FSM realiza visita à Central Operária Boliviana (COB)

O vice-presidente da Federação Sindical Mundial (FSM) e secretário adjunto de Relações Internacionais da CTB, João Batista Lemos, esteve na Bolívia na semana passada, em visita à Central Operária Boliviana (COB). Confira abaixo seu relato sobre sua passagem pelo país andino:

A nossa visita foi diante de uma conjuntura política que pontificava três acontecimentos políticos:

1. Dia histórico – Coincidiu com o aniversário dos 186 anos de proclamação da independência da República da Bolívia, o dia 6 de agosto de 1825.

Era o dia em que se celebrava o primeiro aniversário da Batalha do Junin, quando os delegados das províncias alto peruanas se reuniram para proclamar o nascimento da Nova República. Alguns dos decretos desta assembleia foram:

– A nova republica adotaria o nome Bolívia, em homenagem aos libertados Simon Bolívar;

– Determinou-se que a Capital fosse à cidade da Chuquisaca e levaria o nome de “Sucre” em homengaem ao Mariscal de Ayacucho, Antonio José Sucre.

Nessa assembleia foram oferecidas duas belas medalhas de ouro com incrustações de pedras preciosas: uma pedra para o libertador Simon Bolívar, que a devolveu ao Congresso Nacional, para que sirva de insígnia de mando aos presidentes da Bolívia; a outra foi entregue ao grande Mariscal de Ayacho, Antonio José de Sucre, que a enviou para Cumaná, sua cidade natal.

Este acontecimento foi precedido de rebeliões indígenas e levantamentos em Sucre e La Paz e movimentos guerrilheiros. As guerrilhas de Ayopaya e de Laguna alcançavam um nível bastante avançado e inclusive poderia considerar-se um germe de um Estudo Regional. Segundo o historiador Charles Arnade, em 1815 já havia a clara intenção de manter a independência do Alto Peru ante a ingerência estrangeira; aí se destacaram vários heróis, entre eles uma heroína: Juana Azundy de Padilla, que no governo de Evo Morales recebeu da Assembleia Legislativa da Bolívia, de forma póstuma, o grau de Mariscal do Estado Plurinacional, heroína da independência deste país e do norte argentino.

2. Processo de eleição judicialista – A Bolívia estava e está em plena campanha pelas eleições para o órgão judicial que vai realizar-se em 16 de outubro, sem dúvida uma experiência inédita para a democratização do judiciário no país, iniciativa do governo de Evo Morales. Embora já existam muitas contradições advindas de vícios do Tribunal Superior Eleitoral, é do próprio Judiciário a escolha das candidaturas. A coordenadora das mulheres já denunciava discriminação de gêneros no processo eleitoral.

O Movimento Ao Socialismo – “MAS” considera que o processo eleitoral de 16 de outubro poderá aperfeiçoar a aceitação da população a este inédito ato eleitoral. Pois se constatava que o povo estava pouco informado sobre este pleito.

A oposição, apesar de disputar a maioria dos candidatos, faz campanha pelo voto nulo. Somente por este fato, demonstra que apesar das contradições deste pleito, em sua essência está a luta pela democratização do Estado.

3. Crise Externa – Diante da crise econômica e sistêmica do capitalismo, que atinge os EUA e Europa, o governo de Evo Morales toma quatro medidas:

A) Cambio produtivo – salto da industrialização para reduzir a dependência do crescimento da economia boliviana da exportação de matérias-primas;
B) Mercado interno (alimentos e manufaturados) – apoio na produção manufatureira e alimentícia, principalmente a pequenos empreendimentos que sejam dirigidos a exportações;
C) Gastos Públicos – incentiva demanda interna, não se reduzirá a gasto público e se continuará com políticas salariais e a concessão de subvenções à população para incentivar o crescimento da demanda interna;
D) Política monetária – administração do câmbio – A política de apreciação do bolivariano estará mais ligada à evolução do câmbio em países da região; buscar-se-á trocar uma parte das reservas em dólares a ouro.

A visita à COB

A Central Obreira Bolivariana foi criada em 1952 e se confunde nestes 57 anos com a própria historia da Bolívia – historia com erros e acertos, mas não se compreenderá o que ocorreu neste país sem ação da COB e sem a ação dos trabalhadores organizados que deram a vida nos momentos mais importantes deste tempo.

Em conversação com quatro dirigentes do Comitê Executivo, me chamou a atenção uma lista com algumas questões importantes para nossa reflexão sobre o movimento operário sindical.

1– Não só apoiaram, mas são parte do processo vitorioso do presidente Evo Morales, que foi resultado de uma luta histórica do povo boliviano. E fizeram questão de reafirmar sua autonomia e independência de classe diante do seu governo.

Apóiam as medidas populares de Evo, mas são radicais na crítica às medidas que consideram antipopulares. Ao mesmo tempo, reafirmam que não vão permitir retrocessos e serão implacáveis no combate à direita. Sindicalismo próprio e não copiado de ninguém, mesmo o presidente Evo apelando pela importância da revolução no sindicalismo da Venezuela, dizem “estamos construindo nossa própria experiência de organização sindical” orgulhando-se pelo fato de manter-se historicamente como única central, a COB. Trabalham e lutam com protagonismo junto ao governo por sua proposta de uma Nova Lei Geral de Trabalho.

