Perda na qualidade de vida é quase duas vezes maior nas áreas rurais. Maranhão tem o pior índice

Publicado 29/11/2021
Atendendo recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU), o IBGE desenvolveu o que seus técnicos designaram de novas “estatísticas experimentais” como o Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV), que reflete – como era de se esperar – as profundas desigualdades, o racismo e outros males caraterísticas do nosso capitalismo selvagem.
No Brasil, em seu conjunto, o IPQV (que vai de 0 a 1 e quanto maior pior), era de 0,158 entre 2017 e 2018. Na área rural (IPQV de 0,246), a perda era 1,5 vez maior do que a média nacional e 1,7 vez maior que na área urbana (IPQV de 0,143).
Comprovando o aprofundamento das desigualdades entre as classes sociais, o IBGE constatou que a perda de qualidade de vida daqueles com menor renda supera em mais de quatro vezes a dos mais ricos.
Entre regiões, Norte e Nordeste exibem os piores índices e das 27 unidades da Federação o Maranhão mostrou as maiores perdas de qualidade de vida (IPQV igual a 0,260) e Santa Catarina, as menores (IPQV igual a 0,100). Em mais um sintoma de racismo e machismo as perdas de negros e mulheres foram maiores.
Os dois anos estudados (2017 e 2018) foram marcadas pela restauração do neoliberalismo no país, imposta pelo governo golpista de Michel Temer, que conseguiu a façanha de ser o presidente mais impopular da nossa história. Foram anos de retrocessos na legislação trabalhista e no sistema de seguridade social, aumento brutal do desemprego e da precarização das relações entre capital e trabalho.
Nos anos seguintes (2019, 2020 e 2021) a nação continuou afundando, castigada duplamente, pelo governo neofascista de Jair Bolsonaro e a pandemia da Covid-19, na qual o líder negacionista e obscurancista da extrema direita pegou carona para promover um genocídio, sacrificando centenas de milhares de brasileiros e brasileiras. A maioria esmagadora das vítimas são negros e pobres.
A fome assola hoje o lar de pelo menos 2 milhões de famílias, o que significa cerca de 20 milhões de pessoas. Mais de 100 milhões vivem uma situação de insegurança alimentar, vendendo o almoço para comprar a janta, conforme diz o ditado. Desempregados, desalentados e subocupados somam mais de 32 milhões. Os próximos índices de qualidade de vida devem refletir o cenário de terra arrasada, o trágico legado do golpe de 2016 e do fascista Bolsonaro.
Leia abaixo a íntegra da notícia divulgada pelo IBGE
O IBGE apresenta pela primeira vez um índice multidimensional para a perda de qualidade de vida (IPQV), além de um segundo índice que mede o desempenho socioeconômico (IDS). Os novos indicadores seguem recomendações das nações unidas e utiliza uma série de variáveis da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018. Os valores do IPQV vão de 0 a 1, sendo que, quanto mais perto de zero, menor a perda.
O Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV) no Brasil era de 0,158 entre 2017 e 2018. Na área rural (IPQV de 0,246), a perda era 1,5 vez maior do que a média nacional e 1,7 vez maior que na área urbana (IPQV de 0,143). Cerca de 15% dos brasileiros viviam em área rural e essa parcela da população contribuiu com quase um quarto do valor do IPQV Brasil.
As regiões Sul (0,115) e Sudeste (0,127) tiveram um IPQV melhor que o nacional. Já Norte (0,225) e Nordeste (0,209) mostraram índices piores.
Famílias cuja pessoa de referência era homem apresentaram menor perda de qualidade de vida, com um IPQV de 0,151, contra 0,169 nas famílias lideradas por mulheres. E nas famílias com a pessoa de referência preta ou parda (0,185), a perda de qualidade de vida era 17% maior do que a média nacional e 50% maior do que aquelas com a pessoa de referência branca (0,123).
A faixa com menor perda individual de qualidade de vida concentrava 13,7% da população e a faixa com mais perdas, 10,3%. A maior parte dos brasileiros se encontra na zona intermediária de perdas acumuladas de qualidade de vida.
Entre as 27 unidades da Federação, o Maranhão mostrou as maiores perdas de qualidade de vida (IPQV igual a 0,260) e Santa Catarina, as menores (IPQV igual a 0,100).
