“Ao Sul da Fronteira”: Chávez em foco

Dá para sentir no final deste “Ao Sul da Fronteira” a disposição de seu diretor, Oliver Stone, em contrapor-se à posição da mídia, das elites, dos conglomerados e do governo de seu país em desestabilizar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez (Sabaneta, 1954). Isto fica claro desde o instante em que ele se põe como interlocutor de seus entrevistados, entremeando perguntas e respostas com imagens factuais. Com isto leva o espectador à emoção e, principalmente, à reflexão, e lhe dá a oportunidade de conhecer melhor o processo de transformações políticas e sócio-econômicas liderado por Chávez.

Stone busca informá-lo sobre como se deu esse processo, desde o massacre de manifestantes perpetrado pelo governo Carlos Andrés Pérez em 1989, o levante militar liderado pelo então tenente-coronel Chávez em 1992, sua eleição em 1998, e suas sucessivas reeleições desde então. Este encadeado, no entanto, não estaria completo se ele, Stone, não o explicasse do ponto de vista político-ideológico.

O que ele faz com imagens do golpe tramado pelos EUA, a GloboVísion e as forças conservadoras venezuelanas, em 2002, do retorno de Chávez ao poder, da retomada do controle da petrolífera estatal,  PDVSA, e, sobretudo, da mudança da planta econômica  do país, da reforma agrária, da instituição do comunitarismo e da expansão do Movimento Bolivariano pelo país e sua articulação nas Américas Latinas e Central.

Outro Chávez emerge das imagens

Chávez emerge destas imagens mais articulado, humano, visionário, até. São ilustrativas as sequências em que Stone, a seu lado, visita fazendas coletivas, plantações de leguminosas, unidades de armazenamento e processamento de grãos. Sem contar sua dedicação às mudanças na PDVSA, para colocá-la a serviço do desenvolvimento do país, tornando-o menos dependente do exterior. Assim, dá para sentir o motivo do cerco que lhe empreende os conglomerados, as forças conservadoras e os sucessivos governos dos EUA.

Estas forças, cuja visibilidade é dada pela Casa Branca, têm poderosos sustentáculos na mídia estadunidense. Stone se detém em suas ações contra Chávez e sua insistência em desacreditá-lo. Um ódio caricatural, que deve ser analisado em toda sua extensão. Nesta época de imperialismo unipolar, a mídia se articula como centro de poder e não mais como simples sustentáculo dos interesses do grande capital.

Conglomerados estadunidenses e europeus controlam, a exemplo da General Eletric (GE), dona da NBC, as principais cadeias de mídia de seus países. Eles podem, assim, induzir o consumidor/cidadão a comprar seu produto, e, por extensão, desqualificar o líder do país que contraria aos seus interesses e de seu país de origem. Inexiste, assim, a objetividade, a imparcialidade, a mídia integra nesta fase de globalização financeira, tecnológica e mercadológica a estrutura de sustentação do imperialismo estadunidense.

Com “Ao Sul da Fronteira”, Stone deixa isto claro. CNN, Fox News, New York Times fazem parte deste esquema. Entretanto, suas vinculações com os conglomerados devem ser procuradas em sua composição acionária. Notadamente nas Bolsas de Valores, onde suas ações são negociadas. Chávez ao questionar a participação da GloboVísion no golpe que sofreu, entendeu seu papel: ela age não veículo de comunicação, mas como partido. O mesmo se dá com a mídia brasileira. Diante do sucesso da coalizão que governa o país, sob a liderança de Lula, ela tenta substituir a oposição e ser o centro do poder.

Centro da luta é o petróleo

O cerne da luta contra Chávez deve, no entanto, ser buscado para além das imagens de “Ao Sul da Fronteira”: no tabuleiro da luta voraz pelo controle das atuais jazidas de petróleo. Não é à toa que Irã e Iraque estão no centro dessa disputa. Contra a Venezuela os ataques são camuflados. Stone passa de leve sobre esta questão. Volta sua câmera para suas conversas com Evo Morales, na Bolívia, Rafael Correa, no Equador, Fernando Lugo, no Paraguai, Cristina e Nestor Kirchner, na Argentina, e tece alguns diálogos com Lula e Rául Castro.

Não só para mostrá-los como líderes de um movimento de esquerda na América Latina, como para explicar o processo que lhes permitiu trazer as camadas populares para o protagonismo. Caso elucidativo de Evo Morales, líder indígena da Bolívia, que se mira no simbolismo da luta de Chê Guevara, 43 anos atrás para levar adiante o projeto de mudanças no país.
Neste seu giro pelo continente latinoamericano, Stone permite ao espectador ver seus líderes com um olhar diferente: o de que as mudanças se dão sobre os escombros do neoliberalismo e nas fronteiras do imperialismo estadunidense. E Chávez, com seu Movimento Bolivariano e Socialismo do Século XXI, é um dos agentes desse processo. Desta forma, “Ao Sul da Fronteira” ajuda o espectador a entendê-lo e olhar para além da mídia e suas teias e refletir sobre a responsabilidade das forças de esquerda para mantê-lo em curso.

 

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Ao Sul da Fronteira” (“South of the Border”). Documentário. EUA. 2009. 78 minutos. Roteiro: Tariq Ali, Oliver Stone, Mark Weisbrot.


* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários “TerraMãe”, “O Mestre do Cidadão” e “Paulão, lider popular”. Escreveu novelas infantis,  “Os Grilos” e “Também os Galos não Cantam”.

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