Sobre o desvio de recursos públicos para cachês milionários em shows de cantores Sertanejos

Por Célio Turino*

1) Megachês milionários não são comuns nem no mundo dos rodeios (quando em patrocínio privado) ou grandes estrelas da música. Quando muito, R$ 500/600 mil e isso envolvendo toda a equipe de produção do show (banda, técnicos, dançarinos, direitos autorais e pessoal de apoio). Como parâmetro: em contratos via poder público, na Virada Cultural em São Paulo, por exemplo, o valor máximo em cachê é de R$ 300 mil (o que já é bastante elevado); shows em réveillon em cidades como o Rio de Janeiro também não pagam muito além disso; em Micaretas e São João, talvez alguns muito famosos recebam R$ 500/600 mil, mas são raros; Escolas de Samba no Rio de Janeiro na divisão especial receberam R$ 1,5 milhão para o carnaval de 2022.

2) Ou seja, tem mutreta, tem desvio de verba pública, tem corrupção nesses cachês do milhão. Mesmo para contratações artísticas a lei exige que o poder público se paute pelo princípio da economicidade, além da moralidade, legalidade, publicidade e impessoalidade. Tem cartel político/Bolsonarista/sertanejo nessa história dos Megacachês. Ministério Público, Tribunais de Contas e legislativos municipais, estaduais e nacional precisam investigar. O crime salta aos olhos! O Congresso Nacional precisa abrir #CPIdosSertanejos já! É preciso cruzar emendas e rastrear o caminho do dinheiro para verificar o quanto do valor desses cachês pode ter sido “devolvido” para os padrinhos. Esse é um duto de desvio na ordem de centenas de milhões de reais!

c) Afora a imoralidade desses valores, sobretudo em pequenos municípios, em que a população carece de serviços básicos.

d) Mas o desvio não para aí. Em 2019 o BNDES concedeu empréstimo de R$ 320 milhões para empresa recém constituída (um mês antes da liberação do empréstimo). A finalidade? Administrar carreiras de cantores sertanejos. Curiosamente o nome da empresa era One7 (17, o número de um certo candidato nas urnas). Um escândalo! Desse valor R$ 200 milhões foram para um único cantor sertanejo! Alguma dúvida de que esse empréstimo foi totalmente irregular? Nenhum Banco libera um valor desses para uma empresa constituída um mês antes (a menos que carregue o 17 do chefe miliciano). Como parâmetro, a lei Aldir Blanc que preservou entre 430/450 mil postos de trabalho na cadeia produtiva da cultura (dados IPEA), em 4.700 municípios, contou com aporte total de R$ 3 bilhões. Isso após uma ampla mobilização, envolvendo dezenas de milhares de pessoas e a quase unanimidade no Congresso. Não é possível que uma única empresa receba mais de 10% desse valor! Esse empréstimo precisa ser investigado e muito.

e) Mais um parâmetro. Esses mesmos sertanejos que vivem falando mal da lei Rouanet estão se apropriando de dinheiro público via cachês em valores absurdos, drenando recursos de escolas e da saúde, sobretudo pequenos municípios, em que a fiscalização passa despercebida. Cachês de até R$ 1,2 milhão! Sabem em quanto o governo fixou o teto para cachê artístico via lei Rouanet? R$ 3 mil (exatamente). Deve ser por essa razão que esses artistas Bolsonaristas tem tanto ódio da lei Rouanet, afinal, em um só show embolsam valor 400 vezes maior. Mesmo antes de o governo haver fixado o teto em R$ 3 mil, o valor máximo que a lei Rouanet autorizava para cachê artístico era de R$ 45 mil. Mais um parâmetro para comparação: o valor que a empresa One7 (17) recebeu equivale a 25% de todo valor arrecadado pela Lei Rouanet em todo o Brasil (aproximadamente R$ 1,2 bi). Isso para atender mais de 4.000 projetos, grande parte deles gratuitos para o público, beneficiando dezenas de milhares de empresas e garantindo centenas de milhares de postos de trabalho na cadeia produtiva das artes e da cultura.

A lei Rouanet, para aprovação de um projeto, exige: projeto detalhado; justificativa; descrição e cronograma de trabalho; explicitação de público beneficiado; contrapartida social e de acessibilidade; orçamento detalhado, com valores padrão e teto nos valores; parecer técnico de especialista; aprovação em colegiado (CNIC); captação de patrocínio junto a empresas privadas (que também analisam o projeto); prestação de contas; análise detalhada das contas para quitação final. Enquanto isso, esses artistas aproveitadores e manipuladores dos fãs, seguem fazendo sinal de arminha com a mão, pregando o ódio e a mentira e se declarando cidadãos de bem, defensores de “Deus, Pátria e Família”, ao mesmo tempo em que se locupletam com o dinheiro público. No fundo não passam de oportunistas e desonestos, que desonram a tradição da música brasileira de raiz.

*Escritor