Cresce assustadoramente a desigualdade social durante a pandemia

Por Marcos Aurélio Ruy. Foto Aditya Aji/AFP

Alguns chegaram a dizer que o coronavírus é democrático por não escolher as suas vítimas. Essa tese cai por terra quando se analisa dados de importantes pesquisas. A ONG Oxfam mostra que no Brasil, os negros têm 40% mais de chance de contrair o vírus e nos Estados Unidos a maioria dos doentes e dos óbitos é de negros e latinos. Ou seja, “os mais pobres adoecem e morrem mais que os mais ricos. Isso porque a maioria dos governantes preferiram socorrer banqueiros e grandes empresários, como fez Jair Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes”, alerta Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

O governo brasileiro, inclusive, cortou no auxílio emergencial de R$ 600, depois cortou para R$ 300 e a partir deste mês está em zero. Mesmo sabendo que esse auxílio movimentou a economia e manteve fora da pobreza absoluta milhões de famílias.

A Oxfam mostra que os muito ricos levaram apenas nove meses para recuperar a sua riqueza de antes da pandemia, enquanto os mais pobres devem levar 14 anos para ter o mesmo poder aquisitivo de março de 2020.

Levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que 114 milhões de pessoas perderam o emprego no ano de 2020. E pior ainda, 81 milhões dessas trabalhadoras e trabalhadores deixaram o mercado de trabalho por não conseguirem trabalhar devido ao isolamento social causado pela pandemia ou porque desistiram de procurar trabalho por falta de perspectivas. Isso significa que US$ 3,7 trilhões, 4,4 % do Produto Interno Bruto mundial, viraram fumaça.

“A pandemia escancarou de modo claro a necessidade de mudança nas políticas adotadas pela maioria dos governos”, afirma Vânia. “As prioridades estão invertidas na maioria dos países”.

No caso brasileiro, diz a sindicalista, “o desgoverno atual beneficia os muito ricos, os banqueiros, os latifundiários e corta investimentos na agricultura familiar, não cria políticas em favor dos pequenos e médios empresários e retira direitos da classe trabalhadora e com desemprego crescente. As pessoas estão ficando desesperadas”.

Assista vídeo O Vírus da Desigualdade, da Oxfam

Informações da Associação Brasileira do Trabalho Temporário, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, mais de 2 milhões das contratações de 2020 foram contratos temporários, quase 35% a mais do que em 2019 e sem nenhum direito trabalhista. “Consequência da reforma trabalhista e do alto índice de desemprego que está em quase 15% da população economicamente ativa”, destaca Vânia.

De acordo com a OIT, as mulheres e a juventude são os mais atingidos pelo desemprego. Com 5% das mulheres ficando sem trabalho, índice superior aos 3,9% dos homens. Já 8,7% dos jovens de 15 a 24 anos perderam o emprego na pandemia. Mais que o dobro da população adulta, que ficou em 3,7%. Isso fez “aumentar avassaladoramente o número de informais no mercado de trabalho, principalmente o de entregadores de aplicativos”, destaca.

Com o Dia Internacional da Mulher – 8 de março – se aproximando, as mulheres continuam a pagar o pato das crises. “Em todas as crises, as mulheres são as primeiras a perder o emprego e as últimas a se realocarem no mercado de trabalho”, argumenta Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da CTB.

Além de “sermos demitidas antes que os homens e conseguirmos voltar depois, ganhamos menos e temos menos possibilidade de ascender na carreira, mesmo com mais estudo”, reforça. Já a secretária da Juventude Trabalhadora da CTB, Luiza Bezerra ressalta a necessidade de criação de “políticas favoráveis ao emprego da juventude, que anda sem perspectivas com a falta programas que favoreçam o trabalho e a educação”.

Segundo a Oxfam, os dez homens mais ricos do mundo acumularam US$ 540 bilhões durante a pandemia. O levantamento da ONG mostra ainda que a riqueza dos bilionários aumentou US$ 3,9 trilhões, no mundo, de 18 de março a 31 de dezembro de 2020. Enquanto, “milhões de pessoas ficaram sem ter onde morar por não ter dinheiro para pagar o aluguel e mais ainda sem ter o que comer”, assinala Vânia.

Estudo do Banco Mundial aponta para um acréscimo de 501 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 5,50 por dia em 2030, se não houver mudança nos rumos da política econômica. Por isso, para Vânia, no Brasil, “o auxílio emergencial é fundamental para manter as pessoas em condições de não morrer de fome e correrem mais riscos de contaminação pelo coronavírus por necessitarem sair em busca de dinheiro de qualquer maneira para manter a família”.

Luiza e Celina concordam com a necessidade de projetos para recuperar a economia com valorização do trabalho com uma renda que possa propiciar vida digna a todas as pessoas. Como diz Guy Rider, diretor-geral da OIT, “se queremos uma recuperação duradoura, sustentável e inclusiva, esse é o caminho com o qual os decisores políticos se devem comprometer”. O Brasil com Bolsonaro na Presidência está há anos luz de pensar em uma recuperação nesses moldes.

Para a recuperação dar vida digna às pessoas a OIT indica:

• Manutenção de políticas macroeconômicas flexíveis em 2021 e em anos subsequentes, na medida do possível, por meio de incentivos fiscais e da adoção de medidas que estimulem a renda e o investimento

• Formulação de medidas específicas voltadas para mulheres, jovens, trabalhadores com pouca qualificação e baixa remuneração, e outros grupos duramente atingidos.

• Prestação de assistência internacional a países de baixa e média rendas, que dispõem de menos recursos financeiros para realizar o processo de vacinação e promover a recuperação econômica e do emprego;

• Adoção de medidas específicas de apoio dirigidas aos setores mais duramente afetados e promoção do emprego nos setores em que os avanços são mais rápidos;

• Promoção do diálogo social para implementar as estratégias de recuperação necessárias à criação de economias mais inclusivas, justas e sustentáveis.