Já o Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS) incorpora a renda disponível familiar per capita (RDFPC) e as perdas de qualidade de vida a partir de seis dimensões (Moradia; Acesso aos serviços de utilidade pública; Saúde e alimentação; Educação; Acesso aos serviços financeiro e padrão de vida; Transporte e lazer) através do IPQV. No período analisado pela POF 2017-2018, o Índice de Desempenho socioeconômico para o Brasil era de 6,201. O Distrito Federal (6,970) e São Paulo (6,869) tinham os maiores índices e Maranhão (4,897) e Pará (5,099), os menores.
A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda aos países signatários a criação de indicadores multidimensionais capazes de avaliar o desenvolvimento social de diferentes grupos. Para atender a essa demanda, o IBGE, no âmbito de sua série de Estatísticas Experimentais, está apresentando um Índice de Perda de Qualidade de Vida (IPQV) e um Índice de Desempenho Socioeconômico (IDS), construídos a partir de um conjunto de indicadores não monetários (objetivos e subjetivos) de diferentes dimensões: Moradia; Acesso aos serviços de utilidade pública; Saúde e alimentação; Educação; Acesso aos serviços financeiro e padrão de vida; Transporte e lazer. Os novos indicadores são o tema do módulo Perfil das despesas no Brasil: Indicadores de Qualidade de Vida, da POF 2017-2018.
Os valores das perdas individuais vão de 0 a 1, e quanto mais perto do zero, menor é a perda acumulada da pessoa e melhor é a qualidade de vida. Para avaliar a distribuição das perdas individuais, foram criados 5 intervalos: (1º) até 0,05; (2º) mais de 0,05 a 0,10; (3º) mais de 0,10 a 0,20; (4º) mais de 0,20 a 0,30; (5º) mais de 0,30 a 1,00.
IPQV dos 10% com menor renda é mais de quatro vezes o dos 10% com maior renda
O valor do IPQV é dado pela média das perdas acumuladas individuais e para o Brasil essa média foi de 0,158. As áreas urbanas demonstraram uma perda de qualidade bem menor (0,143) que a das áreas rurais (0,246), ou seja: a perda na área rural é quase o dobro (1,7 vez mais) da urbana e 1,5 vez maior que a média Brasil.
No que se refere às grandes regiões, Sul (0,115) e Sudeste (0,127) apresentaram os menores índices de perda menores que a média nacional. Por outro lado, Norte (0,225) e Nordeste (0,209) tiveram os maiores índices de perda. Já o Centro-Oeste (0,159) ficou bem próximo da média.
Quando os subgrupos da população são definidos pelas características da família, para situação onde a pessoa de referência se declarou branca, o valor do IPQV foi de 0,123, menor que o valor Brasil. Já para a parcela da população em que a pessoa de referência se declarou preta ou parda, o IPQV foi de 0,185, 17,0% maior que o valor nacional.
O IPQV do décimo de menor renda disponível familiar per capita foi 0,260, o maior entre os subgrupos. Já o IPQV para o último décimo de renda foi 0,063. Assim, a perda de qualidade de vida daqueles com menor renda supera em mais de quatro vezes a dos mais ricos. Mas, ainda que as rendas elevadas acarretem menor perda da qualidade de vida, nem mesmo nessas camadas foi possível zerar o índice.
Quando consideramos a escolaridade, o principal destaque está no subgrupo com pessoa de referência da família sem instrução, em que o IPQV foi de 0,255, ou seja, 1,6 vez mais que o valor Brasil. No subgrupo em que a pessoa de referência da família tem nível superior completo, o índice foi de 0,076, quase a metade do valor Brasil.
Considerando a posição na ocupação e formalização, quando a pessoa de referência era empregada em serviços domésticos, o IPQV (0,203) foi bem superior ao nacional. Já quando a pessoa de referência declarou ser empregador, o índice de perda foi de apenas 0,093.
Nenhuma das seis dimensões consideradas para a composição explica sozinha o valor do IPQV do Brasil. A contribuição das dimensões Educação e Acesso aos Serviços Financeiros e Padrão de Vida chegou a cerca de 19% do total dos efeitos marginais de todas as dimensões. Já Serviços de Utilidade Pública e Saúde e Alimentação contribuíram com cerca de 14%. O efeito marginal é dado pela diferença entre o IPQV e o novo IPQV recalculado sem considerar as perdas relativas à respectiva dimensão.
Embora a renda não faça parte da construção do IPQV, famílias com rendimentos menores registraram maiores perdas de qualidade de vida. Estas perdas se concentraram mais nas dimensões Educação e Acesso aos Serviços Financeiros e Padrão de vida.
Apenas 13,7% da população brasileira se encontra na faixa de menores perdas
Cerca de 13,7% da população brasileira (28 milhões de pessoas) estavam dentro do intervalo com menores perdas individuais (até 0,05). Nas áreas urbanas 15,9% estavam nesse grupo, já para nas áreas rurais, apenas 1,2%.
