Pascoal: TLCs ameaçam soberania latino-americana

Portal da CTB: Pascoal, o que é mesmo este evento?

Pascoal: Ele ocorre todo ano em Cuba e serve para unificar as posições progressistas na América Latina basicamente no que diz respeito aos Tratados de Livre Comércio (TLCs) que os Estados Unidos tentam impor como alternativa ao fracasso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), depois da firme resistência que este projeto imperialista enfrentou em nossa região. O encontro também debateu o problema das bases militares norte-americanas e outras medidas que a potência do norte vem adotando, como o “Plano Colômbia”, para impor seus interesses econômicos e militares aos povos latino-americanos.

Portal da CTB: Qual o diagnóstico feito sobre o atual estágio dos TLCs?

Pascoal: A resistência é muito forte porque estes tratados se contrapõem à Comunidade Sul-Americana de Nações, unindo o Mercosul com a Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Há uma guerra psicológica em curso na América do Sul. No Brasil, por exemplo, a campanha contra o governo Lula é contra a política externa, não contra a política econômica interna. O que mais desafia os interesses econômicos dos monopólios internacionais é a integração Sul-Sul, da qual o governo brasileiro é o grande fiador.

Os TLCs reproduzem aquela famosa norma do Nafta, o tratado de livre comércio entre Estados Unidos e México, pela qual as corporações podem acionar os governos para a remoção de padrões ou leis destinadas a proteger, por exemplo, o meio ambiente, a saúde pública e a segurança. A definição de indenizações por “lucros cessantes” significa, ainda, que as corporações privadas podem desafiar leis ou regulamentos proclamados democraticamente e aprovados segundo os interesses públicos.

Portal da CTB: E sobre a questão militar?

Pascoal: O encontrou debateu muito o problema das bases militares norte-americanas na América Latina. Para se ter uma idéia do perigo que elas representam, foi informado no evento que os Estados Unidos estão mudando a forma dessas bases, que agora são menores e têm a implantação articulada com interesses muito localizados. Eles estão usando, por exemplo, a construção de escolas para, simultaneamente, construir gigantescas estruturas subterrâneas. Chegou-se a dizer que por trás de tudo está a preparação de uma futura guerra pela água — já que nossa região tem este insumo em abundância.

Portal da CTB: E o “Plano Colômbia”, não está inserido nesta lógica?

Pascoal: Certamente que sim. O governo norte-americano está tentando criar uma base militar na América do Sul por meio da Colômbia. Mas enfrenta a resistência da Venezuela. Vimos este cenário recentemente com o episódio da chacina promovida pelo governo do presidente Álvaro Uribe no Equador. Além disso, o imperialismo vem perdendo sistematicamente espaço na região, com a eleição de governos progressistas em diversos países.

E tem um detalhe importante nisso tudo: figuras como Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia tem muito a ver com o fato de o Brasil ser governado por Luiz Inácio Lula da Silva. A conseqüência é que o projeto norte-americano de criar a Alca entrou em colapso. Mas é preciso ficar atento porque a situação econômica e financeira dos Estados Unidos é muito difícil — um quadro que pode atiçar os instintos bélicos daquele país.

Portal da CTB: E como você viu a situação de Cuba, de maneira geral?

Pascoal: O encontro decidiu que os movimentos sociais da América Latina devem pautar a discussão destes temas. E intensificar a mobilização, denunciando, por exemplo, o caso dos cinco presos políticos cubanos nos Estados Unidos — conhecidos como os “Cinco Heróis” —, que representa com nitidez a forma como o imperialismo trata a resistência latino-americana. Os presos políticos são vítimas de total ilegalidade, mesmo quando se fala da legislação norte-americana, e estão sendo usados com exemplo de como os que lutam pela independência da região são tratados.

Outra questão que chama a atenção é a tão falada “mudança” que estaria ocorrendo em Cuba com a decisão do comandante Fidel Castro de não se candidatar à reeleição à Presidência da República. Na verdade, são mudanças programadas há muito tempo, resultado da arrancada da economia depois do “período especial”. O país vem crescendo a uma média próxima de 10% ao ano e isso causa mudanças naturais na vida do povo. É uma nova realidade. Tanto que o parlamento nacional, que reunia-se uma vez por ano, agora está reunindo mensalmente para dar conta desta nova realidade.     

Portal da CTB: Por que este encontro é sempre realizado em Cuba?

Pascoal: Por causa da história cubana. O que é a história de Cuba senão a história da América Latina? Para que brotasse em Cuba a raiz da total independência da América Latina, foi preciso a semente plantada Simon Bolívar, José Martí, San Martin e outras figuras imortais para o continente. Regada por personalidades inesquecíveis como Fidel Castro, Che Guevara, Hugo Chávez, dentre outros, essa raiz tende a se transformar numa árvore frondosa, com ramificações em todo o continente. Por isso, a experiência cubana dói de maneira especial no coração do imperialismo e é o símbolo da resistência latino-americana.

Lembremos que a Alca, agora traduzida em TLCs, representava uma intervenção norte-americana em todas as economias e Estados da região — exceto Cuba. É o que já foi chamado de a "a lei do funil": todas as vantagens para os Estados Unidos. A América Latina possui mais da metade dos recursos naturais do planeta. De cada cinco árvores que existem na terra, duas crescem na região. A região possui o rio mais caudaloso, duas das maiores cidades do mundo e uma riqueza fabulosa de terras férteis.

O imperialismo está intensificando a política que tudo transforma, deforma, canaliza para suas versões, para seu proveito, para a multiplicação do seu dólar — comprando palavras ou silêncio e tentando calar os progressistas que lutam com os povos. Enfrentar esse quadro implica, evidentemente, em se contrapor à lógica dos TLCs, que coloca em confronto direto as megaempresas multinacionais e os interesses dos povos. É isso, no fundo, que está em jogo hoje em nossa região.

 

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