Para o secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru, Gerônimo López Sevillano, “a hora é de avançar contra o retrocesso herdado do fujimorismo”
Por Leonardo Wexell Severo
“A direita fascista, que aqui é representada pelo fujimorismo, combate o presidente Pedro Castillo porque quer o país submisso, como ao longo de décadas. É contra o aumento do salário mínimo, do direito à negociação coletiva, de greve e de formar Sindicatos. Não aceita impor limites à terceirização, quer o Peru tomado por empresas privatizadas, em que impere o poder das transnacionais e dos bancos, completamente dependente do estrangeiro”, diz Gerônimo Lopez Sevillano, secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), a principal organização sindical do país.
Na opinião do dirigente sindical peruano, este é o rancor que embala a campanha contra o governo, que por sua vez também peca “ao não agir de forma mais ágil e eficaz no enfrentamento aos problemas e dar segmento a uma agenda desenvolvimentista”.
“Como alertamos, o problema dos fascistas é que eles não aceitam terem perdido o governo. A direita tem o poder político, o poder da República, e seus aliados são os grandes oligopólios. Então se posiciona em bloco. Sem ser governo, quer seguir fazendo o mesmo de antes. Castillo é governo, mas não tem o poder político. O seu poder é a mobilização social do povo, dos trabalhadores e, por isso, deve fortalecer suas bases de sustentação e aprofundar as mudanças pelas quais os peruanos foram às ruas”, acrescentou o histórico dirigente da construção civil.
Nova Constituição
Uma das principais bandeiras que o presidente levantou ao longo da campanha, recordou Sevillano, “é a nova Constituição, um novo contrato social”. Sendo assim, “o povo peruano exige uma Carta Magna discutida desde baixo, como acertamos com os comitês constituintes, organizados. Do outro lado, temos os interesses deste Congresso retrógrado, que arquivou o Projeto de Lei (PL) apresentado pelo governo, porque não aceita qualquer tipo de mudança. Frente a isso o que o governo diz? Eu já apresentei o PL e agora a bola está nas ruas, para ser jogada pelo povo. É a população quem tem de exigir que se convoque a Constituição”.
Enquanto ocorre esta queda de braço e o governo vacila em aprofundar mudanças, apontou Sevillano, “o Congresso, que é o nosso inimigo, está sabotando o desenvolvimento e modificando 54 artigos da Carta Magna conforme os interesses do grande capital, tornando irrecuperáveis patrimônios públicos que foram privatizados e desnacionalizados, a fim de que não possam ser recuperados”.
“Como te disse, o fujimorismo privatizou mais de 233 empresas estatais: as de mineração, nas quais está o nosso ouro, prata e cobre; a Petroperu, com o petróleo e o gás; as elétricas; vendidas a preço de banana e onde desapareceram US$ 100 bilhões, em valores da época. Foi este o montante roubado pelo fujimorismo e seu bando. O que nos restou foi a educação e a saúde, que também vêm nos privatizando aos poucos, porque avançaram com os centros de saúde privada e a educação pública, gratuita e de qualidade está debilitada.
Educação e saúde
Este governo, dirigido por um professor, tem a grande tarefa de ampliar o orçamento para reconstruir e valorizar o ensino público. Da mesma forma, na questão da saúde, em que as empresas se fizeram milionárias com o Covid-19, feito abutres. A pandemia deixou claro que estávamos sem estruturas hospitalares, sem pessoal, sem equipamento, porque era o que convinha ao poder econômico: lucrar com a desgraça da saúde da população”, explicou.
Para perpetuar esta lógica excludente, observou o sindicalista, contam com “toda a mídia escrita, radial e televisiva, que responde a um só monopólio e está aliada aos partidos de direita para derrubar Castillo. E, infelizmente, há pessoas que, por não verem mudanças, não analisam esta oposição golpista do Congresso, que barra qualquer avanço”.
“O fato é que os meios de comunicação não publicam absolutamente nenhuma mobilização dos trabalhadores, não cobrem nenhuma marcha, nenhuma entrevista. Do contrário, só dão espaço para o que vier contra Castillo”, destacou.
Política Antinacional e antitrabalhista de Fujimori
Desde o golpe dado por Alberto Fujimori em abril de 1992, recordou Sevillano, “foi implementada uma política antitrabalhista que debilitou completamente o movimento sindical, período no qual muito poucas organizações sobreviveram”.
“Foram privatizadas 233 empresas do Estado e somente ficaram sob sua responsabilidade saúde, educação e algumas poucas de energia elétrica. Como consequência, milhares de trabalhadores e dirigentes sindicais foram jogados na rua, companheiros receberam incentivos para largarem os empregos, do caso contrário eram demitidos. Isso foi um duro golpe para o movimento sindical e para todo o povo peruano”, esclareceu.
