“Ser sindicalista é muito perigoso na Colômbia.
Os ventos da mudança parecem soprar com força na América Latina, abalando os alicerces da ordem imperialista hegemonizada pelos Estados Unidos, mas por enquanto ainda não alcançaram a Colômbia, governada por um testa de ferro de Washington. Em entrevista concedida em Quito ao jornalista e assessor da CTB Umberto Martins, o sindicalista Alfonso Velasque, integrante do Comitê Executivo Nacional da CUT-Colômbia, fala sobre a difícil situação do movimento sindical naquele país. Leia abaixo:

Publicado 21/05/2008
P- Como você avalia o sindicalismo colombiano hoje?
R- As políticas neoliberais debilitaram o movimento sindical colombiano. Ser sindicalista na Colômbia é muito perigoso. Hoje, os sindicatos contam apenas com 4,6% de associados dentro de população economicamente ativa. Além disto, o sistema de contratação é hoje predominantemente flexível, com menos de um ano de duração ou mesmo por horas, com a atuação de intermediários no aluguel de mão-de-obra e de cooperativas de trabalho. Não há salários, mas participação.
Há uma estigmatização muito negativa do sindicalismo por parte do governo, por isto somos tão frágeis. Todavia, temos revelado capacidade de convocação e mobilização, por exemplo contra o Tratado de Livre Comércio proposto pelos EUA e a União Européia, que na realidade não são de livre comércio. Temos mobilizado por paz com justiça social e por uma saída negociada para os conflitos armados e acordos humanitários entre a insurgência e o governo, com troca de prisioneiros.
P- Qual a relação dos movimentos sociais com o governo Uribe?
R- As relações não são nada boas. O governo nos trata à base da repressão, não tem diálogo. Temos hoje na Colômbia 2700 presos políticos, inclusive sindicalistas. Cerca de 2900 sindicalistas foram assassinados nos últimos 20 anos, computamos 1700 exilados, 150 desaparecidos e só neste ano foram assassinados (até o início de maio) 24 sindicalistas e somamos mais um desaparecido. Há pouco mais de duas semanas o presidente da União Sindical Obreira (dos petroleiros), Jorge Gamboa, sofreu um atentado.
Os presidentes das centrais sindicais não são de esquerda e tem uma relação de maior diálogo com o governo. Porém, o governo não cumpre acordo. Com a esquerda não há diálogo. Temos um governo mafioso.
P- As pesquisas indicam, porém, que Uribe goza de muita popularidade. Como se explica isto?
R- As pesquisas são realizadas por institutos associados aos grandes meios de comunicação, controlados pela oligarquia. Não são confiáveis. No Congresso, que goza apenas de 27% de popularidade, temos 65 parlamentares envolvidos com o crime organizado, 31 foram presos. São os mesmos que elegeram Uribe.
Temos motivos para desconfiar que as pesquisas são manipuladas para favorecer a imagem de Uribe, que conta com total respaldo do governo Bush e do imperialismo. Uribe transformou a Colômbia em cabeça de praia para a política de guerra do governo estadunidense. É um cachorro do império.
P- Qual o julgamento que você faz das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARCs?
R- Os imperialistas qualificam de terroristas não só as FARCs como todo e qualquer movimento que se oponha aos seus interesses, ao seu modelo intervencionista. Porém, na realidade, o governo Bush é o maior terrorista do mundo. Consideramos as FARCs como um grupo guerrilheiro, insurgente, que colocou uma agenda de 12 pontos para o diálogo de Cancun, que infelizmente nunca foi efetivado. Os pontos em questão têm de ser objeto de discussão em uma Constituinte, preferencialmente. A insurgência tem de fazer parte do diálogo constitucional, é este o caminho para a paz, a justiça social, o desenvolvimento.
Creio que o pólo democrático alternativo, que agrega diferentes organizações de esquerda, é uma força eleitoral crescente, como o PT no Brasil e o PDN no México. Aspiramos ser governo em 2010 ou no mais tardar em 2014.
P- E as centrais sindicais?
R- Temos três centrais sindicais na Colômbia, com participação de correntes liberais, sociais democratas e comunistas. A CUT é a mais forte.
P- Fale sobre o Encontro Sindical Nossa América
R- Desde setembro do ano passado, quando demos os primeiros passos para a realização deste encontro, temos consciência da importância desta reunião, que tem caráter inclusivo, apelando a todas as forças e organizações democráticas para a unidade em defesa das mudanças em curso na América Latina, contra o imperialismo e a possibilidade de retrocesso neoliberal. Reunimos aqui em Quito representantes de 20 países para defender a revolução cubana, a revolução bolivariana, a integração solidária dos povos, os processos alternativos ao neoliberalismo, rechaçando as injustiças, a fome e a miséria. Pleiteamos a soberania alimentar e a defesa do meio ambiente.
Elaboramos uma Carta de Quito que reflete o pensamento coletivo unitário e aponta para um plano mínimo de ação. Não tenho dúvidas que foi um encontro exitoso. O próximo será realizado no Brasil. Manifestamos nosso firme apoio aos governos progressistas, como o de Chávez na Venezuela, Correa no Equador, Morales na Bolívia, entre outros. Identificamos nosso grande desafio, que é o de trabalhar no sentido de unir a classe trabalhadora e elevar o seu protagonismo nas lutas políticas que sacodem a América Latina. Vemos, por exemplo, que líderes como Chávez e Correa procuram se apoiar mais nas Forças Armadas que nos movimentos sociais, enquanto Morales mobiliza os indígenas. Isto que reflete nossas debilidades. O apoio dos militares é importante, porém é fundamental a participação mais ativa e decisiva da classe trabalhadora neste processo. Se a classe operária não assumir a vanguarda da luta política pela transformação social, as oligarquias, que continuam fortes, seguirão dominando e não conseguiremos abrir caminho a mudanças mais profundas.