Vitória das forças democráticas no Chile fortalece luta contra Bolsonaro no Brasil

Direita é derrotada nas eleições do Chile. Independentes e esquerda avançam

As eleições realizadas neste fim de semana no Chile resultaram numa clara derrota da direita e estão inseridas num contexto mais geral de avanço das forças democráticas e populares na América Latina e desmoralização do neoliberalismo. A comunista Iraci Hassler foi eleita prefeita de Santiago, capital do país, a direita não alcançou sequer um terço dos votos para a Constituinte, que inaugura uma inédita paridade de gênero e representação dos povos originários.

Segundo relato de Rafael Calcines Armas, da Prensa Latina, as urnas deram vitória no Chile às forças da mudança lideradas pela esquerda e pelos independentes, enquanto a coalizão de direita e os partidos de oposição de tendência social-democrata foram derrotados.

A Frente Ampla, independentes de esquerda e o Partido Comunista elegeram mais da metade dos governadores, prefeitos e vereadores.

Por volta das 23 horas deste domingo (16), hora local, ainda sem conhecer os resultados finais, o presidente Sebastián Piñera expressou em discurso do palácio de La Moneda que “não estamos em sintonia com o público e estamos sendo questionados”.

O presidente admitiu assim a derrota do partido no poder e dos partidos tradicionais na eleição de constituintes, governadores, prefeitos e vereadores.

Para Piñera, “os cidadãos nos enviaram uma mensagem clara e forte ao Governo e também a todas as forças políticas tradicionais”, optando por novas lideranças, e expressou que “é nosso dever escutar com humildade e atenção a mensagem do povo”.

Na importante eleição dos Constituintes, a direita, que se apresentava com uma lista única, ficou muito aquém de obter um terço das 155 cadeiras da Convenção Constitucional indicadas pelas pesquisas.

Esse resultado abre possibilidades para a nova Constituição traduzir as mudanças exigidas por milhões de chilenos nas ruas.

Mas também outros resultados aos quais os analistas estiveram atentos marcam transformações substanciais no panorama político do país.

Assim, a região de Valparaíso, a segunda mais importante do país, torna-se um baluarte da esquerda, quando Rodrigo Mundaca, destacado líder social, foi eleito governador por ampla margem.

Nessa região, ademais, Jorge Charp foi reeleito prefeito de Valparaíso, enquanto em Viña del Mar, tradicional domínio da direita, Makarena Rivamonti obteve a prefeitura, ambos pela Frente Ampla.

Nesta capital, como era de se esperar, o comunista Daniel Jadue foi reeleito para a prefeitura da Recoleta com mais de 64 por cento dos votos, o que na opinião dos analistas constitui um sólido endosso como candidato à presidência do Partido Comunista.

Da mesma forma, na Região Metropolitana o governo será discutido no segundo turno por Claudio Orrego, da Democracia Cristã, e Karina Oliva, apoiada pelos comunistas e pela Frente Ampla, deslocando a direita.

Além disso, os grandes vencedores em muitos cargos foram os candidatos independentes, aos quais os analistas políticos deram muito poucas chances e, em vez disso, receberam forte apoio da população.

Reflexo no Brasil

A reconquista de posições pela esquerda e centro esquerda na América Latina ganhou impulso com as vitórias de presidentes progressistas
nas eleições do México, Argentina e Bolívia, bem como em pleitos recentes na Venezuela e em Montevidéu.

O resultado das eleições no Chile fortalece a tendência de desmoralização do neoliberalismo e recuperação de espaço político pelas forças democráticas e populares e certamente vai contribuir para a luta contra Bolsonaro e o bolsonarismo no Brasil.

Leia o comentário que a professora da UFRJ Talita Tanscheit publicou no twitter sobre as eleições no Chile

Um balanço rápido só para a eleição de Constituinte no Chile: o resultado é bom. Havia um grande medo que a direita, organizada no Chile Vamos (ex-Alianza + PRO/direita radical), tivessem poder de veto na Constituinte, quer dizer 52 cadeiras (33%). Não tiveram.

