de trabalhadores privados parados por greve.

Para chegar aos 51% das paralisações, a Folha usa um ardil — inclui na conta os trabalhadores que fizeram greve em estatais e que têm as relações de trabalho regidas pela CLT. No ano, o número absoluto de trabalhadores do setor privado que fizeram greve foi de 641.766, frente a 546.955 do funcionalismo público — número que sobe para 713.259 se forem considerados os trabalhadores que fizeram greve em estatais como “setor público”.

Gancho para atacar o movimento sindical

A Folha também omite a repressão às paralisações. Segundo o Dieese, que obteve informações a respeito do assunto em apenas 35 greves com base em levantamento da grande mídia e da imprensa sindical — nas demais, não foi possível elaborar análise —, o procedimento mais usual foi o recurso à força policial, observado em 16 paralisações. O desconto dos dias parados foi registrado em 14 casos e a ameaça de demissão, em nove. Punições e demissões foram utilizadas durante a realização de seis paralisações.

A falsificação da realidade no início do texto tem o objetivo de fazer um gancho para o jornal delinear como alvo o movimento sindical — que seria sustentado pelos trabalhadores ligados ao Estado. “Já é bem conhecido e comentado o fenômeno da mudança de composição da base das centrais sindicais”, afirma o jornal. Em seguida, o editorial faz outro exercício de contorcionismo para prosseguir com os ataques aos trabalhadores. Segundo o jornal, “aumenta a participação das categorias de servidores e perdem importância os trabalhadores do setor industrial e de serviços que estiveram na sua origem e na do PT ”.

Melhorias dos serviços públicos

A Folha falsifica descaradamente a história para justificar a palavra “estatização” do título. É uma prática recorrente. Na ânsia de criar notícia, no afã de ter nas mãos um fato que possa servir de combustível para atacar as forças políticas que não rezam pela cartilha dos conservadores, muitas vezes os melhores dados do país passam por estranhos processos de alquimia pelos quais sempre se transformam, de situação positiva, em algo a ser criticado.

Para sofrer essa metamorfose, as informações são manipuladas e, com generalizações apressadas ou informações equivocadas, a mídia tenta jogar a opinião pública contra as organizações populares. O procedimento: toma-se uma informação positiva e, usando-se de contorcionismo jornalístico, ela se transforma num fato negativo. É o caso do tema deste editorial da Folha — as lutas dos trabalhadores ligados ao Estado invariavelmente incluem itens relacionados à melhoria dos serviços, uma demonstração evidente de compromisso público destes trabalhadores.

Lutas vistas como “prejuízo social”

Dois fatores explicam esta atitude dos trabalhadores ligados ao Estado. O primeiro está relacionado à satisfação de prestar um bom serviço à população e se deve a uma relativa liberdade de expressão existente nas relações de trabalho — apesar dos interesses privados entranhados no Estado. Muitas ações democráticas nesta relação trabalhista seriam impossíveis onde imperam só os interesses dos grupos privados. É esta liberdade relativa que permite aos trabalhadores questionar métodos e concepções que atentam contra os interesses do povo.

A Folha vê a questão de outra forma. “Uma administração federal aparelhada por sindicalistas, assim como a presença do PT e outros partidos nominalmente trabalhistas em governos municipais e estaduais, só tende a realimentar a proliferação descontrolada de greves no setor público”, vocifera o editorial, para classificar as lutas destes trabalhadores como “prejuízo social”. “Servidores públicos, pouco tendo a perder, manejam de modo mais irresponsável aquele que deveria ser um último recurso de pressão”, afirma o texto.

Bases para taxar os trabalhadores

O segundo fator, também omitido pela Folha, é o longo período sem reajuste salarial imposto aos trabalhadores do setor público pela “era neoliberal”. Quem tem dificuldade de conviver com a democracia acha que os trabalhadores e o movimento sindical não têm o direito de lutar por seus interesses. Se prevalecesse o conceito defendido pelo jornal ao longo da história, as conquistas trabalhistas não existiriam. A diferença, registrada pelo editorial da Folha, é que estas lutas não são vistas no governo Lula como “baderna” que merecem como única resposta a repressão.  

É vidente a intenção da Folha de atacar as mais recentes greves em curso no país — a dos professores paulistas e a dos trabalhadores do Correio. E faz isso porque a marca da mídia à brasileira é exatamente a ojeriza ao pensamento progressista. Qualquer que seja o problema, por mais complexo e multiforme, não lhe falta engenho e arte para transformá-lo em números falsificados a fim de dar sustentação às suas idéias. É assim que este pensamento conservador encontra bases para taxar os trabalhadores de radicais, atrasados, baderneiros e de outros nomes da pululante adjetivação do dicionário dessa mídia.

*Secretário-geral adjunto da CTB e direitor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

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