A crise vista por nós

A liberalização financeira teve efeitos para muito além da economia. Há muito que se compreendeu que era uma arma poderosa contra a democracia. O movimento livre dos capitais cria o que alguns chamaram um “parlamento virtual” de investidores e credores que controlam de perto os programas governamentais e “votam” contra eles, se os consideram “irracionais”, quer dizer, se são em benefício do povo e não do poder privado concentrado  ( NOAM CHOMSKY).

Durante anos, nos acostumamos a ouvir dos analistas econômicos neoliberais que os governos deviam manter-se afastados de ingerências na economia, deixando ao deus mercado a responsabilidade de regular e controlar a situação. Diziam-nos que a livre concorrência e a “mão invisível do mercado” bastaria para garantir o equilíbrio e a felicidade do mundo.

Curiosamente, o  que mais se fala neste momento de crise, é do esforço que deve ser feito pelos governos para salvar as economias em risco. De quanto precisam as montadoras, do montante já liberado pelos bancos, dos impérios que foram à falência. Sobre demissões, fala-se como justificativa para liberação de recursos para “salvar” as empresas. Como se os postos de trabalho fossem reféns dos empregadores.

Fala-se mais: em como incentivar o consumo, em como a imprudência dos clientes sub-prime (aqueles clientes que adquiriram os imóveis sem garantias concretas de honrar as prestações) impulsionou a catástrofe imobiliária, em como as transações financeiras consideradas sólidas pelos mais respeitados analistas ruíram como castelos de cartas enquanto as bolsas de valores desandavam e fortunas construídas na especulação desandavam do dia para a noite. Outro fator somava-se ao caos: a desconfiança se instalava entre banqueiros, magnatas e financistas, e cada qual escondia mais do outro a sua real condição.

Obviamente, recebemos informações sobre a crise ditadas por quem sustenta a mídia oficial, ou seja, o mesmo sistema que gerou a crise. E terminamos, todos nós, discutindo a crise, pautados pelo capitalismo. Na verdade, deveríamos estar discutindo agora não sobre a bolha imobiliária, ou sobre as perdas de dinheiro virtual a partir da queda das bolsas, mas sim do que nos levou a aceitar e viver em uma sociedade que nos faz dependentes de todo o tipo de cacarecos como elementos indispensáveis à felicidade.

Nossa sociedade está programada e nos programa para gastos cada vez maiores.  Somos induzidos a comprar constantemente bens de consumo, mesmo que não precisemos deles. Nossas roupas hoje são feitas em duas coleções por estação, a indústria farmacêutica prescreve remédios que não nos curam, mas que são de uso contínuo, ou seja, dependemos deles para continuar vivos. Chegamos ao requinte de usar papel higiênico clorado e decorado. Sem nenhuma possibilidade de reciclagem, óbvio. Apenas para exibirmos em nossos banheiros produtos top de linha. E segundo a mídia, são estas as condições necessárias à felicidade: o ter, o ter o novo, o possuir o que os outros ainda não possuem.

Mas esta possibilidade de posse passa muito longe da imensa maioria de miseráveis de habitantes do mundo, da África Subsaariana, dos moradores das favelas brasileiras, dos guetos estadunidenses, dos miseráveis “libertados” do socialismo da Europa Oriental. A eles, o consumo é um sonho distante, a que são incitados todos os dias pela mídia, gerando então todo o tipo de angústia, de violência, de dor. Como quem não tem, não é, rouba-se, mata-se para ser. Esta é a essência da violência capitalista, e suas chagas expostas pela crise, que a grande mídia teima em esconder.

Mas e de onde vem o dinheiro que está sendo e será “doado” aos magnatas falidos? Se os governos do mundo antes já não possuíam estes valores, agora em época de profunda crise econômica, de pouca liquidez, como “criar” moeda com lastro? Simples: Do corte de programas sociais! Eis a fórmula mágica dos neoliberais!

Por isto a importância do momento para os movimentos sociais, para as centrais sindicais, para sindicatos, para os cidadãos engajados na luta. É momento não só de reflexão, mas de proposição. Auxílio às montadoras? Desde que com compromisso de não demissões! Baixa de Juros, nada de redução de direitos. Há quem se arrepie ao ouvir falar em Estado de bem estar social. Certo, na verdade, devemos falar é na transformação desta sociedade em outro modelo, onde a angústia do não ter seja infinitamente menor do que a angústia pela desigualdade e a opressão do homem pelo homem e pelo poder do capital.

Regina Abrahão – Diretora SEMAPI RS e Dirigente CTB RS

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