Isto é o que há de mais relevante pois haverá mais espaço para o experimentalismo e a inovação no processo constituinte chileno. O desmantelamento do paradigma neoliberal me parece eminente. Ao mesmo tempo, a ex-Concertación (principalmente socialistas e democrata-cristãos) tampouco foi bem, o que também não acho ruim. Vários deles, inclusive socialistas, nem o golpe à Dilma reconheciam, e muitos diziam admirar FHC e não Lula!!! Além de serem partidos completamente desconectados de suas bases. Então não é de todo ruim.

Quem foi bem dos organizados? A nova esquerda (Frente Ampla), que é fruto dos novos movimentos sociais que estão em crescente desde 2011. E os comunistas, que nunca deixaram de fincar os pés nos territórios, e que estão indo muito bem, com chances inclusive de ganhar a prefeitura de Santiago (o que acabou ocorrendo, com a eleição de Iraci Hassier), o que é um feito impressionante.

Os independentes são a grande surpresa, e neste caso ESPECÍFICO do Chile não acho ruim eles serem uma grande bancada na Constituinte. A maioria é de esquerda/centro-esquerda. Lembrando, claro, que estamos falando do Chile, em que a esquerda radical deles seria uma moderada daqui, rs.

No mais, é a primeira constituição paritária do mundo, e as mulheres foram MUITO bem votadas. Em alguns distritos terá que ocorrer correção de gênero ao revés para alcançar a paridade entre homens e mulheres de tão bem que as mulheres foram.

E mais: com 17 representantes de povos originários. Enfim, o processo de hoje indica um baita avanço e uma baita conexão com o estallido social de Outubro de 2019. Será um processo aberto de fato às demandas sociais tão urgentes. Essa é minha análise quente se quiserem passar adiante.

Ah, e o pré-candidato presidencial dos comunistas (Daniel Jadue) foi reeleito prefeito com folga na comuna de Recoleta. Chega competitivo pras primárias.

Abaixo, a análise de Joana Salém:

Os resultados eleitorais do Chile para Convenção Constituinte não se parecem com nada que eu já vi na vida.

Os deputados independentes eleitos são 32% dos 155 membros da Convenção. Os deputados indígenas são 11%. Os três grandes blocos partidários somam 57%. Os independentes tiveram orçamentos pequenos e quase nenhum tempo de TV, mas obtiveram um terço dos votos, mostrando a corrosão do sistema partidário convencional. Entre os candidatos indígenas, os direitistas foram derrotados e os indígenas à esquerda venceram.

Até semana passada, muitos amigos me disseram que a pulverização das candidaturas poderia corroer a força eleitoral da esquerda. Era um reflexo da descentralização da revolta de 2019, um elemento positivo que poderia, na matemática eleitoral, se tornar negativo. Mas ocorreu o oposto: a força dos independentes desequilibrou o resultado em favor da esquerda.

Entre os blocos partidários, a direita teve 24% (Vamos por Chile – RN/UDI); o centro ficou com 16% (Lista de Apruebo – ex Concertación); e as esquerdas com 18% dos deputados (Apruebo Dignidad – PC/FA).

Entre os independentes, a Lista del Pueblo, de esquerda, teve 15%. A Lista Nueva Constitución, de centro-esquerda, teve 7%. Ainda há 8% dos independentes eleitos sem lista, com candidaturas de perfil local cuja posição ideológica ainda precisa ser mapeada.

Em resumo, temos:
Direita (Vamos por Chile): 24%
Centro-Esquerda (Apruebo + Nueva Constitución-ind): 23%
Esquerda (Apruebo Dignidad + Lista del Pueblo-ind): 34%
Indígenas (nenhum da direita): 11%
Independentes sem lista: 8%

A direita foi posta no canto do ringue. A arquitetura constitucional de Jaime Guzmán, com seu “pinochetismo sem Pinochet”, está prestes a ser desarmada.

Com informações do 247

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