Corrêa de Lacerda: Romper paradigmas e dogmas que impedem o desenvolvimento nacional

Publicado 02/06/2020 - Atualizado 03/06/2020
O economista Antônio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e diretor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP, declarou durante palestra na live da CTB neste terça-feira (2) que o Brasil precisa romper com paradigmas e dogmas que impedem o desenvolvimento nacional, em alusão à política econômica conduzida por Paulo Guedes.
Ele considera essencial ampliar os gastos governamentais para fazer frente à crise. Também defendeu a alternativa da emissão de dinheiro, embora sem se opor à venda de títulos públicos ao mercado como meio de financiamento das despesas do Estado.
Dívida pública
O Estado detém o monopólio de emissão de moedas, observou, acrescentando que a emissão de dívidas tem um limite muito mais amplo do que se supõe. Citou o exemplo do Japão, onde os débitos públicos equivalem a 250% do PIB. No Brasil, a dívida bruta representa cerca de 77% do produto.
“Ouvimos o discurso de que o Estado não pode gastar, mas o Estado não é uma família, não é uma empresa, tem obrigações que lhe são conferidas pela Constituição e o monopólio da emissão de moedas e de dívidas em limites mais amplos do que indivíduos e empresas. A crise põe a nu este dogma que foi difundido diuturnamente pelo governo, pelo mercado financeiro e pela grande mídia, de que o Estado não pode gastar”, afirmou Lacerda.
Efeito multiplicador
Segundo o economista, o gasto público bem realizado tem um efeito multiplicador, na medida em que gera outras atividades, produção e emprego, amenizando a crise e “lá na ponta vai gerar também receitas para o Estado. Se o Estado não gastar a crise se aprofundará”.
Ele descreve a crise como peculiar e historicamente sem precedentes. “Estamos diante de uma pandemia para a qual não temos ainda solução e que implica isolamento social, o que numa economia globalizada representa um desafio inédito”.
No caso brasileiro, há um terceiro agravante: a desgovernança. O governo federal bate cabeça, não tem uma estratégia de desenvolvimento e temos por aqui uma crise em três dimensões interligadas: sanitária, econômica e política.
Debilidades estruturais
A pandemia e a crise escancaram as grandes debilidades estruturais do Brasil, um país extremamente desigual. O remédio é o isolamento, mas para milhões esta possibilidade não existe. Quase 50% dos lares não têm saneamento básico.
Outra debilidade é nossa carência de infraestrutura e logística, que inclui a infraestrutura hospitalar, aponta Lacerda. O Brasil se desindustrializou e isto se refletiu até mesmo na fabricação equipamentos farmacêuticos e médico-hospitalares, bem como de proteção individual básicos.
A pandemia provocou um forte aumento da demanda global por esses produtos e nós ficamos totalmente a descoberto. Ficou evidente que o risco da desindustrialização, além da perda de emprego e da vulnerabilidade externa também acarreta insegurança sanitária.
Reforma tributária
Ao criticar a política econômica de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, o presidente do Cofecon disse que as ideias da dupla já não são praticadas em nenhum outro país. Abertura a qualquer preço, Estado mínimo e mercado regulando tudo, “nada disto encontra respaldo nas boas teorias”.
Ele defendeu a taxação das grandes fortunas no âmbito de uma reforma tributária progressista com o objetivo de aumentar a arrecadação de tributos e combater as gritantes desigualdades sociais, a redução dos juros cobrados pelos bancos a consumidores e empresas, bem como renegociação das dívidas.
Acrescentou que é fundamental reindustrializar a economia, promovendo de imediato a reconversão da produção para fazer frente às carências sanitárias agravadas pela pandemia. É preciso, ao mesmo tempo, promover grandes investimentos em infraestrutura e proteger empregos e salários para viabilizar uma saída da crise com base no mercado doméstico.
Umberto Martins