Os “Panama Papers” são o furo do século, mas há quem queira usá-los com finalidades políticas

Quem quer que tenha vazado os agora famosíssimos “Panama Papers”, que descrevem as operações de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio conduzidas pela Mossack Fonseca, o fez na expectativa de expor a sujeira do sistema financeiro internacional. Os 2,6 terabytes de dados brutos deixam poucas dúvidas quanto à abrangência do material-base da super-reportagem que se desenrola em tempo real mundo afora.

A narrativa dos papéis panamenhos ainda está em seus primeiros capítulos, mas desde já é possível perceber que a decisão de entregá-la para poucos veículos ligados às grandes empresas de comunicação concedeu inevitável viés às acusações escolhidas. A primeira história, publicada pelo jornal inglês Guardian, atingiu em cheio o presidente russo Vladimir Putin. A segunda, ainda mais relevante, deu-se contra o primeiro-ministro islandês Sigmundur Gunnlaugsson, que acabou renunciando ao cargo depois de passar vexame em rede nacional.

Não se defende o indefensável – quem tiver que pagar, que pague. Mas por que mirar o primeiro impacto nessas duas figuras específicas, que percentualmente são tão pequenas entre as contas da Mossack Fonseca?

A resposta foi dada pelo próprio jornal que recebeu os documentos, o alemão Suddeutsche Zeitung: trata-se da “metodologia utilizada” para filtrar os mais de 11 milhões de documentos, que prioriza nomes ligados a sanções impostas pelas Nações Unidas. Dessa forma, quaisquer nomes ligados a países como Russia, Coréia do Norte, Zimbábue, Irã e Síria terão máxima prioridade na apuração. Devido ao volume de dados imenso que foi capturado, isso representa na prática um bloqueio de longo prazo aos nomes ligados às nações centrais da ONU.

Há muitas menções a empresas multinacionais e figuras políticas nas montanhas de papeis arquivados pelo Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo (ICIJ). Pelo trabalho de mais de 300 jornalistas espalhados pelo mundo, nomes fortes como o de Mauricio Macri (presidente da Argentina), do banco HSBC, dos donos da Rede Globo, do Paulo Skaf (presidente da FIESP), do Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados) e de tantos outros magnatas estão descritos nessas páginas. Mas há uma distância entre a simples menção e a realização da reportagem – algo que o próprio Guardian admite, sem ressalvas, ao explicar que “muito do material fornecido permanecerá em segredo”.

O mesmo Guardian que, a pedido do governo, destruiu os dados fornecidos por Edward Snowden sem apurá-los.

O que se observa daí é que pode estar se orquestrando uma apuração direcionada dos “Panama Papers”. Putin e Gunnlaugsson são duas pedras no sapato para os donos do poder econômico: enquanto o primeiro ameaça a coesão da União Europeia com sua campanha de anexação territorial e controle do gás natural da região, o segundo deu reforço governamental ao único calote financeiro do continente depois de 2008. Comparados aos grandes clientes corporativos da Mossack Fonseca, são peixes pequenos, mas se colocaram no caminho dos poderosos.

Essa distorção fica mais evidente quando se investiga a origem do dinheiro do ICIJ: a montadora Ford, o especulador bilionário George Soros e a dinastia banqueira dos Rockerfeller se embrenham entre os grandes doadores, que são em maioria a nata do poder ocidental. Inevitável imaginar que quaisquer histórias relacionadas a esses personagens serão omitidas do público, e que histórias que lhes sejam convenientes serão priorizadas. A BBC, aliás, admitiu essa possibilidade ao esclarecer que faz apenas buscas específicas a nações sob sanções internacionais.

Para uma reportagem que se descreve como “um esforço de transparência”, soa no mínimo hipócrita colocar todos os papeis sob sigilo. Não há dúvida alguma de que, entre os 2,6 TB de informação raptada, constam informações para punir grandes empresas e derrubar governos ocidentais da mesma forma que ocorreu na Islândia neste fim de semana. A grande questão é se esse pequeno grupo de jornalistas terá coragem de fazer isso. Ou, pior, se terá interesse.

A humanidade precisa da liberação irrestrita de todos os dados. O mundo não pode assistir à perversão de uma oportunidade dessa magnitude.

Por Renato Bazan – Portal CTB

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