Colômbia: Justiça contra a parapolítica

Altos funcionários de Álvaro Uribe reuniram com paramilitares e narcotraficantes. O escândalo foi revelado pela imprensa colombiana no contexto de fortes ataques do governo contra o Supremo Tribunal de Justiça.

Para o presidente do órgão judicial que investiga os escândalos da parapolítica, Francisco Javier Ricaurte, citado pelo semanário Voz na sua edição de 27 de Agosto, é grave e preocupante que no palácio presidencial se reúnam delinquentes paramilitares e narcotraficantes com funcionários de confiança do presidente, como o secretário jurídico Edmundo del Castillo, e o assessor de imprensa César Velásquez, com o propósito de conspirar contra o STJ.

O encontro realizado em Abril deste ano na «Casa Narinõ» com o paramilitar Antonio López, conhecido por «Job», e o advogado de Diego Fernando Murillo, conhecido como «Don Berna» – entretanto extraditado com outros antigos chefes paramilitares para os EUA -, teve como objectivo apurar material que alegadamente sustentaria as acusações do executivo colombiano contra juízes envolvidos nas investigações movidas pelo Supremo em torno da parapolítica.

As alegadas «provas» funcionariam como uma forma de descredibilizar os processos, que têm demonstrado claramente os vínculos estreitos das Autodefesas Unidas da Colômbia com o narcotráfico e dezenas de deputados e apoiantes do actual presidente.

Uma das questões que se levantam em todo este escândalo, considerou Francisco Ricaurte em declarações ao jornal El Espectador, é que os funcionários governamentais não têm qualquer legitimidade para recolher possíveis elementos de prova, e muito menos para os ocultar [durante quatro meses] das autoridades judiciais competentes, mesmo que na reunião secreta tenha estado um membro dos serviços secretos, a DAS.

Neste contexto, referiu Ricaurte na entrevista, tais incidências só confirmam que a presidência tem «desde há algum tempo uma estratégia deliberada para desacreditar o STJ» e, assim, «deslegitimar as posições que este tem assumido».

Acção concertada

Acresce à campanha de Uribe contra aquele órgão, a proposta de reforma da justiça entregue no parlamento, dia 26 de Agosto, pelo ministro do Interior e da Justiça, Fabio Valencia Cossio, iniciativa que indica uma acção concertada do governo em toda a linha.
No hemiciclo, o deputado do Pólo Democrático Alternativo, Gustavo Petro – também ele alvo de ataques ferozes de Uribe e seus lacaios -, qualificou a «reforma» como uma tentativa de fortalecer a máfia e a delinquência e debilitar a justiça.
Para Petro, o projecto revela o intercâmbio humanitário defendido pelo presidente, isto é, libertar do cárcere os implicados na parapolítica, e deter membros da oposição, defensores da democracia e da imprensa não servil aos interesses do regime.

Responder com dignidade

Exemplo de tal linha de orientação são os processos levantados contra Carlos Lozano, Piedad Córdoba, Gloria Inés Ramírez, Wilson Borja, Lázaro Libreros, Álvaro Leyva, Willian Parra e Liliana Patricia Obando, por alegada promoção da «rebelião».
Lozano foi recentemente condecorado pelo Estado francês com a Legião de Honra, em reconhecimento dos seus esforços na busca de uma solução baseada no diálogo para o conflito na Colômbia.
Numa iniciativa de solidariedade realizada em Bogotá, no passado dia 27, o director do órgão central do Partido Comunista da Colômbia afirmou que «a nossa posição é de ataque a este governo e não de defesa, pois não cometemos nenhum delito».
Ladeado pelos demais acusados, pelo presidente do Pólo Democrático Alternativo, Carlos Gaviria, e pelo secretário-geral do PCC, Jaime Caycedo, Carlos Lozano explicou que «a razão pela qual nos querem castigar é termos trabalhado por um intercâmbio humanitário, não porque tenhamos enriquecido em negócios escuros ou participado em massacres e acções contra o povo. Esta é a diferença com os processos da parapolítica, nos quais os implicados estão acusados de organizar e actuar com grupos armados que os ajudaram a ganhar os lugares de deputados».

Lozano disse ainda estar consciente de que «qualquer coisa pode acontecer, incluindo a prisão», mas nesse caso, aduziu, «vamos responder com dignidade, porque não nos envergonhamos de ser lutadores pela paz e pela mudança».