Nesta trajetória, relatou o líder da CGTP, “passaram décadas de neoliberalismo e corrupção comprovados, em que tivemos cinco presidentes sob julgamento, alguns na prisão e outro que se matou [Alan García]”. Diante deste quadro, assinalou, “Pedro Castillo se apresentou como professor rural, camponês, um dirigente sindical do magistério, em contraposição aos Fujimori, respaldados por grupos mafiosos, metidos com o narcotráfico e com a corrupção – como no caso da Odebrecht e outras firmas de construção”.
Assim, temos um enorme embate para a implementação de um programa de governo, sublinhou, “em que a única sustentação social e política com que conta este governo é o povo organizado, são os trabalhadores, e sobretudo a CGTP que tem uma longa trajetória de lutas, um histórico de batalhas nas trincheiras democráticas”.
É dentro deste contexto de mobilizações dos movimentos sociais que na próxima terça e quarta-feira (19 e 20) haverá uma Marcha Camponesa e de Trabalhadores, “em que estará se reivindicando uma nova Constituição e uma segunda reforma agrária frente à escassez de alimentos”. Esta reforma agrária, frisou, “é mais do que tudo dirigida ao pequeno agricultor, ao que abastece o mercado nacional que está sendo altamente prejudicado pelas grandes cadeias exportadoras de alimentos, a defesa dos direitos sociais e trabalhistas, o rechaço ao golpismo, pelo fechamento do Congresso e que se convoquem novas eleições parlamentares”.
Negociação Coletiva
De forma didática, Sevillano explicou que “por mais de quatro décadas” os servidores do Estado, não tiveram negociação coletiva, “isso apesar de entidades como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) expressarem claramente sua necessidade, tanto no setor privado como no público, sendo que o Estado precisaria dar o exemplo”. Como a CGTP lidera as três confederações que dirigem cerca de 80% dos servidores, conseguiu comandar a luta e aprovar a lei no Congresso – ainda no governo de Martin Vizcarra (de julho de 2016 a março de 2018). “Mas essa lei precisava de uma decisão política do governo para implementar e começar a negociação coletiva no setor público. Isso necessitava de uma resolução ministerial, o que foi aplicada por Castillo”, frisou.
Apontando que esta negociação “ainda se deu dentro do orçamento aprovado no governo anterior”, Sevillano defende que “não há falta vontade política por parte deste governo, tendo sido aprovado 840 milhões de sóis [cerca de US$ 210 milhões], o que, entre outros avanços, faz com que este aumento incida na valorização de pensões e aposentadorias, o que antes não ocorria”.
Diferente dos termos da posse em 28 de julho do ano passado, ponderou o sindicalista, “quando o governo não falou uma vírgula sobre o direito dos trabalhadores, o que foi uma preocupação para a CGTP, conquistamos avanços”.
“Por conta disso apresentamos ao presidente uma agenda trabalhista de 26 pontos que Castillo se comprometeu com a Central. Para que este documento seja considerado uma mensagem – a ser levada pelo presidente ao Conselho de Ministros e ao Congresso da República -, eles a chamam de Agenda 19, que são os pontos escolhidos dentro daqueles apresentados. Aí estão o aumento do salário mínimo – que estava congelado há quatro anos -, a negociação coletiva por ramo de atividade, o direito à greve, e o tema da “suspensão perfeita” de trabalho, porque com a questão da Covid-19 os empresários começaram a suspender funcionários a seu bel prazer, aplicando pausas temporárias na empresa. [O dispositivo permitia que o empregador suspenda o pagamento de seu salário mensal, sem romper o vínculo empregatício]”.
Frente a esta agenda, em primeiro lugar, disse, “conseguimos um aumento do salário mínimo de 930 para 1.025 sóis, o que não nos satisfaz porque a cesta básica familiar está em 1.800 sóis para quatro pessoas, mas que é um avanço, um gesto deste governo depois de quatro anos”.
A segunda questão é a suspensão perfeita de trabalho, “porque por este meio os empresários pressionavam os trabalhadores a se demitirem. E chamavam a isso de ‘suspensão perfeita’. O governo entendeu nosso pleito e pôs fim a este dispositivo”.
O outro ponto, informou, “é a terceirização, porque no Peru quase 70% da mão de obra está terceirizada, com um regulamento herdado do fujimorismo feito pelo empresariado”. “A CGTP dialogou durante quatro meses com o governo e se propôs um decreto para impor limite à terceirização na atividade-fim. Mas, como verás, a direita tem maioria no Congresso e tem pressionado junto aos seus porta-vozes e defensores no parlamento, junto ao fujimorismo, e apresentaram um projeto de lei para derrubar este decreto. Então, esta é uma luta que estamos travando para conseguir frear mais este atentado”, concluiu.