Minas Gerais – Um acordo que enche o caixa do Estado e penaliza os atingidos pelo crime da Vale

Por Carlos Lindenberg – Jornalista

O atual acordo celebrado entre o governo de Minas Gerais e a empresa Vale, a propósito do desastre de Brumadinho, celebrado como bilionário e melhor acordo da América Latina, é visto para ambientalistas como ‘bom para a política e melhor para a empresa’. É o que aponta, por exemplo, um artigo de Andréa Zhouri, Professora titular do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG e coordenadora do Gesta-UFMG (Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais), que acompanha de perto os desdobramentos do desabamento da barragem que matou 270 pessoas no dia 25 de janeiro de 2019. Onze corpos ainda não foram encontrados.

Além das mortes, o rompimento da barragem B1 provocou danos ambientais que inviabilizaram o uso da água de parte do rio Paraopeba, deixou centenas de desabrigados e ainda hoje repercute como o maiores desastre da exploração mineral em todo o mundo.

Segundo ela, os desastres causados pela mineração em Minas Gerais apresentam características que os definem como processos de grande magnitude e longa duração, compreendendo desdobramentos socioambientais complexos que dificultam soluções simultaneamente objetivas, céleres e justas. Em artigo divulgado na imprensa, ela diz que “um aspecto menos debatido, contudo, diz respeito ao mundo de negócios e oportunidades que eles inauguram.

Elaborado de forma sigilosa, sem participação dos atingidos, o acordo foi fechado em R$ 37,68 bilhões de reais (R$ 26 bilhões na verdade, descontados os gastos já havidos) a partir de um total inicial de R$ 56 bilhões. A economia da Vale portanto, fica em cerca de R$ 19 bilhões, valor próximo ao lucro líquido obtido pela empresa no terceiro trimestre de 2020. Além de manter o controle do processo de reparação, ao resguardar a execução de programas de reparação socioambiental, a empresa viu ainda suas ações subirem 4,3% no dia do acordo. Uma imagem de quitação de compromissos gerados com o desastre, porém, é passada e assegura à empresa a confiabilidade perante o mercado. Para professora, o “tema assume relevância atual frente ao acordo celebrado entre o governo de Minas Gerais e a empresa Vale. O que ele consagra é o “grande negócio Brumadinho”.

O governo de Minas vê o acordo na representação influxo para o caixa do estado e oportunidade para realizar obras de infraestrutura, estratégia preferencial de realização da política na prática. Ou seja, o tal acordo, festejado como o maior da América Latina, senão do mundo, foi bom para o Estado, melhor para a Vale – basta ver a cotação do minério na época do desastre e o valor do dólar nos dias de hoje, não sendo por acaso que as ações da Vale subiram para cá 4,3 por cento no dia em que o acordo foi anunciado. Pela negociação, que engorda sobremaneira o caixa do Estado num ano pré-eleitoral, fica evidenciado que o acordo beneficiou a empresa e pode render dividendos políticos ao governador Romeu Zema, não por acaso já anunciado como candidato à reeleição. Mas as benesses que o acordo cedeu à mineradora não param por aí e incluem obras por várias regiões do Estado, incluindo reformas e implantação de hospitais, sempre levando em consideração que o desastre de Brumadinho foi antes de tudo um grande negócio para mineradora, com dividendos para o governo do Estado. Entre as obras previstas no acordão da Vale e o governo Zema, destaca-se a construção do Rodoanel, projeto antigo e alvo de questionamentos por incidir sobre duas unidades de conservação e distritos que vivem do turismo histórico e ecológico, podendo comprometer o manancial hídrico que abastece a capital mineira. O projeto é também de interesse das mineradoras por possibilitar o transporte do minério a partir da região.

ALMG

Depois de quatro meses de negociação, o acordo R$ 37,68 bilhões assinado entre o Governo de Minas e a Vale no último dia 4, que, segundo divulgação, prevê a reparação de danos causados pelo rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, passará por audiência e debates na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Após a primeira audiência de conciliação, foram quatro meses para o fechamento do negócio. O problema no entanto pode esbarrar aí porque o governo não tem maioria na Assembleia e o presidente da Assembleia, Agostinho Patrus, cuja casa foi colocada à margem das negociações, sabe que todo o acordo precisa ser aprovado pela Assembleia Legislativa, até porque os atingidos pela barragem não foram ouvidos e até prometem recorrer ao Supremo Tribunal Federal em busca de reparação de direitos, ainda que as ações penais não se encerrem com o acordão.

Relembre a negociação

A queda de braço sobre a reparação aconteceu em cinco audiências. A última delas foi em janeiro, quando o secretário-geral do governo, Mateus Simões, chegou a dizer que se a Vale não apresentasse uma proposta até o dia 29 de janeiro – quatro dias depois de a tragédia completar dois anos – seria considerada “inimiga dos mineiros”.

A mineradora ganhou ainda mais 15 dias de prazo, que terminaria em 13 de fevereiro. Porém, o procurador-geral do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Jarbas Soares Júnior, adiantou nesta quarta (3), em suas redes sociais, que o acordo seria assinado antes disso. “O maior acordo da história se dá em 2 ações do MPMG e 1 do estado, e não incluem as ações penais, os danos desconhecidos e os direitos individuais. Respeito aos atingidos e ao povo de MG”, afirmou no post, sem considerar no entanto que os atingidos não foram ouvidos, tanto que se manifestaram na porta do Tribunal de Justiça, que convalidou o acerto entre o Estado e a Vale, no dia da sua assinatura.

O fato é que o acordo precisa ser ratificado pela Assembleia Legislativa, onde a oposição promete questionar não apenas valores como o respeito aos atingidos pelo desastre ambiental provocado pela Vale, que, aliás, já tem na sua história o desastre de Mariana. Em suma, o que o Brumadinho revela, na sua essência, é que os desastres ambientais acabam se transformando em grandes negócios para as mineradoras, pelo menos no caso deste, o de Brumadinho, em que a Vale economizará valor próximo obtido no terceiro trimestre de 2020 e além de manter l controle do processo de reparação, na avaliação da professora Andréa Zhouri, titular do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG.

Foto: Flávio Tavares

Fonte: https://blogdolindenberg.com.br/