Pablo Neruda vence a ditadura e sua obra resiste

Há 40 anos morria Pablo Neruda, maior poeta chileno de todos os tempos e um dos maiores do mundo. Sua morte ainda está para ser explicada. Porque o escritor foi internado para tratamento de um câncer na próstata no exato período no qual transcorria o golpe fascista contra o presidente do Chile, Salvador Allende. Nem o Prêmio Nobel de Literatura de 1971, o salvaria da morte suspeitíssima no dia 23 de setembro de 1973, doze dias após a implantação da ditadura em seu país.

Com base em denúncias do motorista de Neruda, Manuel Araya, foi realizada no começo deste ano a exumação de seus restos mortais para descobrir a verdadeira causa de sua morte. Segundo o motorista, Neruda foi envenenado pelos militares ainda no hospital. Até o fim do ano a causa da morte do poeta será de conhecimento público, mas uma coisa é certa, os militares o deixaram morrer sem a medicação necessária, que é o mesmo que assassinar.

Nasceu Neftali Ricardo Reyes Basoalto, no interior do Chile em 12 de julho de 1904. Transformou-se em Pablo Neruda ainda muito jovem. Em sua autobiografia, Confesso que Vivi (terminada pouco antes de sua morte e publicada postumamente em 1974), ele conta que despertou para o mundo dos livros e isso lhe deu simultânea vontade de escrever. Neruda fala que começou, ainda adolescente, escrevendo cartas de amor para um amigo entregar para sua pretendida. 

Ele conta ainda que ao escrever sua primeira poesia ainda muito jovem correu para mostrar ao pai e madrasta (já que a mãe faleceu um mês após da à luz ao menino, de tuberculose). O pai pegou o texto de suas mãos e somente perguntou: “De onde copiaste?” De um modo meio estranho esse comentário, para Neruda, acabou sendo a primeira crítica literária rigorosa de sua vida.

Ingressou no curso de pedagogia na Universidade do Chile em 1921, antes ainda de completar 18 anos. Depois entrou para a carreira diplomática viajando a diversos países, quando também entrou para as fileiras do Partido Comunista do Chile. Transformou-se num militante de primeira ordem tal a firmeza com que defendia as ideias marxistas e a integração latino-americana como resistência ao imperialismo.

Com uma obra marcada pela preocupação com conteúdo social, onde entoou a vida dos trabalhadores, seus amores, suas dores, a exploração do capital e as denúncias contra o imperialismo o levaram a destacar com poesias antológicas, com seu estilo inconfundível ao falar do cotidiano e de como a classe trabalhadora poderia superar suas mazelas.

Publicou dezenas de livros, traduzidos para diversas línguas. O primeiro foi Crepusculário (1923). Já no ano seguinte chamava a atenção da crítica com Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada (1924). Quando era diplomata na Espanha, em plena Guerra Civil escreveu Espanha e o Coração (1936/37) considerado uma guinada em sua carreira, por ter conteúdo mais social e político. Foi eleito senador da República em 1945, mas nunca abandonou a literatura.

No mesmo ano leu no Estádio do Pacaembu para mais de 110 mil pessoas texto em homenagem ao líder comunista brsileiro Luiz Carlos Prestes. Nos anos seguintes, publicou suas principais obras, se bem que no caso do poeta chileno todas as obras são principais. Em 1950, teve publicado Canto Geral, que inicia sua marca de cunho social e político de modo mais categórico. Do qual parte do poema Os Libertadores mostra porque Neruda foi tão odiado pelos reacionários:

“Aqui vem a árvore, a árvore
da tormenta, a árvore do povo
Da terra sobem os herois
como as folhas pela seiva
e o vento despedaça as folahgens
de multidão rumorosa,
até que cai a semente
do pão outra vez na terra.” (…)

pablonerudaEm 1953 ganhou o Prêmio Lênin da Paz e em 1965 é eleito Doutor Honoris Causa pela Universidade Oxford, na Inglaterra. “Por sua obra poética, que, com o efeito de uma força natural, vitaliza o destino e os sonhos de um continente. Espécie de guerreiro que protesta contra a injustiça”, escreveu a academia sueca quando lhe concedeu o Nobel de Literatura em 1971.

Em 1970, Neruda abriu mão de sua candidatura à Presidência do Chile em favor de Salvador Allende, formando a União Popular que levaria o socialista ao poder. Já escrevia sua autobiografia que seria publicada somente uma ano após sua morte.

“O que se sente verdadeiramente, a cada instante da existência”. O chileno questionava os enquadramentos da crítica. “Não acredito num sistema poético, numa organização poética. Irei mais longe: não creio nas escolas, nem no Simbolismo, nem no Realismo, nem no Surrealismo. Sou absolutamente desligado dos rótulos que se colocam nos produtos. Gosto dos produtos, não dos rótulos”, assim Neruda define sua obra e sua vida.

Com sua arte, Pablo Neruda pretendia, de acordo com suas próprias palavras, “dar ao homem o que é do homem,  sonho, amor, luz e noite, razão e paixão”, proclamou com humildade. Ele encerrou o livro Canção Geral com o poema:

(…) “é esta geografia do meu canto,
e uma comunidade de lavradores
algum dia recolherá seu fogo
e semeará as suas chamas e suas folhas
outra vez na nave terra.”

Pablo Neruda foi assassinado por uma ditadura sanguinária. Mas sua obra venceu seus algozes e resiste ao tempo por não se ligar no imediato. Muito pelo contrário. A poesia de Neruda tem uma mão no passado, outra no presente e a cabeça no futuro. Suas poesias continuarão a ser lidas por toda a eternidade.

O filme O Carteiro e o Poeta (1994), do diretor indiano Michael Redford, retrata um pouco da singularidade do chileno Neruda vivido pelo ator francês Phillipe Noiret, que manteve amizade com o carteiro (o italiano Massimo Troisi) que lhe levava as notícias do mundo e deseja aprender a escrever poesia, como se isso pudesse ser ensinado. “Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta”, escreveu Neruda.

Por Marcos Aurélio Ruy – Portal CTB

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