2– Reafirmaram seu compromisso com a FSM – Federação Sindical Mundial, apesar de não possuírem nenhum vinculo orgânico. Historicamente estão alinhados com o sindicalismo anticapitalista e antiimperialista, representado por esta organização internacional. Disseram que isso se reforça ainda mais com esta crise mundial, “pois cresce a necessidade de um sindicalismo mundial classista”.

Ao mesmo tempo, expuseram que diante da complexidade do sindicalismo mundial, se relacionam com todas as organizações sindicais independentemente de suas concepções políticas e ideológicas no sentido de construir a unidade de ação com todas as centrais amigas. Por isto apóiam a iniciativa do ESNA – Encontro Sindical Nossa América.

3 – Sobre a relação de poder na COB e sua composição social, definem:

a) Proletariado: estão os mineiros e industrialistas (operários).
b) “Classe média”: profissionais – professores, advogados, engenheiros etc..
c) Trabalhadores autônomos, campesinos entre outros

Parece-me que tratam de forma muito rígida estes conceitos, a ponto de criar as contradições no seio do povo. Dizem que ”Evo representa mais os interesses dos indígenas, porque veio daí, fala-se mais em movimento social e se secundariza o movimento obreiro”. Eles mesmos dizem que há muitos cocaleiros que se tornaram mineiros – e vice-versa – e que estes são os novos atores sociais no ponto de vista de classe, e não aqueles que vivem de seu trabalho ou da venda de sua força de trabalho, os cocaleiros. Os pequenos campesinos, os mineiros, setores de “classe média”, por acaso não compõem esta nova classe trabalhadora (proletariado), por isto estão juntos no processo de mudanças na Bolívia? Sem negar com isto a centralidade do proletariado fabril e mineira, como também as particularidades sociais e culturais da Bolívia e suas complexidades…

Com erros e acertos, como eles mesmos reconhecem autocriticamente, a COB procura honrar sua bandeira histórica: “A emancipação dos trabalhadores será obra deles mesmos”.

Visita à CTEUB

Confederação de Trabalhadores de Educação Urbana de Bolívia, filiada à COB. Em conversação com dirigentes desta organização, que reivindicam do campo da FSM, ficou evidente para mim a importância das organizações dos trabalhadores (as) no processo de mudança política e social com Evo Morales à frente. Divulgaram um documento, fruto de três anos de trabalho dos professores urbanos de todo o país – parte de inumeráveis atividades educativas expressadas em seminários, oficinas e fóruns, conferências especializadas e Congressos Educativos, dos quais emergiu a proposição da “Escola Para Resgatar a Pátria”.

Pleiteiam uma educação emancipadora para os setores marginalizados e explorados, na perspectiva de quem são o elo deste processo de revolução econômica e social.

Visita à CSUTCB

Confederação Sindical Única de Trabalhadores Campesinos da Bolívia (CSUTCB), fundada no dia 26 de junho de 1979 em La Paz. A entidade se apresentava como o “resultado das permanentes frustrações e consequência da condução corrupta do movimento nacionalista revolucionário (MNR) e do pacto militar campesino, que até então se intentou permanentemente a utilização do campesinato a serviço dos governos de turno tutelados pelo imperialismo”. Com a CSTCB nasceu “uma nova alternativa e um instrumento de luta para as reivindicações sócias econômicas, culturais e políticas, recolhidas de experiência histórica do movimento popular e classista”.

Seu secretario executivo Roberto Coraite Cruz, um valoroso chicheno potosino em pleno processo de mudança do Estado Plurinacional. Firme em seu compromisso de luta pela emancipação de sua classe – como é apresentado em documento sobre a história da CSUTCB, onde também reivindicam como a maior organização campesina da Bolívia.

Em uma breve conversa que tivemos em sua sede, ele aproveitou para anunciar sobre o debate que estão realizando com o governo sobre a necessidade de viragem estrutural da institucionalidade para colocar-la a serviço de todos os bolivianos, e com particular ênfase na atenção à produção e à alimentação. Além disso, defendem através de um Pacto de Unidade, dos profissionais e assembleístas comprometidos, avançar até uma Revolução Produtiva Comunitária Agropecuária. Para isso, apresentaram à Assembléia Legislativa Plurinacional a proposta da lei da revolução produtiva comunitária agropecuária.
As organizações sociais que compõem o Pacto Unidade são: CSUTCB, Confederação Nacional de Mulheres Campesinas Indígenas Originarias da Bolívia “Bertolina Sisa” (CNMCIOB “BS”), Confederação Sindical de Comunidades Interculturais de Bolívia (CSCIB), Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia e o Conselho Nacional de Ayllus e Markas do Quilassuyu.

Assim finalizam sua apresentação do documento – “Para homens revolucionários é melhor morrer lutando, em vez de viver fugindo”.

“São os próprios camponeses que criam sua organização matriz”.

“A unidade é a única fortaleza invencível das organizações sociais, unidos venceremos divididos não”.

Por aqui notamos a riqueza e as particularidades do povo e do processo de mudanças da Bolívia.

João Batista Lemos – Portal CTB

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