Cerca de 21,8% das pessoas que viviam em famílias com a pessoa de referência branca estavam na faixa com menores perdas individuais de qualidade de vida, contra 7,5% das famílias com pessoa de referência preta ou parda. As famílias lideradas por homens (15,5%) também se saíram melhor que aquelas onde uma mulher era a pessoa de referência (11,0%). Mas 35,7% da população (74 milhões de pessoas) estavam no 3º intervalo, de 0,10 a 0,20.
Já no último intervalo, com as maiores perdas (acima de 0,30) estava 10,3% da população. Sendo que esse percentual variou muito segundo o subgrupo analisado. Para a área urbana foi de 7,2%, já para a área rural, 28,5%. Caso a pessoa de referência fosse branca, apenas 5,0% entraram nessa faixa, mas caso fosse preta ou parda, 14,2%. E 31,2% caso fosse sem instrução e apenas 1,0% caso fosse com nível superior completo.
Maranhão é o estado com maior perda de qualidade de vida pelo IPQV
O índice de desempenho socioeconômico (IDS) é um resultado que combina os resultados da renda disponível familiar per capita (RDFPC) e as perdas de qualidade de vida a partir de seis dimensões (Moradia; Acesso aos serviços de utilidade pública; Saúde e alimentação; Educação; Acesso aos serviços financeiro e padrão de vida; Transporte e lazer) através do IPQV. Assim, o índice combina a capacidade de geração de recursos e a qualidade de vida da sociedade.
A soma ponderada do IDS de cada unidade da Federação define o resultado do Brasil. Assim, a perda de qualidade de vida no Brasil reduz o valor da Renda Disponível Familiar per capita (RDFPC) em 14,5% (R$240,02), resultando em um IDS de R$1.410,77.
Já o Maranhão foi o estado com o maior IPQV, 0,260, o que significa que ele reúne a maior perda na qualidade de vida do Brasil. Como ele também foi o estado com o menor RDFPC, o valor do seu IDS foi o menor, R$555,30, com redução de 26,0% em relação à RDFPC.
O estado com a menor perda de qualidade de vida foi Santa Catarina, com o IPQV de 0,100. Contudo, por ter uma renda inferior ao de outros estados, sua posição avaliada pelo progresso econômico é a quarta maior, com o valor de R$1.765,16.
O Pará, embora tenha uma RDFPC superior ao de Alagoas, Piauí e Paraíba, teve o segundo maior IPQV do país (0,244), o que resultou no segundo IDS mais baixo do país (R$639,52), 24,4% abaixo de sua RDFPC. Já Alagoas tem a segunda menor RDFPC do Brasil, mas a perda de qualidade de vida registrada está abaixo de outras cinco unidades da Federação, o que fez que o valor do seu IDS fosse R$ 654,89 (-21,8%), acima do resultado do Pará.
A pesquisa também traz a possibilidade de adotar uma segunda medida a partir do logaritmo neperiano (In) da RDFPC. Ao transformar a RDFPC, a função logarítmica garante que um mesmo incremento na média terá um impacto maior em uma sociedade com menos renda do que em uma sociedade com mais renda.
Desse modo, o IDS do Brasil foi 6,201. Esse valor representa a média dos valores das Unidades da Federação, ponderadas pela proporção de suas respectivas populações. Os maiores valores do IDS foram do Distrito Federal (6,970) e de São Paulo (6,869). Das 27 Unidades da Federação, 18 ficaram abaixo da média nacional, incluindo todas do Norte e Nordeste. Sergipe registrou o maior IDS entre os estados nordestinos (5,879, ou 5,2% abaixo do Brasil), e Roraima (5,874), o maior do Norte, ficando 5,3% inferior à média brasileira.
Já Maranhão (4,897) e Pará (5,099), mesmo com a utilização da segunda medida da RDFPC, tiveram os menores resultados. O gráfico a seguir apresenta os valores do IDS de cada unidade da Federação em ordem crescente assim como o valor do IDS do Brasil. Pode-se observar que a adoção do ln(RDFPC) altera o ranqueamento das unidades da Federação, pois o IDS passa a dar menos importância para a renda. Por exemplo, o IDS de Santa Catarina ultrapassa o IDS do Rio Grande do Sul, indicando maior progresso socioeconômico em Santa Catarina, apesar de apresentar menor renda do que o estado vizinho.

Foto: Erick Gimenes/Brasil de Fato