Mobilizar para a luta

A terminar a sua intervenção perante as cerca de mil pessoas que encheram a sessão, Carlos Lozano sublinhou que à crise da parapolítica soma-se a grave crise social. «Como acaba de notar a Central Unitária dos Trabalhadores, com a inflação do passado semestre já foram devorados os aumentos salariais para todo o ano de 2008», referiu.

A esta situação responde o governo de Uribe com canalização de somas astronómicas no próximo orçamento de Estado para a guerra e o aparelho repressivo em detrimento das políticas sociais e redistributivas, frisou, por isso «o que se observam são presságios de luta social e esse é o caminho para derrotar o tirano e as máfias que se apoderaram do Estado», concluiu.

Dezenas de sindicalistas assassinados

O número de sindicalistas mortos na Colômbia até ao final de Agosto de 2008 já ultrapassa o registado durante todo o ano de 2007. O último foi Alexander Blanco Rodríguez, assassinado terça-feira, 26 de Agosto, à saída do seu local de trabalho, a empresa de perfuração e prospecção de hidrocarbonetos Ecopetrol.

De acordo com um estudo da Escola Nacional Sindical (ENS), divulgado no sítio do Partido Comunista Colombiano, o total dos activistas laborais vítimas do regime fascista de Álvaro Uribe ascende a 40, de entre os quais se destacam os ocorridos durante este mês.

José Omar Galeano Martínez, Presidente Nacional da Federação Colombiana de Trabalhadores das Lotarias que liderava a luta contra a privatização do sector e em defesa dos postos de trabalho, foi abatido por mercenários na noite de sábado, 23, quando circulava de moto nas ruas da cidade de Buga. Dez dias antes, Manuel Erminson Gamboa Meléndez, vice-presidente da Associação Camponesa para a Defesa de Putumayo, sucumbiu ao impacto de sete balas, sorte idêntica à de Luis Mayusa Prada, dirigente da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT) da Colômbia na província de Meta, abatido em Arauca, junto à fronteira com a Venezuela, quando regressava de uma consulta médica com o filho.

A CUT é a organização mais visada pelos homicídios – aos quais se juntam uma cifra superior a 200 casos de violação dos direitos, detenções arbitrárias, sequestros, ameaças nos últimos oito meses -, com 29 ocorrências fatais entre os sindicalistas da central. As restantes vítimas mortais pertencem a outras centrais ou a sindicatos não filiados, informa ainda o relatório da ENS.

Justiça tarda

Por aclarar, salienta o documento, continuam os casos de Guillermo Rivera Fúquene, cujo cadáver apareceu no passado dia 15 de Julho, cerca de três meses depois de ter desaparecido; Leonidas Gómez Roso, funcionário do norte-americano City Bank e dirigente da União Nacional de Empregados Bancários, assassinado no dia seguinte à marcha que, em 6 de Março, reuniu em Bogotá e nas maiores cidades colombianas centenas de milhares de pessoas contra o paramilitarismo; Luz Mariela Díaz López, sindicalista da Associação dos Educadores do departamento de Putumayo, que à data do seu assassinato se encontrava grávida, e Emerson Iván Herrera, morto junto àquela camarada.

Neste contexto, a ENS manifesta preocupação não só pela justiça que tarda, mas também pelo facto de se avolumarem as juras de morte contra dirigentes sindicais e políticos, particularmente na região de Santander, onde pelo menos 57 representantes dos trabalhadores se encontram debaixo de ameaça, quase metade dos casos conhecidos até agora em todo o território nacional, outros 125.

Ampliar o protesto

Paralelamente aos escândalos da parapolítica, mais de uma centena de organizações sociais colombianas, entre as quais as centrais sindicais e respectivos sindicatos filiados, os partidos Pólo Democrático Alternativo e Liberal, organizações indígenas, de camponeses, de jovens e de estudantes, reuniram-se no passado dia 23 de Agosto, em Bogotá, com o objectivo de fortalecer a unidade e preparar a mobilização do povo colombiano para lutar contra a grave crise social, política e económica em que esse encontra o país.

Entre as conclusões e acções agendadas destacam-se a necessidade de dar resposta à política antipopular do governo Uribe, de reforçar a Grande Coligação Unitária a nível nacional, regional e sectorial, e de desenvolver e aprofundar a aplicação dos seus oito eixos de orientação política.

Os participantes decidiram ainda acompanhar e mobilizar os trabalhadores e o povo para as acções de massas de dia 11 de Setembro, em solidariedade com o Supremo Tribunal de Justiça, de dia 17, dos reformados pensionistas e idosos, de dia 25 dos estudantes universitários, e o protesto geral abrangendo todos os sectores agendado para o próximo dia 7 de Outubro.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.